domingo, 25 de agosto de 2019

Lógica maquiavélica

Antonio Carlos Lua

O mundo poderá testemunhar a terceira revolução da arte da guerra, depois das invenções da pólvora e da bomba atômica. A China, Reino Unido, EUA, Israel e Rússia estão desenvolvendo armas autônomas de destruição em massa, que poderão decidir, sozinhas, matar, sem envolvimento humano.

São os avançados robôs assassinos, criados pela junção das tecnologias da robótica, da cibernética, da Realidade Aumentada (RA) e da Inteligência Artificial (IA). 

Tudo começa, é claro, com o trabalho da comunidade tecnológica assentada no Vale do Silício, Califórnia, no aprimoramento de Inteligência Artificial e sua aplicação em múltiplas funções, incluindo identificação de imagens e reconhecimento de voz. 

Os robôs assassinos estão sendo desenvolvidos nos esconderijos supersecretos das potências militares, mostrando que “a guerra é a continuação da política por outros meios”, como disse o estrategista militar prussiano, Carl Von Clausewitz (1780/1831), no livro “Da Guerra”.

Com sua versão autônoma, os robôs assassinos garantem tudo o que atualmente constitui uma arma – tanques, caças, submarinos – tendo o poder de enviar um milhão de minidrones em um contêiner ou em um avião cargueiro, com a capacidade destrutiva de uma bomba atômica. 

Enquanto sonhamos com o momento utópico em que os robôs simpáticos, bonzinhos e trabalhadores façam todo o serviço necessário para sustentar a humanidade, a realidade distópica investe na criação de autômatos de guerra e em robôs superinteligentes e assassinos.

Os robôs assassinos – com memória ilimitada e capacidade cognitiva – já foram testados nos conflitos armados do Iêmen e outros países do Oriente Médio. Os membros do grupo ISIS – segunda organização terrorista mais mortífera do mundo – que o digam.

Esses robôs voam e atuam durante o dia e à noite. Enxergam os inimigos com luz infravermelha e lançam mísseis contra os alvos cirúrgicos definidos pela Inteligência Artificial. São projetados para matar e ainda absorvem o recuo das armas poderosas.

Há algum tempo o Pentágono vem avançando no uso de armas robóticas, associadas à Inteligência Artificial, que podem responder às ameaças recebidas de artilharia e mísseis, envolvendo-se em ações militares contra forças inimigas sem a supervisão humana. 

Assim, as forças políticas e militares dos países mais desenvolvidos estão a ponto de abrir a caixa de Pandora, com vastos enxames de armas robóticas guiadas por Inteligência Artificial se enfrentando em uma velocidade superior ao que os comandantes de guerra conseguem acompanhar no curso de uma batalha.

Hoje, podemos dizer que o princípio ético primum non nocere (“primeiro, não prejudicar”) não se aplica mais, pois na guerra as primeiras vítimas são a verdade e a ética.

Os cérebros cibernéticos, de grande memória e capacidade de processamento conseguem se conectar aos dispositivos móveis – drones, carros, tanques autônomos, navios autoguiados, transformers, ciborgues, androides – partindo para a ação, independentemente do controle humano.

Não é necessário um cérebro particularmente ágil para entender por que oficiais do Pentágono buscariam se munir com tal tecnologia, que lhes dará uma considerável vantagem em futuras guerras. Assim, qualquer conflito de grande escala entre EUA, China ou Rússia – ou ambas – seria, para dizer o mínimo, extremamente violento.

A lógica da guerra é terrível. Os interesses mesquinhos sempre prevalece no império da lógica consequencialista maquiavélica, nos fazendo lembrar que, na Segunda Guerra Mundial, o poder da potência emergente criou o primeiro supercomputador (ENIAC) e lançou duas bombas atômicas, em Hiroshima (06/08/1945) e em Nagasaki (09/08/1945).

A questão merece vários questionamentos. Como fazer com que o Direito Internacional humanitário seja respeitado quando máquinas tomam a decisão de matar? O que pensar do robô da Samsung, capaz de matar automaticamente na fronteira coreana? O que pensar das empresas americanas Amazon e Microsoft participando de projetos militares para o desenvolvimento de robôs assassinos?

Esses questionamentos são realistas. Não é uma conjectura baseada em filmes de ficção científica ou narrativas distópicas. O receio é que num futuro próximo toda a deslumbrante tecnologia que funciona a nosso favor passe a se unir e se virar contra os humanos.

domingo, 11 de agosto de 2019

O capital quer ocupar o lugar da arte e do homem


Antonio Carlos Lua

Acessar o subterrâneo da obra de Guimarães Rosa, em sua complexa teia subjetiva, é tarefa sempre incompleta, mas iluminadora sobre a força de uma literatura que se traduz na duplicidade entre o regionalismo e o universal, tendo como argumento central o próprio fazer literário. 

Com suas estratégicas linguísticas, Guimarães Rosa – como bom mineiro – come o angu pelas bordas, deixando pistas para desvelar o que é velado, clamando pela revelação. Ler o povo brasileiro na sua obra é vivenciar o humanismo e ser tocado a compreender a multifacetada realidade brasileira.

Sua principal obra – “Grande Sertão: veredas” – nasceu do pó da terra que constitui o Brasil. Embora alguns insinuem  uma resistência de Guimarães Rosa à manifestações de cunho político, é importante proclamar que o fazer literário do escritor mineiro faz as vezes de seus manifestos, com enorme vantagem. 

Infelizmente, no atual momento brasileiro, não se parece cumprir o que Guimarães Rosa esperava para o século XXI, uma vez que a chamada ‘brasilidade’ que ele tanto falava está em baixa, num momento em que as ações do capital querem ocupar o lugar da arte e do homem, ficando cada vez mais distantes os prognósticos do escritor.

A última palavra de sua obra “Grande Sertão: Veredas” é a que liga o fio do tempo, o passado e o presente, de um Brasil que, tanto antes como agora, é o país que poderia ter sido, mas nunca foi. A “jagunçagem”, para usar um termo do autor, é uma forma política presente no país e nos coloca diante de enormes contradições. 

É somente renovando a língua que se pode renovar o mundo. Foi com esse intuito que Guimarães Rosa se entregou de corpo e alma à tarefa de revitalização da linguagem, vista por ele como verdadeira missão.

Em tempos de polarização política e consequente emburrecimento dos extremos, seria bom aprendermos algo mais com Guimarães Rosa, cuja obra envolve inteiramente os que se atrevem a lê-lo. 

Ele joga luzes sobre as sombras da alma humana, revelando as contradições presentes na feitura do homem, não com o espanto de quem não conhece nem a si próprio, mas, sim, como um verdadeiro médico que conhece as dores mais profundas, tanto as suas como as daqueles que se forem vistos com um olhar descuidado passam por sadios, normais e comuns.

Enquanto Gilberto Freyre usava o símbolo de um entrelaçamento harmonioso entre senhores e escravos, Guimarães Rosa acentua em sua obra o antagonismo entre os donos de ‘casas grandes’ e os que moram em casebres nas ‘veredas’. 

“Grande sertão: veredas” versa sobre a ausência de diálogo entre os ricos e os pobres. Não se trata da diferença entre um Brasil sertanejo e um Brasil urbano, até porque hoje nas favelas das grandes cidades esses ‘dois Brasis’ se misturam. Trata-se, na verdade, da falta de diálogo entre a classe dominante e as classes populares.

domingo, 4 de agosto de 2019

A ditadura do algoritmo

Antonio Carlos Lua

Hoje, falamos apenas uma língua no planeta: a matemática. Morar na China, na Austrália ou no Brasil, não faz diferença. A língua que domina a economia e a política é a matemática. 

Da linguagem universal da matemática nasceu a revolução dos algoritmos, com a inteligência artificial nos oferecendo a possibilidade de mudar a própria humanidade.

Com o poder de transformar o corpo, o cérebro e a mente, a inteligência artificial poderá criar seres com características diferentes de nós e bem maior daquilo que nos diferencia de outros hominídeos.

Cientistas têm anunciado ao mundo inteiro que uma superespécie está prestes a nascer. Somos os últimos exemplares de uma espécie a ser superada. A velocidade da tecnologia nos tornou limitados. 

A transformação – dizem os cientistas – começará com a modificação do nosso DNA através da engenharia genética e a biotecnia, que entrarão em ação para criar cyborgs – uma mistura de partes orgânicas e inorgânicas.

É algo que nunca vimos no curso de quatro bilhões anos de vida na Terra. Nem mesmo na literatura ficcionista de Isaac Asimov, Ursula Le Guin, Philip Dick e Aldous Huxley houve qualquer vislumbramento sobre a mistura de corpo humano e robô. 

Agora, o humano e o tecnológico estão se fundindo, e isso está acontecendo em nosso presente. É a mudança mais significativa na evolução da vida. 

Presenciamos hoje uma inversão da relação entre humano e tecnológico. Confiamos cada vez mais no poder dos computadores e algoritmos, nos deixando guiar totalmente por eles. É o totalitarismo das máquinas. A ditadura do algoritmo.