domingo, 11 de novembro de 2018

Um veneno contaminador na política


Antonio Carlos Lua

Falta interlocução política no Brasil, que vive uma grave crise de representatividade simbolizada por um racha no diálogo entre os políticos e a sociedade. São políticos analógicos que só sabem falar e não sabem ouvir, e eleitores digitais, que não querem só ouvir, querem ser ouvidos. 

Nenhum cidadão se sente representado hoje no Brasil. A classe política só fala para a própria classe política, com um conjunto de interesses próprios distanciados dos anseios da sociedade, ignorando as demandas cada vez mais radicais da cidadania nas ruas. 

A ausência de uma linha de atuação política saneadora que estabeleça uma cláusula de representação causa uma desordem geral no sistema democrático, faltando aos políticos a luminosa coerência para uma intervenção positiva nas causas que envolvem o supremo bem do povo.

Há nessa prática um veneno contaminador, levando a equivocada crença de que a representação política – longe de ser compreendida como serviço – é simplesmente a conquista de benesses e de posições que facilitem o enriquecimento a partir da corrupção.

Além de causar perplexidade, esse posicionamento atinge fortemente a tênue democracia brasileira, colocando em risco seus propósitos e funcionamento.

A representação política no país não é balizada em parâmetros éticos. Se essa dinâmica não for vencida, permanecerá aberta a ferida na democracia brasileira, que continua sendo objetivada apenas aos limites eleitorais.

Essa distorção faz com que os cidadãos deixem de ser atores na vida política, para tornarem-se consumidores de determinados partidos, com o exercício da cidadania limitado apenas o voto, sem participação no processo decisório. 

É um quadro desolador. Transformaram a democracia original num mercado eleitoral, colocando em xeque a legitimidade da representação política, com os partidos agindo como máquinas de poder. 

Precisamos encarar com urgência e ousadia esse grave problema, que se evidencia cada vez mais e cuja solução ainda não é visível com o perigoso fosso existente entre as agremiações políticas e a cidadania, num estranhamento que se generaliza cada vez mais.

É hora de rever estratégias para eliminar esquemas perniciosos que fragilizam a democracia, cuja vitalidade só é possível com cidadãos ativos e instituições políticas fortes, numa permanente relação construtiva. 

domingo, 4 de novembro de 2018

Excrescência autoritária



Antonio Carlos Lua

A Constituição Federal brasileira chega aos 30 anos em um momento crítico, com o Brasil vivendo uma crise institucional sem precedentes. Sobram incertezas. Assim, torna-se inevitável a pergunta diante da efeméride: a Carta Magna teve o mérito de manter o regime democrático diante de todos os percalços?

Para aqueles que, ao longo desses 30 anos, não cumpriram o seu dever no Parlamento e se preocupam apenas em atender agendas específicas para aumentar seus privilégios e lançar o país em novas aventuras de desfecho imprevisível, visando romper com o pacto democrático, a resposta é não.

Mais do que falhas dos parlamentares membros da Assembleia Constituinte ou no texto aprovado por eles, em 1988, os maiores tropeços são de legisladores que vieram depois e deveriam ter transformado em leis os valores constitucionais que foram as maiores conquistas na elaboração da Lei Suprema do país.

Antes de qualquer diagnóstico impressionista, a Constituição Federal deve, na verdade, é ser respeitada e cumprida de forma adequada. A proposta de mudar a Carta Magna é uma excrescência autoritária, de quem saiu de uma bolha e entrou desavisadamente no debate democrático. Nesse ritmo, caminharemos para um colapso, para uma crise de Estado.

Nas atuais circunstâncias, seria um retrocesso mudar a Constituição Federal. Não porque ela esteja acima de críticas. Apesar de ter um texto extenso demais, abarcar uma infinidade de assuntos que poderiam muito bem ser objeto de legislação ordinária e criar uma série de direitos sem deveres correspondentes, há de se admitir que a proposta apresentada para convocar uma nova Constituinte é totalmente infundada.

A ideia vem de uma leitura mágica da realidade brasileira atual. É uma proposta superficial que está sendo testada como balão de ensaio. Falta um debate honesto e racional sobre a questão. Num momento de turbulência, necessitamos de um ponto de apoio sólido. Querer uma nova Constituição em um momento sensível, de intempéries, é levar o Brasil a instabilidade total.

A Carta Magna de 1988 é filha de seu tempo. Após a redemocratização, era sumamente necessário dar ao Brasil uma nova Constituição e, como reação aos 21 anos de autoritarismo, os constituintes buscaram consagrar no texto todos os direitos que puderam conceber, muitos dos quais haviam sido tirados dos brasileiros durante a Ditadura.

Com ela, o país mudou nos últimos 30 anos. Evoluímos na compreensão do funcionamento das contas públicas e identificamos as bombas-relógio fiscais que podem comprometer o Estado brasileiro no futuro. Dobramos uma esquina importante no combate à corrupção.

Por enquanto, a atual Carta Magna traz os mecanismos que permitem sua alteração em diversos pontos, podendo estes serem modificados para que ela se torne mais enxuta, equilibrando melhor os direitos e deveres, plenamente adaptada à realidade atual, com o respaldo da vontade popular.