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sexta-feira, 8 de março de 2024

O desafio de modernizar o Código Civil

ANTONIO CARLOS LUA

Elaborado para adequar a legislação à evolução da sociedade e ao texto constitucional de 1988, o atual Código Civil passa, no momento, por uma nova reforma no Congresso Nacional, onde estão sendo feitas alterações em grande parte de sua essência e de sua estrutura, para inserção de mudanças sinalizadoras de uma nova época.

A última reforma do Código Civil ocorreu em 2002, modificando o texto original de 1916, cujo trabalho de elaboração coube ao jurista cearense e professor da faculdade de Direito de Recife, Clóvis Beviláqua.

Os textos do Código de 1916 e de 2002, que tratam da codificação das leis civis, foram movidos por ideias jurídicas distintas. Projetado para uma sociedade rural e patriarcalista, o Código de 1916 tinha um espírito fortemente individualista, baseando-se nos princípios liberais clássicos da propriedade privada quase que absoluta e na autonomia privada irrestrita.

Na seara do Direito de Família, a legislação colocava o homem em posição de preponderância em relação à mulher, consagrando a família constituída pelo casamento como a única a merecer proteção do Estado. Em função disso, não tardou em envelhecer, diante de fenômenos como a urbanização, a emancipação da mulher e a sociedade de massas.

Ao contrário da legislação de 1916 – que se revestia de uma visão com forte dose de conservadorismo – o Código Civil de 2002 priorizou os avanços da ciência e da tecnologia para reger as relações sociais numa estrutura cultural marcada por novos valores. Responsável pela sua elaboração, o jurista Miguel Reale procurou trazer uma legislação mais permeável às mudanças, levando em consideração as relações da vida em sociedade. 

O Código de 2002 trouxe mais de dois mil artigos que alteraram questões centrais da vida da população. Mesmo assim, sofre, até hoje, muitas críticas. Antes de entrar em vigor, ele passou 26 anos tramitando no Parlamento Federal. 

Enquanto o projeto dormia nas gavetas do Congresso Nacional, o velho Código de 1916 permanecia em vigor e o legislador começou a criar microssistemas protetivos para a mulher, para a criança, adolescente e para o consumidor. 

Na fase de elaboração, muitas emendas foram feitas a fim de adequá-lo ao texto constitucional. Apesar do longo tempo de tramitação legislativa, o texto conseguiu eliminar muitas ideias ultrapassadas.

Assim como a Carta Magna de 1988, o atual Código Civil em vigência foi concebido sob a terceira geração dos Direitos Humanos, ou seja, valorizando a dignidade da pessoa humana e a solidariedade que deve estar presente na sociedade contemporânea massificada. 

Trata-se de uma lei que soube explorar as chamadas cláusulas gerais, como a função social, os bons costumes e a boa-fé, entre outras questões que careciam de conceituação estática e definida. Dessa forma, promoveu uma renovação doutrinária e jurisprudencial, com destaque para a grande quantidade de obras e estudos publicados acerca das inovações apresentadas. 

Malgrado algumas imperfeições, o Código Civil de 2002 representou um notável avanço para as instituições civis. Diversos novos institutos foram inaugurados com a legislação. 

No âmbito dos contratos, importantes inovações surgiram com a previsão de regras gerais, notadamente aquelas que consagram os princípios da função social e da boa-fé objetiva (artigos. 421 e 422), as que regem o contrato preliminar e as que inserem no seu bojo o instituto da resolução por onerosidade excessiva.

Mesmo com alguns avanços, há quem aponte defeitos no Código Civil de 2022, considerando o mesmo anacrônico, revelando uma sociedade que não mais existe. Vários juristas o taxam de “desatualizado” com um texto muito confuso, pouco linear, sendo apenas uma cópia reciclada do Código de 1916. 

Mas as críticas não se voltam apenas ao Código Civil de 2002. Elas também são dirigidas à nova proposta em discussão no Congresso Nacional, classificada por alguns juristas como “bomba ideológica” por alterar radicalmente os conceitos de família na legislação. 

Diante disso, é necessário que as mudanças a serem efetivadas pelo Congresso Nacional na reforma do Código Civil sejam antecedidas de uma abordagem cautelosa, trazendo consigo incontroverso caráter humanista, almejando a proteção dos interesses socialmente relevantes da personalidade humana, considerando as transformações sociais, a expansão das leis especiais e a legalidade constitucional, que impõem uma mudança significativa em relação aos objetivos da codificação civil.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A literatura aliada ao discurso jornalístico

 ANTONIO CARLOS LUA

Até hoje, muitos escritores se perguntam se o jornalismo é, realmente, um fator positivo para a literatura. O que se sabe é que – benéfica ou não – a relação entre ambas as áreas de conhecimento e cultura passou a movimentar, a partir dos séculos XVIII e XIX, algumas redações brasileiras, quando escritores de prestígio iniciaram militância em jornais, descobrindo a força do jornalismo como espaço público. 

Na época, a união entre o jornalismo e a literatura proporcionava um significativo aumento no número de leitores, com muitos escritores conquistando notoriedade à medida em que seus textos literários eram publicados com destaque na imprensa.

Entretanto, o encontro entre jornalismo e literatura não pode ser resumido apenas na atuação de mercado. Temos que considerar também o jornalismo literário, que dá margem a diferentes interpretações sobre seu significado em resenhas e outras ferramentas literárias aliadas ao discurso jornalístico. 

Embora existindo aqueles que tecem fortes críticas sobre obras literárias veiculadas em jornais, há de se admitir que a relação mantida entre o jornalismo e a literatura – independentemente dos posicionamentos assumidos – é profícua.

Machado de Assis, por exemplo, foi um dos escritores que, utilizando-se da imprensa, fez propagar suas ideias escrevendo para jornais, estreitando o foco da observação e análise crítica de seu tempo, conforme exigia a natureza das suas crônicas semanais em jornais como “Diário do Rio de Janeiro”, “Correio Mercantil”, “A Marmota” e tantos outros periódicos. 

Unindo literatura e jornalismo em suas crônicas, Machado de Assis fez algo que, para a imprensa, significou mais do que união em texto, crítica literária ou publicação de resenhas. Assim, ele guiou a literatura e elevou a qualidade da imprensa, fazendo do jornal um aparato máximo de uma revolução do conhecimento, o que ele definia como “democracia prática pela inteligência”. 

O período de estabilidade, declínio e queda do Império brasileiro foi marcado pelo jornalismo literário, crítico e sutil de Machado de Assis, que transformou um público de cultura de comunicação oral em leitores assíduos de jornais, abrindo uma oportunidade rara para jornalistas, num país com poucos leitores. 

Naquele período, o alto índice de analfabetismo — 84% — diagnosticado pelo Império ofereceu margem para que o cronista afirmasse categoricamente que “a opinião pública era uma metáfora sem base”.

Embora tenha se consagrado como romancista e contista, ilustrando a galeria dos grandes nomes da literatura brasileira, Machado de Assis exerceu grande influência na configuração e legitimação social do jornalismo no Brasil. 

Homem de seu tempo, ele esteve vigorosamente envolvido com as questões que mobilizavam o jornalismo, levando o público oitocentista a tornar-se um leitor habituado a pensar e refletir. 

Ele fez do jornalismo sua prática de ação política, ora se empolgando com a dialética do esclarecimento prometida pelo ideal da imprensa, ora reprovando editoriais que enalteciam aspectos hegemônicos de uma sociedade escravocrata. Convicto entusiasta do jornalismo, acreditava no poder revolucionário da imprensa num país marcado pela escravidão.

O papel da imprensa e os seus limites éticos, que buscam o equilíbrio entre a liberdade de informar e a responsabilidade no exercício profissional, apareciam com bastante frequência nas crônicas de Machado de Assis. 

No jornal “Gazeta de Holanda”, em 1887 – época em que escravos só eram citados nos anúncios publicitários de venda ou como recompensa para aquele que o entregasse ao senhor – Machado de Assis teve a coragem de dar voz, em uma de suas crônicas, a um escravo de ganho – Pai Silvério – principal alvo nos debates que antecederam a Abolição da Escravatura.

Nas crônicas intituladas “O Jornal e o Livro”, “O Folhetinista” e “A reforma de jornal”, publicadas em 1859, ele mostrou que como afrodescendente não foi indiferente ao drama dos seus semelhantes, acreditando no poder revolucionário da imprensa contra a escravidão, ao analfabetismo e à rede nefasta de privilégios provenientes de uma sociedade com estrutura típica do sistema feudal.

Machado de Assis realizou, à sua maneira, um fazer jornalístico marcado pela etalinguagem e pela reflexão crítica acerca da profissão, práticas que o tornaram – além de excepcional romancista e cronista – uma referência na imprensa brasileira do Século XIX.

Verdadeiro repórter na execução dos registros jornalísticos dos fatos, ele definia os jornais como “literatura cotidiana”, uma “reprodução diária do espírito do povo” e, em algumas ocasiões, como a “república do pensamento”, revelando a figura do jornalista destemido, que não mede esforços para trazer a verdade dos fatos à tona. 

Machado de Assis defendia que o jornalista deveria registrar o cotidiano, tornando explícitas as suas marcas interpretativas, submetendo os polos do poder ao olhar atento da sociedade civil, sendo um ativo defensor de mudanças na realidade do país.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Os limites de tolerância da biosfera


ANTONIO CARLOS LUA

Se a temperatura continuar subindo no ritmo acelerado das últimas décadas, o impacto do aquecimento global será desastroso e poderá levar ao colapso da civilização e à 6ª extinção em massa das espécies. Caminhamos para uma situação inédita nos últimos 5 milhões de anos. A Terra está sob ameaça. O tempo é curto para evitar o pior. Sem uma ampla rede ecológica não haverá mais vida evoluída no Planeta. Sem estabilidade climática o céu pode se tornar um inferno. 

Não existe futuro para a humanidade se o planeta se tornar uma “Terra estufa”. Poderemos ter o mesmo destino dos dinossauros se não fizermos uma séria autocritica e um rápido redirecionamento do modelo de produção e consumo hegemônico.

Para uma civilização cujo desenvolvimento é medido em milênios, 20 anos é um período que não representa praticamente nada. Certamente, não deveria ser suficiente para devorar um planeta inteiro, mas, infelizmente, é para isso que estamos caminhando. As previsões de cientistas não são nada animadoras para a humanidade. No espaço de uma ou duas gerações poderemos tomar o caminho da autodestruição. 

As atividades humanas estão destruindo os ecossistemas, conduzindo a própria humanidade a uma crise global, sem precedentes. Estamos provocando um dano irreversível ao planeta Terra. Com mais um passo errado atingiremos os limites de tolerância da biosfera. Para evitar o colapso do sistema Terra – com o ser humano incluído – será necessário uma mudança drástica na gestão dos recursos terrestres.

Não é um alarmismo com viés catastrófico-ficcional. Vários cientistas norte-americanos e europeus – inclusive ganhadores do prêmio Nobel – alertam sobre os sinais claros de que estamos seguindo ladeira abaixo, rumo a um percurso insustentável. Estudos recentes registram progressos na redução de compostos químicos responsáveis pelo buraco de ozônio, no aumento da produção de energia a partir de fontes renováveis, no declínio da fertilidade e da taxa de desmatamento, que passou de 0,18% para 0,08%. 

É grave a situação dos recursos hídricos ‘per capita’, que diminuíram em 26%, desde o ano de 1992. Isso significa que em algum lugar alguém provavelmente ficou sem água. Continuam a diminuir os estoques de pescado, embora o ‘boom’ da aquicultura tenha dado algum fôlego para os oceanos. Aumentam dramaticamente, as "zonas mortas" marinhas.

Milhares de quilômetros de costa tornaram-se estéreis pelo afluxo de poluentes originados pelo setor agropecuário, como, por exemplo, os fertilizantes para a agricultura.  

Hoje, estamos derrubando menos árvores, mas ainda assim perdemos 122 milhões de hectares de florestas em 25 anos, dizendo um não a um dos melhores seguros contra o aquecimento global. Disso decorre – segundo especialistas – o problema da atmosfera, aquecida por emissões de gases de efeito estufa que aumentaram implacavelmente em 62% em vinte anos. Tudo isso causou um aumento na temperatura média global na Terra na margem 167%, e repercute sobre nossos coinquilinos do reino animal. Desde 1992, perdemos mais de 29% das espécies, entre mamíferos, anfíbios, répteis, peixes e aves.

Os cientistas insistem em dizer que para superar essa longa descida rumo ao colapso é crucial a redução da taxa de crescimento da população humana, que aumentou em dois bilhões em 25 anos, equivalente a um aumento de 35%. O último relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que o mundo tem menos de 12 anos para evitar um colapso ecológico, pois para que a meta mais ambiciosa de 1,5°C seja atingida, as emissões de gases de efeito estufa pelas atividades antrópicas teriam que ser reduzidas em cerca de 45% até 2030, chegando a zero por volta de 2050.

Se o aquecimento global continuar no ritmo atual, a civilização estará no rumo de uma catástrofe. E o mais grave é que a autodestruição humana pode levar junto milhões de espécies que nada tem a ver com os erros egoísticos dos seres que se julgam superiores e os mais inteligentes. A humanidade pode estar rumando para o suicídio, podendo também gerar um ecocídio e um holocausto biológico de proporções épicas. Há uma luta contra a natureza. 

Desde que entrou na Modernidade, o homem imagina ser o proprietário do Planeta deflagrando uma guerra contra a vida. Quem destrói a natureza destrói a si mesmo. É como cortar o galho da árvore sobre o qual estamos sentados. Não temos outro Planeta para emigrar. 

Apenas este nos foi dado. Vivemos em uma casa de vidro, e, em uma casa de vidro, antes de atirar pedras, é preciso pensar bem. Temos que frear a mudança climática. Se assim não fizermos tornaremos a Terra uma enorme pilha de escombros, desertos e lixo. Até 2050, calcula-se que até 700 milhões de pessoas tenham sido deslocadas devido a questões ligadas a recursos terrestres escassos. 

O número pode chegar a 10 bilhões até o final deste século.A última vez que a temperatura ultrapassou os 2º C, no Planeta, foi no período Eemiano (há cerca de 120 mil anos). Tudo indica que a temperatura no Século XXI vai ultrapassar os 2º C em relação ao período pré-industrial. Os prejuízos poderão ser incalculáveis.

Das paixões às heresias

ANTONIO CARLOS LUA

O Brasil está em festa. É carnaval, uma das maiores manifestações populares do País e do mundo. Sua origem é objeto de controvérsias até hoje. Ela tem sido atribuída à sobrevivência e evolução do culto de Ísis, das bacanais, lupercais e saturnais romanas, das festas em homenagem a Dionisio, na Grécia e até mesmo das festas dos inocentes e dos doidos, na Idade Média.

Curiosamente, um dos símbolos do carnaval – o Momo – está ligado ao Deus Baco e à Grécia arcaica. Para a maioria dos historiadores, o Carnaval teria começado quando Pisistráto oficializa o culto a Dionisio na Grécia, no século VII (antes de Cristo), e termina quando a Igreja Católica adota a festa em 590 (depois de Cristo).

Alguns pesquisadores contam que o primeiro foco de concentração carnavalesca se localizava no Egito. A festa era nada mais que dança e cantoria em volta de fogueiras. Os foliões usavam máscaras e disfarces simbolizando a inexistência de classes sociais.

A tradição se espalhou depois pela Grécia e Roma, entre o século VII (antes de Cristo) e VI (depois de Cristo). A separação da sociedade em classes fazia com que houvesse a necessidade de válvulas de escape. É nessa época que sexo e bebidas se fazem presentes na festa.

Em seguida, o Carnaval chega em Veneza para, então, se espalhar pelo mundo. Diz-se que foi lá que a festa tomou as características atuais: máscaras, fantasias, carros alegóricos, desfiles.

O Carnaval Cristão passa a existir quando a Igreja Católica oficializa a festa, em 590 (depois de Cristo). Antes, a instituição condenava a festa por seu caráter “pecaminoso”. No entanto, as autoridades eclesiásticas da época resolveram não mais proibir o Carnaval.

Foi então que houve a imposição de cerimônias oficiais sérias para conter a libertinagem. Mas esse tipo de festa batia de frente com a principal característica do Carnaval: o riso, a brincadeira.

Dizem que o Carnaval começou no Brasil, em 1723, com a chegada de portugueses das Ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde. Na época, possuía o nome de "entrudo" – uma espécie de introdução à Quaresma.

Quando chegou ao País, a festa estava recheada de brincadeiras de mau-gosto. Atiravam-se objetos com substâncias mal cheirosas nas pessoas, que eram molhadas nas ruas e em suas próprias casas, mesmo sendo idosas ou estando doentes.

Em 1853, a festa começou a ser reprimida pelos policias e segregada entre os participantes, em carnaval de salão (com brancos ricos) e o carnaval de rua (com pobres e negros). A festa de Entrudo não era de acesso às pessoas em geral, pois as regras da época diziam que não eram todos os habitantes que possuíam moral para frequentar os bailes.

Com essa regra, as próprias autoridades policiais começaram a estimular o Carnaval de rua com todos mascarados e fantasiados. E assim, os grandes bailes e grupos de Carnaval começaram a ganhar força, sendo o pontapé inicial para o carnaval que temos hoje.

À medida que o Carnaval de rua ganhava força entre as camadas populares iam surgindo grupos organizados, que faziam questão de sair pelas ruas da cidade chamando para a festa – que ainda era muito ligada ao Carnaval que era feito na Europa.

Aos poucos, as pessoas começavam a encarar o Carnaval como uma referência festiva, tanto que em 1882 as casas comerciais começaram a fechar as portas na terça-feira gorda, principal dia da festa. Assim como a origem do Carnaval, as raízes do termo também têm se constituído em objeto de discussão. Para uns, o vocábulo advém da expressão latina "carrum novalis" (carro naval), que quer dizer uma espécie de carro alegórico em forma de barco, com o qual os romanos inauguravam suas comemorações.

Para outros, a palavra seria derivada da expressão do latim “carnem levare”, modificada depois para “carne, vale!” (adeus, carne!), palavra que teve sua origem entre os séculos XI e XII que designava a quarta-feira de cinzas e anunciava a supressão da carne devido à Quaresma.

Apesar de não sabermos qual foi a verdadeira origem do Carnaval, o certo é que a dança, os festejos, os cânticos e a celebração, sempre estiveram presentes na vida e na evolução dos homens e das sociedades. 

domingo, 7 de janeiro de 2024

Caldas Góis e sua fé inabalável na Advocacia

ANTONIO CARLOS LUA

O senso de justiça, a intransigente defesa do Estado Democrático de Direito, da Constituição Federal e da cidadania tornaram o advogado José Caldas Góis uma referência positiva no meio jurídico maranhense, no qual construiu um rico legado que vai se perpetuar, fixando novos paradigmas, pilares e alicerces na advocacia maranhense, com seus exemplos essenciais à Justiça e imprescindíveis à democracia. Com suas virtudes e qualidades, ele ganhou o respeito e admiração em todas as esferas da advocacia maranhense.

Caldas Góis gravou seu nome na história da OAB, onde deixou um rico legado com sua vitoriosa trajetória como presidente da Seccional, sempre se guiando pelos melhores princípios éticos e profissionais, mostrando com seu carisma que é possível ser grande com simplicidade, lealdade e firmeza de caráter. 

Como presidente da Seccional Maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil, em duas gestões – entre os anos de 2004 e 2009 – Caldas Góis levou a Instituição a abrir caminhos rumo a um futuro melhor, sob a luz dos princípios da legalidade, da moralidade e da transparência, construindo um plano de gestão que deu uma perspectiva de futuro, colocando a OAB ao lado de seus profissionais, oferecendo-lhes as garantias fundamentais na defesa intransigente das suas prerrogativas, com o entendimento de que a Instituição não se legitima em si mesma, e sim convalida dia a dia a sua existência a partir da proteção indelegável das condições necessárias ao exercício da advocacia, na observação permanente do perímetro ético da atuação de seus inscritos.

Afinal, a OAB – por força de Lei Federal – além de representar os interesses classistas, em razão do artigo 44, I, de seu Estatuto, é, também, destinatária de responsabilidades coletivas, defensora da ordem jurídica, dos direitos humanos, das liberdades individuais, tornando-se, assim, um centro de convergência de expectativas públicas, combatendo o autoritarismo e a impunidade com retidão inflexível, sendo, portanto, incontestável a relevância da sua história no Maranhão e no país.

A consagração profissional do ilustre advogado – que viveu inúmeras experiências com uma convicção que impulsionou a conquista dos objetivos planejados – é resultado do seu posicionamento como defensor pertinaz de causas complexas, formulando caminhos que expressaram a sua paixão pela advocacia, profissão na qual sempre foi vitorioso, defendendo a Justiça como algo sagrado, inerente à condição humana com valor absoluto na sociedade.

No cargo de presidente da Seccional Maranhense da OAB, defendeu a advocacia atuando com fidalguia, agindo sempre com lealdade com seus pares por quem foi reconhecido como líder, verdadeiro mestre na arte de defender os direitos e as prerrogativas da advocacia.

Presidiu a OAB sob a luz dos princípios da legalidade, da moralidade e da transparência, realizando uma gestão democrática e transformadora, levando adiante um audacioso plano de ação que deixou uma marcas histórica na instituição, num processo intenso de fortalecimento, tornando-a mais atuante, republicana, eficiente, autônoma e democrática.

Advogado autêntico, de fino trato, extremamente leal e de fácil convivência, Caldas Góis trouxe lições de tolerância, civilidade e muita elegância na condução de questões institucionais, mesmo as mais polêmicas, respeitando opiniões adversas – ainda que com elas não concordasse – trazendo um tom de serenidade que merece se perpetuar na Instituição.

No exercício da presidência da OAB, deu os melhores exemplos de coerência nas suas atitudes. Foi ético em suas ações, retemperando o pacto com os advogados maranhenses na luta pelo engrandecimento da categoria. Lutou incansavelmente pela respeitabilidade da Instituição, enaltecendo a sua grandeza e a sua eloquente e decisiva importância para a realização da Justiça, conforme os princípios fundamentais da Magna Carta, que estabelece em seu artigo 133 que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A trajetória de Caldas Góis está lastreada por grandes feitos em prol da advocacia maranhense com foco na garantia de honorários dignos e nas campanhas contra o desrespeito às conquistas e prerrogativas da classe com um projeto coletivo de vanguarda, inovando a forma de fazer política na OAB maranhense, numa gestão democrática, inclusiva, introduzindo horizontalidade e um pensamento flexível de gestão.

Sempre guiado pelo interesse público e com a inabalável crença na ideia de transformação e fortalecimento da OAB Maranhense, Caldas Góis buscou uma comunicação altiva e independente com os Poderes Judiciário, Executivo, Legislativo, com o Ministério Público e com a Defensoria Pública, para encontrar alternativas e soluções aos desafios que se apresentavam, não apenas em benefício da Advocacia, como também da sociedade maranhense.

O entendimento de Caldas Góis era de que para colocar em prática o projeto institucional da OAB, não bastaria apenas dialogar com a Advocacia, sendo necessário também a constante interlocução com os Poderes Constituídos e com a sociedade civil, reafirmando o protagonismo da Seccional no contexto estadual e nacional.

Com suas convicções, ele presidiu a OAB de forma digna, propositiva. Seus princípios e exemplos permanecem vivos em cada gesto, em cada decisão, em cada ato, levando os advogados à compreensão de que toda e qualquer divergência deve ser dirimida com argumentos, com civilidade e, principalmente, respeito àqueles que pensam diferente.

Caldas Góis ultrapassou todas as adversidades como advogado, profissão na qual se realizou e que veio para ele como uma graça, uma dádiva de Deus, com todas as experiências que acumulou, vivenciando desafios e conquistas que contribuíram para que se tornasse um profissional consciente das suas convicções, as quais impulsionaram grandes conquistas na sua militância profissional, numa luta diária, árdua, tenaz, diuturna e vitoriosa.

Caldas Góis deu e continua dando os melhores exemplos de coerência nas suas atitudes como profissional. Com uma história de vida lastreada lutas e grandes feitos em prol da Advocacia, conquistou respeitabilidade pela eloquente grandeza como advogado e pela magnitude de uma carreira profissional exemplar, do ponto de vista ético e profissional.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Efeitos potenciais da Inteligência Artificial

ANTONIO CARLOS LUA

A Inteligência artificial está levando a comunidade jurídica a repensar a atual concepção do Direito, inclusive em suas áreas mais clássicas. Como a ciência jurídica – pela sua natureza – não é um sistema estático, a Inteligência Artificial abre cada vez mais espaço no campo do Direito, levando magistrados, advogados e outros profissionais da área jurídica a se debruçarem sobre esta nova realidade, se colocando como parte imprescindível no processo de evolução tecnológica. 

Com múltiplas aplicações – seja buscando dados, sugerindo decisões, apontando eventuais riscos, reduzindo possíveis erros, indicando correlações e incongruências – a Inteligência Artificial vem se tornando protagonista no meio jurídico, de modo cada vez mais frequente, em vários contextos.

No âmbito do Poder Judiciário, a primeira norma nacional específica sobre o uso da Inteligência Artificial foi publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Resolução nº 332, constituída por 31 artigos, distribuídos em 10 capítulos. 

Vários tribunais brasileiros se utilizam hoje dos recursos da Inteligência Artificial, entre eles o Supremo Tribunal Federal, que tem os robôs “Victor” – utilizado para análise de temas de repercussão geral na triagem de recursos recebidos – “Rafa”, desenvolvido para integrar a Agenda 2030 da ONU ao STF, e o “VitórIA” – plataforma que amplia o conhecimento sobre o perfil dos processos recebidos naquela Corte, permitindo o tratamento conjunto de temas repetidos ou similares. 

A movimentação do Judiciário em torno da Inteligência Artificial – termo cunhado pelo cientista da computação John McCarthy – vem garantindo, indiscutivelmente, mais eficiência e economicidade ao trabalho de várias Cortes de Justiça, expressando uma crescente maturidade institucional quanto ao uso de novas tecnologias para apoiar o trabalho dos magistrados, otimizando tempo e tornando os procedimentos mais céleres e eficientes.

Indiscutivelmente, o uso da Inteligência Artificial no âmbito da Justiça está ajudando os tribunais na superação de muitos desafios de ordem tecnológica, a partir do trabalho colaborativo dedicado às questões complexas e estratégicas, com vistas a garantir julgamentos com mais segurança jurídica, rapidez e consistência.

Numa rápida reminiscência histórica, é importante ressaltar que a primeira aparição sobre seres artificiais dotados de inteligência remonta a Galateia e Pigmalião, na história lendária contada pelo romano Ovídio, quando a inteligência artificial ganhava corpo ficcional nos contos mitológicos. Entre as sutilezas e irrealidades da época, o homem demonstrava que compreendia criticamente melhor o seu mundo, projetando melhorias.

Naquela época, as ideias ganhavam espaços imaginários nas mentes dos místicos que – com certa dose de alquimia – relatavam a possibilidade de colocar a mente na matéria. Foi exatamente nessa linha de plano imaginário que, no Século XIX, ideias sobre homens artificiais e máquinas pensantes foram desenvolvidas em ficção, a exemplo de “Frankenstein”, de Mary Shelley, ou em especulações como “Darwin entre as máquinas”, de Samuel Butler. 

Hoje, constatamos que foi com essas ideias que o legado imaginário de Inteligência Artificial não parou mais de crescer, tornando-se uma realidade nos dias atuais, trazendo um desafio adicional à conquista do conhecimento, fato que em tempos remotos se desenrolou em termos mitológicos, quando Prometeus roubou o fogo da sabedoria da posse exclusiva dos deuses do Olimpo. Como castigo, Zeus condenou Prometeus a viver acorrentado a uma rocha por toda a eternidade, enquanto uma águia comia todos dias o seu fígado, que se regenerava no dia seguinte. 

Embora acorrentado, Prometeus conseguiu passar o conhecimento aos humanos e não prestou obediência a Zeus, como explica no famoso poema “Prometheus” (1774) o escritor e estadista alemão do Sacro Império Romano-Germânico com incursões pelo campo da ciência natural, Wolfgang von Goethe.

O passo que estamos dando rumo ao desenvolvimento com a utilização dos recursos da Inteligência Artificial é, sem sombra de dúvida, muito importante, mas, porém, a humanidade – no intuito de amplificar os frutos de abundância fáustica – não pode passar, jamais, o bastão do fogo prometeico para as máquinas inteligentes, perdendo o controle de sua posição privilegiada de cérebro do Planeta.

domingo, 26 de novembro de 2023

Jornalismo, justiça e cidadania


 
ANTONIO CARLOS LUA

Temos assistido nestes finais de tempo um deboche geral aos princípios formadores da lei, gerando o enfraquecimento da cidadania e a distorção da própria moral, com a incoerente defesa de conceitos que marcam negativamente a democracia, criando uma frustração que compromete os prognósticos de um futuro saudável.

Assim, não podemos hesitar em dizer que o reduto derradeiro de todas as expectativas de mudanças no campo da cidadania ainda está no Jornalismo, que se impõe para que a verdade seja mostrada e defendida de forma independente e altiva, não se curvando diante dos arbítrios que violam a democracia, em assustadores acontecimentos que tonificam e robustecem os noticiários.

Vigilante, o Jornalismo tem a força de fazer imperar a justiça, vendo a lei como o único parâmetro saudável de convivência social, funcionando com autonomia diante dos poderosos e infratores que tentam infringir a ordem legal e as diretrizes constitucionais em vigência no país.

Esta deve ser a tônica do comportamento de todos os profissionais de imprensa como arautos primeiros da verdade a ser levada no seu testamento cívico aos cidadãos, não prescindindo jamais do poder simbólico do Jornalismo de agendar, enquadrar temas e fomentar o debate na sociedade.

Onde? Quem? Quando? Por quê? Como? É comum pensar que a atribuição do Jornalista é apenas responder a essas perguntas, embora o seu potencial não seja apenas o de informar sobre os fatos, mas também o de ter uma prática horizontalizada, democrática em constante diálogo com a sociedade, exercendo o seu papel de decodificar a informação, para provocar a reflexão e o debate.

Cabe ao Jornalista ter uma relação dialógica com o leitor e, dessa forma, levá-lo a esclarecer os fatos, para que ele possa elaborar a sua própria reflexão como testemunha do seu tempo, dando voz a grupos marginalizados e sub-representados na sociedade.

Jornalismo de verdade se faz optando pela informação de qualidade e assumindo efetivamente a agenda do cidadão, separando a notícia do lixo declaratório. O centro do debate tem que ser sempre o cidadão, permitindo à sociedade uma análise dos eventuais descompassos nas questões sociais, políticas, econômicas e culturais.