segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Os muros estavam chorando

Se os muros físicos que separam países simbolizam a nossa incapacidade de resolver diferenças usando os instrumentos das democracias modernas para a Justiça, solidariedade e a Paz Social, a destruição dos muros de celebração de amizades provocam angústia, por nos conduzir a fazer rupturas profundas, difíceis de consertar, quebrando liturgias, vínculos e valores civilizatórios de convivência humana.

É o que podemos interpretar com a leitura do poema carregado de sentimento e sensibilidade “Os muros estavam chorando”, da lavra do renomado advogado e ex-presidente da Seccional Maranhense da OAB, Raimundo Marques

O poema expressa o drástico retrocesso não só na paisagem urbana, como também humana, nos levando a perder o desejo de andar e apreciar a cidade, exercendo o nosso direito consagrado de observação livre da vida e das coisas que fazem parte do nosso cotidiano. 

Muros sem vida, sujos, mal cuidados, com concepção estética caracterizada pela propaganda de banalidades pregando valores sociais não generosos, comprometem o desenho urbano, destroem a beleza da cidade, num cruel retrocesso social, cultural e humano.

São simulacros de paisagem fortalecidos pela aculturação ditada por uma política exploratória e destrutiva, evidenciando os sintomas de um urbanismo sem qualquer coesão social com o tecido humanístico.

Leia, abaixo, o poema: 

OS MUROS ESTAVAM CHORANDO

Raimundo Marques

Os muros estavam chorando.
Por pouco tempo, é verdade.
Detive-me olhando a rua Coronel Lago.
Inevitável surto de saudade.
Cadê a casa? as casas? o muro? A mim mesmo indago.
Mas que muro? O do seu Bena?
A separar a nossa, da casa do vizinho amigo?
Sim, só podia ser este, viva lembrança, que pena!
Uma farmácia agora, no local, nenhum sinal do antigo
Até a casa, grande, morada inteira, gente amiga.
Agora, lojão do famoso “sucesso em qualquer lugar”.
Nenhum resquício da mansão antiga.
Continuei procurando outro silente muro.
Não encontrei nenhum, “limpo e puro”.
Mas ví alguns que expressavam dores.
Agredidos e humilhados , pelos   pichadores.
Tolas propagandas comerciais.
Anúncios, ainda visíveis, banais.
Mal apagados, de políticos profissionais.
Enfim, a mudez dos muros, bem olhando.
Sem pinturas, tintas mortas, no seu lugar, gotas lacrimais.
Os muros estavam chorando.

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