sábado, 23 de março de 2024

Império da lei

ANTONIO CARLOS LUA

Neste exato momento, algum brasileiro ou brasileira, em algum lugar do País, está cumprindo ao menos uma lei que não deveria ter entrado em vigor, por ser inconstitucional. Oito em cada dez leis julgadas – no mérito – pelo Supremo Tribunal Federal (STF), são consideradas inconstitucionais no todo ou em parte. A forma de editar uma lei, mais do que o seu conteúdo, está entre os principais erros cometidos.

É pública e notória a constatação de um número infindável de leis inconstitucionais em vigência no País. O Poder Legislativo aprova uma lei e sabe que depois tem um encontro marcado com o Poder Judiciário para rediscuti-la.

No Brasil, é comum que leis sejam editadas para atender interesse de poucos, que não teriam o direito que conquistaram se determinadas normas não estivessem no ordenamento jurídico.

Tal situação apenas escancara aquilo que já vem acontecendo há muito tempo e que acaba sendo paradoxalmente desprezada pelo Poder Legislativo, responsável pela criação e edição de diplomas legais.

O Brasil supera as democracias do mundo em número de leis questionadas, colocando o Poder Judiciário como a terceira arena de discussão, por ter que apreciar medidas legislativas, sendo bastante demandado para a verificação de possíveis inconstitucionalidades que viciam inúmeras legislações.

A despeito da inconstitucionalidade de leis federais, a criação de leis estaduais e municipais denuncia uma série de fatores já conhecidos de todos, mas que, até agora, não foram resolvidos.

Nessa direção, é possível detectar leis totalmente inconstitucionais, ora pela falta de competência das instâncias legislativas para a sua edição, ora pelo desvio de finalidade de atos normativos com o objetivo de favorecer demandas de caráter ilícito.

Como consequência óbvia da ineficiência e dos equívocos na criação de legislações, o Poder Judiciário encontra-se abarrotado com a chegada de inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade, Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, além dos Mandados de Injunção.

Isso acaba prejudicando os processos cujas demandas sofrem com a duração alongada de seus julgamentos, além de fazerem brotar outros processos correspondentes aos desvios de finalidade de atos de agentes públicos, definidos como atos de improbidade administrativa.

Assim, o aumento da demanda e a consequente perda da qualidade na criação de leis remetem à necessidade de um controle jurisdicional da sua constitucionalidade, promovendo um crescente protagonismo do Poder Judiciário em todas as suas instâncias.

É importante ressaltar que todos esses fatores que provocam a inconstitucionalidade de diplomas legais, são responsáveis pela crescente judicialização da política.

De acordo com o sistema jurídico adotado no Brasil, as leis gozam de presunção de constitucionalidade e, por isso, tão logo publicadas, passam a integrar o ordenamento jurídico, entrando em vigor na forma de suas próprias prescrições.

Sabemos, porém, que as leis, em seus respectivos processos de produção – quanto à forma e conteúdo – devem estar alinhadas e em perfeita sintonia com Constituição Federal. Quando assim não ocorre, cabe aos interessados questionar a sua constitucionalidade.

Muitas leis sancionadas não se encaixam à realidade social pela centralização de poder e pela distância de certos legisladores distanciados do cotidiano das pessoas. Embora a quantidade de leis aprovadas possa ser um termômetro para medir o protagonismo do Poder Legislativo, não há relação entre muitas leis aprovadas e um bom Parlamento, até porque o legislador também tem função de fiscalizar o Poder Executivo.

No mundo moderno, a lei é o princípio da autoridade. É a lei que define os limites da particularidade dentro da universalidade. É o império da lei o garantidor da liberdade. Fora da lei, reina a arbitrariedade, gerando um ingrediente negativo no conturbado contexto de questionamento de normas.

Na verdade, no caso do Brasil, a explicação para a significativa produção de leis inconstitucionais está em nossas raízes. Se fizermos uma análise histórica de nossa formação cultural, constataremos que o estatismo brasileiro não é um acaso, e sim uma obra de séculos. Isso se reflete na opinião dos cidadãos.

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