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domingo, 30 de setembro de 2018

Tempos sombrios


Por Antonio Carlos Lua

O nível do debate entre os candidatos sem agendas propositivas vem aviltando o processo eleitoral, com a perda dos referenciais de natureza ética e moral, num retrocesso deplorável, com a perda de parâmetros em tempos sombrios de pós-verdade.

Eleições não se bastam a si próprias. Não podemos permitir que o medo continue sendo catapultado ao patamar de larga escala no país, abrindo caminho para que o ódio se coloque como elemento central da política, levando para as urnas uma experiência dramática.

Como os políticos não estão tendo capacidade de canalizar as insatisfações da sociedade, os oportunistas capturam as angústias dos eleitores e se aproveitam do momento de crise para mobilizar as massas, pulverizando a raiva e colocando o povo em fúria, com a inversão da verdade e desprezo pelos sistemas legais. 

Se não tivermos uma percepção das diferenças ideológicas que permeiam a política, abriremos caminho para que a intolerância penetre de forma determinante no país,  abrindo as portas para a barbárie.

É necessário que nos reinventemos enquanto seres coletivos, para impedir a ascensão do autoritarismo e de políticos raivosos que se apropriam do discurso progressista, para levar os eleitores a perderem o senso de realidade.

Diferenças ideológicas não podem ser combustível para o discurso do ódio, que vem diluindo a sociedade no caldo da política raivosa, arrastando multidões, numa narrativa onde é irrelevante discutir os meios para se chegar ao fim maior. 

Cabe ao eleitor responder a essa provocação de forma inteligente. Na política há uma lei que diz que “quando não se gosta da forma como a mesa está posta, vira-se a mesa”. É isso que os eleitores devem fazer, exigindo que os candidatos digam, com clareza, quais os objetivos e pontos de vista políticos prevalecem em suas ideias e projetos. 

É preciso ficar claro para os candidatos que, além do contexto político-eleitoral, há um conjunto de pessoas reais que está por trás das intenções de votos e que a sociedade não quer mais um Brasil controverso em si mesmo, vivendo, em pleno Século XXI, no quase primitivismo. 

Não interessa ao eleitor a retórica de um político desqualificando o opositor, colocando do seu lado o “bem” absolutamente puro e imaculado para situar do outro lado – o do opositor – o mal absolutamente impuro e degradado, como se a política fosse um campo de batalha numa disputa entre o supremo bem e o mal essencial.

Nada mais pernicioso ao processo democrático do que a conduta de quem pretende fazer política moralizando a si mesmo como “o bem” e o oponente como “o mal”, com a mentira impulsionando as ações políticas. A agressividade com que um candidato julga o oponente só não é maior do que a forma benevolente com que analisa o seu próprio comportamento. 

A mentira, a ofensa e a fanfarronice, que se repetem em nível abundante com muita intensidade na campanha eleitoral, causam efeitos colaterais nos eleitores já retraumatizados com o mau cheiro de decadência moral que acompanha há algum tempo a política brasileira.

Políticos que esbravejam a retórica perversa e desumanizante de “nós contra eles” estão criando um Brasil dividido e perigoso. Essa postura tem alimentado o retrocesso, enfraquecendo uma resposta firme às atrocidades causadas pela manipulação política.

domingo, 16 de setembro de 2018

Convergência de demagogias


Por Antonio Carlos Lua

Flagelados pela pior crise política desde a redemocratização, os brasileiros voltam às urnas para decidir uma eleição disputada por várias lideranças populistas autocráticas, que utilizam as ferramentas de comunicação para manipular multidões e oferecer respostas simples a problemas extremamente complexos. 

São os clássicos salvadores da pátria moldados na cultura política altamente personalista do Brasil, onde sobra campo para a ascensão de políticos populistas que emergem em eleições a cada quatro anos, tratando o povo como um conjunto homogêneo, sem senso crítico, fazendo a este “ofertas irresponsáveis”, numa argumentação que vira uma espécie de doutrinamento.

Embora se apresentem como defensores do povo, os populistas são intrinsecamente antidemocráticos e buscam desqualificar os oponentes empregando as dicotomias “nós versus os outros”, “tradição versus progresso”, “a nova política versus a velha política”, para dividir a sociedade e fazer com que a base da pirâmide social passe a lhe admirar.

Os candidatos de perfil populista reivindicam a ideia de democracia, mas – numa grande convergência de demagogias – agem contra o país e, em nome de uma ideia difusa de “libertação”, submetem as instituições à irracionalidade das multidões.

É por isso que o Brasil funciona sob um pêndulo que puxa todos os atores políticos para um de seus polos, transformando-os em repetições de atores passados, nos assombrando a cada momento com a repetição e a reincidência contínua do populismo, que segue manipulando o eleitor, alimentando medos e anseios, reduzindo a população a uma massa politicamente amorfa e suscetível aos interesses daqueles que banalizam a cidadania..

O populismo é pernicioso e oblitera as questões que afetam a vida comum, usando as massas como extensão de seus quintais para tirar proveitos pessoais e colocar em prática projetos escusos, sem qualquer preocupação com a criação de um Estado eficiente, neutro e previsível.