domingo, 11 de março de 2018

A falência do atual modelo de inquérito policial


Por Antonio Carlos Lua

Enquanto a solução de crimes investigados nos Estados Unidos e no Chile alcança a marca de 90%, no Brasil a resolução dos registros criminais chega apenas ao tímido percentual de 4%. 

O dado – extraído de um estudo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – levanta o debate sobre o sistema de investigação baseado no atual modelo de inquérito policial, que se encontra em profunda crise, devido às transformações sociais. 

Criado na época do Brasil Império, pelo Decreto 4.824/1871, o inquérito policial mantém basicamente os mesmos moldes de sua primeira definição legal e tornou-se incompatível com uma sociedade complexa como a atual, ensejando a construção de um novo modelo de investigação criminal, com os parâmetros de constitucionalidade trazidos pela Carta Magna de 1988.

Previsto no Código de Processo Penal como principal procedimento investigativo da Polícia Judiciária brasileira, o inquérito policial apura (investiga) determinado crime e antecede a ação penal, sendo classificado como pré-processual. 

Ele é composto de provas de autoria e materialidade de crime que, geralmente, são produzidas por investigadores de Polícia e peritos criminais. Mantido sob a guarda do escrivão, o inquérito policial é presidido pelo delegado de Polícia.

O Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda adota um modelo de inquérito policial que adentrou o século XXI sem mudanças estruturais relevantes. A insatisfação com as suas imperfeições e a pouca qualidade da prova coletada, não é recente. Quando se discute a eficiência da sistemática investigativa usada atualmente os números são indefensáveis. 

Pouco eficaz diante da evolução da prática criminosa, o atual modelo de inquérito policial tornou-se uma espécie de arquétipo da nossa cultura burocrática, mazela que persegue os países subdesenvolvidos como um fantasma.

Com um índice de arquivamento de 96%, o Brasil carrega estarrecedoras estatísticas de interrupção de investigações de assassinatos, em decorrência do burocrático modelo de investigação, que não oferece condições para a coleta imediata dos indícios e provas do crime, o que leva à perda da materialidade do crime e do autor. 

É muito baixa a capacidade de elucidação de crimes graves, como também o de produção de provas periciais em homicídios, um tipo de crime com alto grau de resolução nos países desenvolvidos. 

Mudar essa a situação significaria evitar a processualização da investigação e as exigências de formalidades inúteis e protelatórias como despachos, carimbos, prazos internos de tramitação de inquérito e de outros procedimentos que não estão na lei e tampouco no Código de Processo Penal. 



Reclama-se muito que as investigações são solapadas e submetidas ao ritmo cartorário e ritualístico do inquérito policial, resultando na péssima qualidade das peças acusatórias, material probatório de baixa qualidade, morosidade das investigações e impunidade. 

A burocracia não possibilita celeridade e, nas investigações, a Polícia acaba não encontrando testemunhas, vestígios e outros elementos fundamentais de prova.

Quem acompanha o noticiário político na imprensa tem a impressão que o grau de elucidação de crimes aumentou com o número de operações policiais. 

Porém, elas não são parâmetros e têm um trâmite diferente dos inquéritos normais, contando hoje com aproximação total do Ministério Público, sendo o trabalho dos investigadores imediatamente conhecido pelos procuradores e pelo Judiciário, o que elimina a burocracia, mudando completamente a dinâmica da investigação, que não tem o trâmite normal de delegacia.

Pesquisas indicam que com o atual modelo de inquérito os baixos índices de solução de crimes no Brasil só não são maiores porque muitas ocorrências levadas às delegacias pela Polícia Militar são casos de flagrantes, que não demandam tanto da investigação, pois o autor do crime já é apresentado e os elementos de crime já são colhidos na hora. Se isso não ocorresse o índice de arquivamento dos inquéritos chegaria a 99%.

É importante ressaltar que a discussão sobre o tema deve considerar a péssima estrutura das polícias judiciárias em muitas unidades da federação, com a falta de apoio ao trabalho dos delegados e agentes, que padecem com salários sofríveis. A falta de gestão administrativa, interferência política, falta de dotações materiais e técnicas também resultam na baixíssima efetividade da Polícia.

Em muitos estados brasileiros, os policiais ficam praticamente impedidos de priorizar o combate a determinadas práticas delitivas com os inúmeros entraves que reduzem, de forma acachapante, a capacidade operativa das corporações.

Num país com alarmantes índices de criminalidade, o inquérito policial deve ser o instrumento que reflita a obrigação do Estado em agir e efetivar o direito fundamental da segurança e proteção garantida na Constituição Federal, com uma nova concepção estatal da organização da Polícia como auxiliar dos tribunais e dos promotores para a investigação de crimes.

É preciso reconhecer que o atual modelo de inquérito policial não responde à criminalidade contemporânea, marcada por extrema sofisticação e por grupos de elevado poder econômico. 

Torna-se necessário também discutir, sob um viés acadêmico, o nosso sistema de investigação, para, a partir do Direito Comparado, construir uma proposta que traga celeridade às investigações, viabilizando, ao mesmo tempo, a inatacabilidade formal e material dos elementos de informação e provas colhidos, zelando pelo respeito absoluto à Constituição Federal. 

O que se espera é que não demore muito para que o atual modelo de inquérito saia de cena e sobre seus escombros se construa o paradigma de uma Polícia verdadeiramente científica e multiprofissional.

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