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domingo, 28 de janeiro de 2018

Controle ideológico


Por Antonio Carlos Lua 

O Governo Federal perdeu totalmente o controle sobre as concessões de emissoras de Rádio e Televisão no Brasil, onde se perpetua um ambiente regulatório desorganizado e marcado pela falta de transparência, sem critérios isonômicos. 

Muitas ilegalidades se embrenham na base do sistema de rádios e TVs no país, gerando prejuízos para a liberdade de imprensa, afrontando a Constituição Federal. 

A lista de ilegalidades combinada com a frouxa fiscalização por parte do Governo Federal resulta no surgimento de oligopólios e em uma situação de pouca diversidade de vozes e ideias, algo danoso à democracia e à representação dos diversos grupos que compõem a sociedade. 

Emissoras de Rádio e TV são bens públicos e devem servir aos interesses da sociedade e não aos do mercado e de doutrinas que exercem controle ideológico sobre os cidadãos. 

Os atuais critérios de concessões dessas emissoras têm beneficiado majoritariamente os políticos, embora a Constituição Federal, em seu artigo 54, os proíba expressamente de terem permissões de empresas concessionárias de radiodifusão.

A presença de políticos como sócios ou proprietários de órgãos de comunicação é notável, diante da força que esses veículos possuem na exposição de ideologias políticas.

No Brasil, 271 políticos são sócios ou diretores de empresas de radiodifusão. Esses números não contabilizam aqueles que têm relações informais ou indiretas, que acontecem por meio de parentes ou “laranjas”.

Dos partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 20 deles estão representados por políticos como proprietários de veículos de radiodifusão.

Os políticos do DEM saem na frente com 58 veículos, representando 24,1% do total da classe sócia de meios de comunicação. 

Os filiados ao PMDB aparecem em segundo lugar com 48 veículos em seu poder (17% do total), seguido dos políticos do PSDB com 43 canais de TV ou rádios. 

São 147 prefeitos, 55 deputados estaduais, dois governadores, 48 deputados federais e 20 senadores com vínculo direto e oficial com os meios de comunicação.

Não pode ser descartada a possibilidade desses veículos de comunicação, em dado momento, servirem para manter uma relação direta com o eleitorado. 

Existe uma influência velada da administração das emissoras e uma publicidade subliminar nos veículos que fabricam políticos, mantêm a base de sustentação e lançam novas candidaturas.

Como as regras do jornalismo de qualidade se contrastam com os interesses da classe política, discute-se até que ponto os veículos de comunicação ligados a ela agem com isenção no processo de elaboração da notícia.

Prevalece sempre o interesse político. Criou-se uma praxe para que políticos viabilizem a concessão de outorgas para os seus respectivos Estados, beneficiando amigos e seguidores.

Por outro lado, desde a década de 60, a configuração do sistema de redes nacionais de comunicação vem sendo construída com forte apoio dos recursos públicos num modelo de negócio baseado na afiliação de grupos regionais privados aos conglomerados nacionais.

Se por um aspecto esse modelo é um sucesso do ponto de vista econômico e empresarial, por outro lado ele acaba representando um fracasso para a cultura brasileira que, apesar de reconhecidamente rica, se torna empobrecida pela verticalização e unificação dos discursos.

O sistema central de mídia no país é estruturado a partir das redes nacionais de televisão. 

As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste possuem 40% dos veículos ligados às chamadas redes, conjunto de emissoras de rádio ou TV que transmitem uma mesma programação gerada a partir de uma estação principal (cabeça-de-rede).

Seja por uma questão territorial ou política, as zonas mais pobres do Brasil são aquelas que possuem maior subordinação às redes oligopolistas de televisão.

Dos 2.385 veículos ligados a uma das 55 redes nacionais de rádio e TV do país, 39% (934) possuem relação com as cinco maiores redes privadas de televisão – Globo, SBT, Record, Band ou Rede TV.

À Rede Globo de Televisão estão afiliados 340 veículos, entre emissoras de rádio, televisão e impressos espalhados em todo o território nacional. 

Em segundo lugar está o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), com 194 veículos. A Rede Bandeirantes (Band) assume a terceira posição, com 166 veículos afiliados em quase todos os estados. 

Em quarto lugar aparece a Rede Record, que é afiliada a 150 veículos de comunicação, entre eles o jornal Folha Universal, que tem a maior tiragem do país com três milhões de exemplares. Já a Rede TV está ligada a 84 veículos.

O predomínio da Rede Globo tem a ver não apenas com a quantidade de veículos associados, mas também com a diversidade dos suportes. Ou seja, os grupos ligados ao conglomerado no Brasil controlam não só mais TVs como também mais rádios e jornais.

domingo, 21 de janeiro de 2018

A polêmica sobre a prisão especial


Por Antonio Carlos Lua

Alvo recorrente de controvérsias, a prisão especial volta ao centro do debate demandando questionamentos e interpretações divergentes.

Uma corrente de juristas entende que não existe autorização constitucional para separar cidadãos presos porque uns são mais instruídos do que outros. 

Afirmam que o privilégio não é compatível com a Constituição Federal e, portanto, não deveria ser recepcionado no ordenamento jurídico.

O mesmo entendimento tem o Ministério Público Federal, que chegou a protocolar, no Supremo Tribunal Federal, a chamada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), sustentando que o dispositivo contribui para a perpetuação da seletividade do Sistema de Justiça Criminal, reafirmando a desigualdade e violando os princípios da dignidade humana e da isonomia.

Ou seja, não haveria razão nem critério razoável para se proceder à distinção estabelecida no inciso VII do artigo 295 do Código de Processo Penal (CPP), que confere prisão especial a detentores de diploma de curso superior. 

Para alguns especialistas, o procedimento apresenta uma visão equivocada, mostrando que o nosso grau de atraso se mede quando o próprio ordenamento jurídico reconhece que existe desigualdade.

A prisão especial, nesse caso, seria um reflexo da história da formação da sociedade brasileira, marcada por outros exemplos de distinção entre classes, como no Império, quando apenas militares ou homens ricos podiam votar. 

O entendimento é de que o quadro exposto retrata um Brasil dividido por castas, em matéria de prisão cautelar: os comuns, os especiais e os super especiais.

Nada disso seria compatível com a igualdade de todos os brasileiros perante a lei, uma vez que o cuidado com a prisão provisória deve existir, porém, voltado à pessoa do criminoso (o que fez, quem é e qual seu passado em matéria criminal). 

Assim, a separação, por cautela e para preservação da dignidade e da vida humana, somente devem ser acolhidas quando disserem respeito a fatos e não a títulos.

A prisão especial seria também incompatível com o princípio da isonomia. Afinal, qual seria a diferença entre um preso provisório – ainda considerado inocente – com diploma e outro preso provisório sem diploma – também ainda considerado inocente? 

Alguns juristas, no entanto, entendem que o nosso sistema penal é complexo e simplesmente revogar o dispositivo que estabelece a prisão especial para quem tem curso superior poderia trazer implicações sérias, como os efeitos de se colocar um preso acusado de um crime menos grave em um local dominado por facções.

Argumentam que a prisão especial encontra respaldo nos princípios da isonomia e da presunção de inocência e que sua aplicação em local separado dos presos com condenação definitiva deveria valer para todos os presos provisórios. 

Nesse caso, a ilegalidade estaria em não se conceder o benefício a todos, faltando uma lei para regulamentar a extensão da prisão especial.

A prisão especial foi regulamentada em 1937, ano em que o então presidente Getúlio Vargas deu início à implantação do regime denominado Estado Novo (1937-1945), período definido como a ditadura da Era Vargas, quando originou-se um contexto antidemocrático, de supressão de garantias fundamentais e manutenção de privilégios sem respaldo na igualdade substancial entre cidadãos.

Em 1941, o Código de Processo Penal (CPP) determinou as condições para alguém ser conduzido a quartéis ou à prisão especial, entre elas ter diploma de curso superior reconhecido no país. 

Algumas alterações foram feitas desde então, ampliando os efeitos do dispositivo, a exemplo do que ocorreu em 1957, quando prefeitos e vereadores, mesmo sem diploma, passaram a ser beneficiados com a prisão especial.

Em 2001, uma nova lei definiu o que é uma prisão especial diferenciando a mesma da prisão comum. Na prática, a prisão deve ser igual a qualquer outra, mas separada das demais e ocupada somente por presos que se enquadrem nos critérios estabelecidos.

O Código de Processo Penal diz que a cela pode ser um alojamento coletivo. A norma determina que, se não houver estabelecimento específico para o “preso especial”, ele somente deve ficar em uma cela distinta, mas na mesma unidade, não podendo ser transportado com os presos comuns. Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.

A prisão especial só vale para preso provisório. Todas as determinações constam no artigo 295 do Código de Processo Penal, onde está estabelecido que as prisões especiais são válidas apenas para pessoas antes de condenação definitiva, condição em que se encontram os presos provisórios.

Alguém é preso provisoriamente quando a Justiça entende que a medida é necessária, por exemplo, para evitar a fuga do país, quando há risco para a sociedade ou quando as investigações podem ser comprometidas caso o suspeito fique em liberdade. 

Se o preso for julgado e considerado culpado, as regras para a prisão mudam e muitas das determinações para prisão especial deixam de valer. 

Nesse caso, presos já condenados serão separados de acordo com a gravidade do crime praticado e se a integridade física, moral ou psicológica for ameaçada em razão da convivência com os demais presos, conforme prevê a Lei de Execução Penal, que regula como as sentenças e penas devem ser aplicadas. 

Um preso considerado especial, portanto, pode, após a condenação, ser transferido depois para uma unidade ou cela em que dividirá espaços com presos sem diplomas. De acordo com o ‘Institute for Criminal Policy Research’, que pesquisa sobre as estruturas judiciais no mundo, não existe sistema prisional em nenhum país no planeta que separe prisioneiros pelo seu nível de educação.

Se a existência dos privilégios da prisão especial para um determinado grupo de indivíduos é ou não justa e constitucional, cabe a reflexão. 

domingo, 14 de janeiro de 2018

Audiência de Custódia: um passo para a humanização

Por Antonio Carlos de Oliveira

Buscando adequar-se aos compromissos assumidos em convenções internacionais, o Brasil adotou, em 2015, a audiência de custódia, que é um dos temas mais discutidos no momento na área do Direito Processual Penal.

Embora seja relativamente nova no âmbito doutrinário e jurisprudencial brasileiro, a audiência de custódia já é uma prática consolidada em muitos países ocidentais.

Ela ganhou destaque no Brasil a partir da sua implantação no Maranhão, pelo Tribunal de Justiça (TJMA) e pela Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) que, por meio dos provimentos 24/2014 e 14/2014, respectivamente, disciplinaram a sua realização, se inspirando no positivo ativismo institucional da Unidade de Monitoramente e Fiscalização do Sistema Carcerário (UMF), que defendeu sua obrigatoriedade face ao caráter supralegal do Pacto de San José da Costa Rica e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

Como esses Tratados Internacionais trazem matéria de Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os mesmos possuem força normativa supralegal, ou seja, estão acima das leis, e abaixo apenas da Constituição Federal.

Parte importante da doutrina defende que documento internacional que trate de Direitos Humanos assinado pelo Brasil deve ser considerado como emenda constitucional, uma vez que os direitos fundamentais previstos no artigo 5º da Carta Magna não excluem outros decorrentes dos Tratados Internacionais, dos quais o Brasil seja parte.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, adotou entendimento diverso, no sentido de que apenas adquire status de emenda constitucional os documentos internacionais sobre direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos de seus membros.

Dessa forma, os outros tratados internacionais que envolvam direitos humanos – não aprovados nesses termos – teriam status supralegal, ficando acima da lei, mas abaixo da Constituição Federal.

A audiência de custódia consiste na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que deverá – a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa – exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura.

O conceito dado à audiência de custódia está totalmente vinculado à sua finalidade. Nesse caso, ela não pode ser confundida com a mera “audiência de apresentação”, uma vez que funciona como um instrumento de controle judicial imediato da prisão.

Embora seja essencial para proteger e outorgar proteção de direitos, como a vida e a integridade pessoal, há de se admitir que a audiência de custódia não elimina, sozinha, a tortura, uma prática que atravessou todo o período ditatorial e que, infelizmente, continua presente na democracia pós-Constituição Federal de 1988, agindo como uma espécie de “sistema penal subterrâneo”, aprovada por considerável parte da opinião pública, o que não deixa de ser preocupante.

Mesmo assim, não podemos deixar de reconhecer que ela aumenta o poder e a responsabilidade dos juízes, promotores e defensores de exigirem que os demais elos do sistema de justiça criminal passem a trabalhar em padrões de legalidade e eficiência, se afastando do arbítrio e estabelecendo limites legais ao exercício do poder punitivo.

Num país onde as penitenciárias estão lotadas, com um número significativo de pessoas presas preventivamente, a audiência de custódia se apresenta como medida relevante, submetendo a legalidade de prisões ao crivo judicial, colocando frente a frente o juiz e o preso, que é uma prática muito diferente da análise fria e distante do auto de prisão em flagrante.

Por apressar a análise judicial sobre a legalidade e necessidade da prisão, ela faz com que os responsáveis pela prisão – sabendo que o preso logo será apresentado à autoridade judiciária – sintam-se compelidos a não torturar, temendo pela descoberta de seu crime, e consequente punição.

domingo, 7 de janeiro de 2018

Achaque aos cidadãos

Por Antonio Carlos Lua

Valendo-se da tecnicidade impenetrável da legislação que regulamenta o recolhimento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), os órgãos arrecadadores estatais praticam um verdadeiro achaque fiscal aos cidadãos estabelecendo uma cobrança abusiva, uma vez que – mesmo sendo vinculado ao veículo – o mencionado imposto é fonte de arrecadação dos órgãos fazendários estaduais, que nada têm a ver com trânsito.

Da sua arrecadação nenhum centavo é investido em educação de trânsito, melhoria de rodovias, engenharia e fiscalização. A única preocupação do órgão arrecadador é tributar o cidadão, que é “expropriado” para repassar ao Estado o dinheiro que ganha com muito esforço e trabalho.

O pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores não confere ao contribuinte qualquer garantia de contraprestação de serviços. Até hoje ninguém sabe ao certo o destino do dinheiro arrecadado com o IPVA. Sua aplicação em serviços públicos é um mistério.

Trata-se de um imposto inoportuno e injusto. As razões da contestação são de natureza socioeconômica e jurídica. É injusto e inoportuno porque incide sobre um bem de consumo generalizado e que representa um meio de trabalho, um ativo de liquidez imediata.

Os proprietários de veículos já pagam vários tributos que incidem – por ocasião da aquisição do automóvel – na sua manutenção mecânica, no combustível, no seguro e nas áreas especiais de estacionamento.

Não se pode confundir o IPVA com a tributação de terrenos e casas, que cumprem uma evidente função e destinação social. Os veículos são fabricados em série e por dezenas de montadoras. É um bem de consumo como outro qualquer, sendo apenas mais caro que os demais.

Os impostos devem guardar nexo causal e coerência tributária. No que se refere à sua natureza jurídica, o valor do IPVA é determinado em função do preço do veículo, marca, modelo, ano e potência. Denomina-se esta prática de “progressividade”.

A formulação, porém, é inconstitucional, pois a Constituição Federal determina que a “progressividade” de imposto deve ser baseada na capacidade econômica do cidadão, com exceção do IRR (Imposto de Renda), IPTU (Imposto sobre a Propriedade Territorial e Urbana) e o ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural), cujo princípio comum é a função social da propriedade.          

A cobrança do IPVA nos dá a certeza de que quem trabalha e produz neste país não pode ser considerado contribuinte, mas, sim, vítima do fisco. A maioria dos proprietários de veículos não sabe o que significa nem para que serve o IPVA que – apesar de ser o segundo maior imposto em arrecadação – não é usado para absolutamente nada.

Ele surgiu de um imposto provisório denominado ‘Taxa Rodoviária Única’ e jamais foi revertido para as finalidades que justificaram sua criação. Como encheu os cofres públicos, acabou virando compulsório, infernizando os proprietários de veículos.

Como se não bastassem os tributos pagos para se adquirir um veículo, somos obrigados a arcar com um imposto para somente termos a posse de um automóvel, que hoje é um bem necessário, diante da precariedade do transporte público oferecido à população.

A cobrança acontece porque o nosso sistema tributário – que se transformou numa bagunça generalizada – é uma enorme colcha de retalhos, prejudicando o nosso desenvolvimento, inibindo investimentos e estimulando a sonegação, que é um excelente fertilizante para a corrupção.

O mundo mudou e não podemos continuar com tributos medievais, que funcionam apenas como instrumentos de arrecadação. Não é mais possível conviver com uma tributação estúpida que explora impiedosamente o consumidor com impostos de todos os tipos que a cada dia são acrescidos de inovações perversas.