ANTONIO CARLOS LUA
Governos não podem renunciar a excelsa e primária função de ser serviço do bem comum do seu povo. Quando falta uma ação apropriada dos poderes públicos surgem as desigualdades, com os direitos e os deveres do cidadão carecendo de eficácia prática.
Vivemos uma etapa histórica de grandes transformações com multifacetadas formas de violência, que colocam em jogo a alma das pessoas.
Verifica-se um paradoxo. Por um lado, um fenomenal desenvolvimento normativo. Por outro, uma deterioração no gozo efetivo dos direitos consagrados globalmente.
No Brasil, histórica e estruturalmente, o “cidadão de bem” é praticamente sinônimo de “cidadão de bens”. Negros, mestiços, mulatos, indígenas, caboclos e tantos outros oprimidos sempre estiveram excluídos da cidadania.
Mesmo após a abolição da escravatura, o estigma de superexploração e a discriminação racial mantiveram seu vigor negativo, com os negros tornando-se “livres” para mendigar ou para “mourejar feito doido”, como o personagem “Nego Leléu”, na obra “Viva o Povo Brasileiro”, do saudoso escritor baiano, João Ubaldo Ribeiro.
Desse processo resultou, historicamente, uma cidadania pífia e enferma, com cidadãos deserdados, sem terra, sem trabalho, sem teto, sem comida, rechaçados para os porões, periferias e lixões, longe do olhar de políticos submergidos unicamente em interesses eleitorais ou agarrados em visões enviesadas, peremptórias, reduzidas.
Uma multidão de cidadãos sem vez e sem voz despenca cada vez mais para níveis sociais críticos de extrema pobreza. O país utópico do futuro sem pobreza está cada vez mais distante e o Brasil despótico é a realidade que insiste em permanecer presente.
A pobreza geradora de fome tornou-se uma chaga no Brasil, sendo uma das formas mais violentas de humilhar as pessoas e ferir-lhes a alma. Nos últimos 30 anos a renda dos mais pobres permaneceu inalterada, enquanto a dos mais ricos cresceu 300%.
Não há atenuante. Num país que produz alimentos suficientes para garantir comida a todos os seus habitantes, a fome nada mais é do que um crime, que trai o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.