Antonio Carlos Lua
Mesmo com o arcabouço legal estimulado pela Constituição Federal de 1988, o crime de racismo continua sendo tratado de forma inadequada no Brasil, onde o ódio racial contra a população negra existe desde que o primeiro navio negreiro aqui chegou.
No Brasil – onde é gritante a desigualdade, o subdesenvolvimento, a violência e a pobreza extrema – as pessoas não são encorajadas a participar de um diálogo sobre os desafios que os afrodescendentes enfrentam com a presença de um racismo persistente e ainda muito enraizado na sociedade.
Embora a propaganda governamental insista em dizer que não existe discriminação racial no país, as instituições da República brasileira, em âmbito nacional, não expressam, concretamente, vontade política de combater o racismo e as práticas daqueles que não prezam e não respeitam as raças e etnias, em todas as esferas sociais.
Faltam ações efetivas que contribuam para melhorias sociais tangíveis nas vidas de milhões de pessoas de descendência africana no Brasil, onde existe uma visível correlação entre pobreza e racismo, apesar das consistentes provas da contribuição dos negros para o desenvolvimento da sociedade brasileira.
Com a Constituição Federal de 1988, o Brasil adotou as leis mais progressistas para a proteção dos direitos humanos, mas, no entanto, continua persistindo um enorme fosso entre o espírito dessas leis e a efetiva implementação da legislação de combate ao racismo no país.
A Lei Caó (Lei nº 7.716/89) – embrião das normas jurídicas que definiram os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, de autoria do advogado, jornalista e político baiano, Carlos Alberto de Oliveira – é um exemplo disso.
Nos seus 32 anos de vigência ,completados no dia 5 deste mês, a legislação não foi capaz de resolver o problema do racismo no país, onde mais de dois terços da história foi sobre regime de escravidão.
A Lei Caó regulamentou o artigo 5º da Constituição Federal, que tornou o racismo crime inafiançável e imprescritível. Praticar, induzir ou incitar a discriminação passou de uma contravenção a crime com pena de um a cinco anos de prisão.
A mencionada lei – originalmente restrito a preconceitos de raça ou de cor, e ampliado em 1997 para abranger também discriminações motivadas por etnia, religião ou procedência nacional – definiu como crime sujeito a pena de prisão o ato de, por motivo de raça ou cor, recusar ou impedir acesso de pessoas a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
No artigo 14 da Lei é instituída a pena de dois a quatro anos de prisão para quem impedir ou criar obstáculo por qualquer meio ou forma a casamento ou convivência familiar ou social por motivo racial.
Em 1990, o Congresso aprovou a Lei 8.801/90 que explicita os crimes praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.
Para atualizar a Lei Caó e a legislação subsequente sobre o assunto, o Congresso Nacional aprovou, em 1997, a Lei 9.459/97, que estabelece pena de um a três anos de prisão e multa para os crimes em que fique caracterizado o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Se qualquer um desses crimes for cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza a pena será a mesma.
A Lei 9.459/97 especifica o crime de fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que caracterizem racismo.
Ela também autoriza o recolhimento imediato ou a busca e apreensão de material com propaganda racista e a cessação de qualquer transmissão por rádio, televisão ou internet de conteúdo discriminatório.
A legislação agravou o crime de injúria, ofensa à dignidade ou decoro de alguém (Código Penal, artigo 140) quando essa consistir na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. A pena prevista nesse caso é de um a três anos de prisão, além de multa.
A tipificação, no entanto, continua sendo ainda o maior problema. O racismo institucional está distante do racismo grosseiro, bisonho previsto na lei. Tem as sutilezas da cordialidade, por isso, não é fácil de ser visto, tipificado. Com isso, verifica-se poucas condenações pela prática de racismo.
Muitas pessoas ainda reputam o racismo a coisas muito pouco concretas e têm dificuldade em entender a discriminação racial como fenômeno cultural. Além disso, há uma resistência quanto ao cumprimento dos preceitos constitucionais, impedindo que práticas preconceituosas sejam exemplarmente punidas.
Essas práticas reduzem o racismo a causas individuais que acabam não gerando responsabilizações, apesar de o Brasil já ter sido condenado publicamente pela OEA por omissões em casos de discriminação racial.
O preconceito racial é uma doença insidiosa, que afeta os povos de todo o mundo. É diagnosticada pela catalogação das suas manifestações que incluem a intolerância e o ódio. Apesar de todos estes sintomas de preconceito racial serem manifestados, a única causa subjacente do preconceito racial é a ignorância.