domingo, 2 de julho de 2017

Judicialização da política


Por Antonio Carlos Lua

Desde o iluminismo – em meados do século XVIII – firmou-se o princípio-regra da separação dos Poderes, inserido em todas as Constituições pós-Revolução Francesa, quando ficou definido que cabe ao Poder Legislativo elaborar as leis, ao Poder Executivo administrar o Estado, e ao Poder Judiciário interpretar e julgar os conflitos referentes à sua aplicação, nas esferas pública e privada.

O grande advogado da teoria da separação dos Poderes foi Charles-Louis Secondat (1698-1755) – o Barão de Montesquieu – que considerava essa separação indispensável à existência do Estado Democrático de Direito.

A pós-modernidade pôs de cabeça para baixo a separação dos Poderes. Ultimamente fala-se muito da judicialização da política, fenômeno que consiste na decisão do Poder Judiciário em relevantes questões políticas.

Há alguns equívocos que carecem ser evitados a bem da elucidação do polêmico tema. O primeiro deles é a apoliticidade do Poder Judiciário. Os juízes não podem ter filiação político-partidária, mas como órgãos do Estado, por preceito constitucional, desempenham, no exercício de suas atribuições, funções delegadas da soberania popular, cuja natureza é eminentemente política, no sentido mais elevado e aristotélico do termo.

É inédito o atual protagonismo do Poder Judiciário em cenário de crises políticas, expondo, de forma democrática, os meandros obscuros da política brasileira, diante da escassez e ausência de virtudes dentro do atual sistema político, que é hoje, sem dúvida, a verdadeira pedra angular da crise estabelecida no país.

Encabeçado pelo Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário brasileiro emergiu como guardião último dos direitos fundamentais dos cidadãos, vendo a lei como o elemento nuclear da democracia.

A judicialização da política – um fenômeno observado em diversas sociedades contemporâneas – ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostra falho, insuficiente ou insatisfatório.

No caso específico do Brasil, em rápida reminiscência histórica, convém situar que a República, proclamada através do golpe militar, foi constitucionalizada pela Carta de 1891, redigida por Rui Barbosa, que adotou o modelo norte-americano, erigindo o Supremo Tribunal Federal, como Corte constitucional, guardiã do espírito da Constituição Federal e de sua pilastra central – a soberania popular.

O modelo da primeira Constituição republicana repetiu-se em todos os textos constitucionais que lhe sucederam. Mas logo no alvorecer da República, durante a gestão do marechal Floriano Peixoto (1891-1894), deu-se a primeira crise político-militar do novo regime, impondo o desafio da judicialização da pendência política, gerada pela revolta dos oficiais da Marinha, chefiados por Custódio de Mello e Wandenkolk contra o governo Floriano, de quem eram desafetos.

Rui Barbosa intercedeu a favor dos revoltosos, presos por ordem do Governo, impetrando habeas corpus para libertá-los. Consta que o marechal Floriano Peixoto, ao saber da interposição da medida judicial a favor dos seus opositores, teria feito, de forma arrogante, a seguinte pergunta: Quem dará habeas corpus aos membros do Supremo Tribunal Federal, se eles soltarem os revoltosos?

O caso gerou uma grave crise. Muitos revoltosos exilaram-se, outros foram fuzilados e Rui Barbosa teve que se exilar em Portugal e depois na Inglaterra. O Jornal do Brasil, que fez a publicação do habeas corpus, em uma de suas edições, foi fechado. O governo Floriano Peixoto encerrou-se em 1894, com o seu titular cansado e desgastado, política e pessoalmente.

Esse foi o primeiro episódio da História republicana em que se criou o impasse da judicialização da política. Ao longo do tempo, vieram outros casos, trazendo vários exemplos de que vem cabendo ao Poder Judiciário o julgamento de relevantes questões políticas no Brasil. Quando se trata de fazer valer o espírito da Constituição Federal, não há outra forma de julgar. 

A judicialização das elevadas questões políticas em alguns casos é benéfica, desde que prevaleçam os superiores interesses da sociedade.

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