quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Efeitos potenciais da Inteligência Artificial

ANTONIO CARLOS LUA

A Inteligência artificial está levando a comunidade jurídica a repensar a atual concepção do Direito, inclusive em suas áreas mais clássicas. Como a ciência jurídica – pela sua natureza – não é um sistema estático, a Inteligência Artificial abre cada vez mais espaço no campo do Direito, levando magistrados, advogados e outros profissionais da área jurídica a se debruçarem sobre esta nova realidade, se colocando como parte imprescindível no processo de evolução tecnológica. 

Com múltiplas aplicações – seja buscando dados, sugerindo decisões, apontando eventuais riscos, reduzindo possíveis erros, indicando correlações e incongruências – a Inteligência Artificial vem se tornando protagonista no meio jurídico, de modo cada vez mais frequente, em vários contextos.

No âmbito do Poder Judiciário, a primeira norma nacional específica sobre o uso da Inteligência Artificial foi publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Resolução nº 332, constituída por 31 artigos, distribuídos em 10 capítulos. 

Vários tribunais brasileiros se utilizam hoje dos recursos da Inteligência Artificial, entre eles o Supremo Tribunal Federal, que tem os robôs “Victor” – utilizado para análise de temas de repercussão geral na triagem de recursos recebidos – “Rafa”, desenvolvido para integrar a Agenda 2030 da ONU ao STF, e o “VitórIA” – plataforma que amplia o conhecimento sobre o perfil dos processos recebidos naquela Corte, permitindo o tratamento conjunto de temas repetidos ou similares. 

A movimentação do Judiciário em torno da Inteligência Artificial – termo cunhado pelo cientista da computação John McCarthy – vem garantindo, indiscutivelmente, mais eficiência e economicidade ao trabalho de várias Cortes de Justiça, expressando uma crescente maturidade institucional quanto ao uso de novas tecnologias para apoiar o trabalho dos magistrados, otimizando tempo e tornando os procedimentos mais céleres e eficientes.

Indiscutivelmente, o uso da Inteligência Artificial no âmbito da Justiça está ajudando os tribunais na superação de muitos desafios de ordem tecnológica, a partir do trabalho colaborativo dedicado às questões complexas e estratégicas, com vistas a garantir julgamentos com mais segurança jurídica, rapidez e consistência.

Numa rápida reminiscência histórica, é importante ressaltar que a primeira aparição sobre seres artificiais dotados de inteligência remonta a Galateia e Pigmalião, na história lendária contada pelo romano Ovídio, quando a inteligência artificial ganhava corpo ficcional nos contos mitológicos. Entre as sutilezas e irrealidades da época, o homem demonstrava que compreendia criticamente melhor o seu mundo, projetando melhorias.

Naquela época, as ideias ganhavam espaços imaginários nas mentes dos místicos que – com certa dose de alquimia – relatavam a possibilidade de colocar a mente na matéria. Foi exatamente nessa linha de plano imaginário que, no Século XIX, ideias sobre homens artificiais e máquinas pensantes foram desenvolvidas em ficção, a exemplo de “Frankenstein”, de Mary Shelley, ou em especulações como “Darwin entre as máquinas”, de Samuel Butler. 

Hoje, constatamos que foi com essas ideias que o legado imaginário de Inteligência Artificial não parou mais de crescer, tornando-se uma realidade nos dias atuais, trazendo um desafio adicional à conquista do conhecimento, fato que em tempos remotos se desenrolou em termos mitológicos, quando Prometeus roubou o fogo da sabedoria da posse exclusiva dos deuses do Olimpo. Como castigo, Zeus condenou Prometeus a viver acorrentado a uma rocha por toda a eternidade, enquanto uma águia comia todos dias o seu fígado, que se regenerava no dia seguinte. 

Embora acorrentado, Prometeus conseguiu passar o conhecimento aos humanos e não prestou obediência a Zeus, como explica no famoso poema “Prometheus” (1774) o escritor e estadista alemão do Sacro Império Romano-Germânico com incursões pelo campo da ciência natural, Wolfgang von Goethe.

O passo que estamos dando rumo ao desenvolvimento com a utilização dos recursos da Inteligência Artificial é, sem sombra de dúvida, muito importante, mas, porém, a humanidade – no intuito de amplificar os frutos de abundância fáustica – não pode passar, jamais, o bastão do fogo prometeico para as máquinas inteligentes, perdendo o controle de sua posição privilegiada de cérebro do Planeta.