Acessar o subterrâneo da obra de Guimarães Rosa, em sua complexa teia subjetiva, é tarefa sempre incompleta, mas iluminadora sobre a força de uma literatura que se traduz na duplicidade entre o regionalismo e o universal, tendo como argumento central o próprio fazer literário.
Com suas estratégicas linguísticas, Guimarães Rosa – como bom mineiro – come o angu pelas bordas, deixando pistas para desvelar o que é velado, clamando pela revelação. Ler o povo brasileiro na sua obra é vivenciar o humanismo e ser tocado a compreender a multifacetada realidade brasileira.
Sua principal obra – “Grande Sertão: veredas” – nasceu do pó da terra que constitui o Brasil. Embora alguns insinuem uma resistência de Guimarães Rosa à manifestações de cunho político, é importante proclamar que o fazer literário do escritor mineiro faz as vezes de seus manifestos, com enorme vantagem.
Infelizmente, no atual momento brasileiro, não se parece cumprir o que Guimarães Rosa esperava para o século XXI, uma vez que a chamada ‘brasilidade’ que ele tanto falava está em baixa, num momento em que as ações do capital querem ocupar o lugar da arte e do homem, ficando cada vez mais distantes os prognósticos do escritor.
A última palavra de sua obra “Grande Sertão: Veredas” é a que liga o fio do tempo, o passado e o presente, de um Brasil que, tanto antes como agora, é o país que poderia ter sido, mas nunca foi. A “jagunçagem”, para usar um termo do autor, é uma forma política presente no país e nos coloca diante de enormes contradições.
É somente renovando a língua que se pode renovar o mundo. Foi com esse intuito que Guimarães Rosa se entregou de corpo e alma à tarefa de revitalização da linguagem, vista por ele como verdadeira missão.
Em tempos de polarização política e consequente emburrecimento dos extremos, seria bom aprendermos algo mais com Guimarães Rosa, cuja obra envolve inteiramente os que se atrevem a lê-lo.
Ele joga luzes sobre as sombras da alma humana, revelando as contradições presentes na feitura do homem, não com o espanto de quem não conhece nem a si próprio, mas, sim, como um verdadeiro médico que conhece as dores mais profundas, tanto as suas como as daqueles que se forem vistos com um olhar descuidado passam por sadios, normais e comuns.
Enquanto Gilberto Freyre usava o símbolo de um entrelaçamento harmonioso entre senhores e escravos, Guimarães Rosa acentua em sua obra o antagonismo entre os donos de ‘casas grandes’ e os que moram em casebres nas ‘veredas’.
“Grande sertão: veredas” versa sobre a ausência de diálogo entre os ricos e os pobres. Não se trata da diferença entre um Brasil sertanejo e um Brasil urbano, até porque hoje nas favelas das grandes cidades esses ‘dois Brasis’ se misturam. Trata-se, na verdade, da falta de diálogo entre a classe dominante e as classes populares.
Texto sensacional, como todos do autor! Meus parabéns
ResponderExcluirAntonio Carlos Lua e Guimarães Rosa, dois mestres das letras, brilhantes e reais!!!
ResponderExcluirMuito legal, seu texto, AMIGO!
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