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quarta-feira, 28 de junho de 2023

O Brasil despótico e a pobreza multidimensional

ANTONIO CARLOS LUA

Governos não podem renunciar a excelsa e primária função de ser serviço do bem comum do seu povo. Quando falta uma ação apropriada dos poderes públicos surgem as desigualdades, com os direitos e os deveres do cidadão carecendo de eficácia prática.  

Vivemos uma etapa histórica de grandes transformações com multifacetadas formas de violência, que colocam em jogo a alma das pessoas. 

Verifica-se um paradoxo. Por um lado, um fenomenal desenvolvimento normativo. Por outro, uma deterioração no gozo efetivo dos direitos consagrados globalmente. 

No Brasil, histórica e estruturalmente, o “cidadão de bem” é praticamente sinônimo de “cidadão de bens”. Negros, mestiços, mulatos, indígenas, caboclos e tantos outros oprimidos sempre estiveram excluídos da cidadania. 

Mesmo após a abolição da escravatura, o estigma de superexploração e a discriminação racial mantiveram seu vigor negativo, com os negros tornando-se “livres” para mendigar ou para “mourejar feito doido”, como o personagem “Nego Leléu”, na obra “Viva o Povo Brasileiro”, do saudoso escritor baiano, João Ubaldo Ribeiro.

Desse processo resultou, historicamente, uma cidadania pífia e enferma, com cidadãos deserdados, sem terra, sem trabalho, sem teto, sem comida, rechaçados para os porões, periferias e lixões, longe do olhar de políticos submergidos unicamente em interesses eleitorais ou agarrados em visões enviesadas, peremptórias, reduzidas. 

Uma multidão de cidadãos sem vez e sem voz despenca cada vez mais para níveis sociais críticos de extrema pobreza. O país utópico do futuro sem pobreza está cada vez mais distante e o Brasil despótico é a realidade que insiste em permanecer presente. 

A pobreza geradora de fome tornou-se uma chaga no Brasil, sendo uma das formas mais violentas de humilhar as pessoas e ferir-lhes a alma. Nos últimos 30 anos a renda dos mais pobres permaneceu inalterada, enquanto a dos mais ricos cresceu 300%. 

Não há atenuante. Num país que produz alimentos suficientes para garantir comida a todos os seus habitantes, a fome nada mais é do que um crime, que trai o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.

Nesse marco, faz-se necessário passar das palavras a uma ação vigorosa e consistente. Não para nos deixar levar aos borbotões e pelos titulares intermitentes e passageiros, mas para encarar sem trégua, com justiça e coerência, a fome e as causas que a provocam.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Um futuro assombroso



ANTONIO CARLOS LUA

Há muito tempo o homem abusa das condições dos ecossistemas planetários, comprometendo de maneira integral os sistemas geradores de vida na Terra,

Estamos há 250 anos emitindo gases que contribuem para o efeito estufa e, agora, temos o aquecimento global. Precisamos ficar atentos para o que poderá acontecer nesse vasto mundo onde os indivíduos se refugiam.

Se os biólogos estiverem certos, o desenho do futuro é assombroso, uma vez que nos próximos cem anos os humanos poderão eliminar até 50% de todas as espécies da Terra.                                                                                                      

Até 2048 os oceanos atingirão um ápice em que não mais será permitido a retirada de recursos alimentares, tendo em vista que a excessiva atividade de pesca não respeita o tempo de reposição dos cardumes. Mais de 1 milhão de espécies de animais e vegetais estão ameaçados de extinção.

Todas essas ocorrências configuram um drama que altera todo o sistema de funcionamento da Terra, enfraquecendo biologicamente o planeta e afetando a ordem da vida, que é o imperativo maior e o princípio máximo que a inteligência humana conhece


Tragédia brasileira

 ANTONIO CAROS LUA

Precisamos discutir no Brasil o conceito de democracia, em todas as arenas políticas. Não a democracia onde o poder de mando do povo seja uma ilusão. Esta não é a democracia, é a enganação ilusória com nome de democracia.

No Brasil, cujo cenário político é conturbado e desesperador, precisamos de política de vida e não uma política que se sobrepõe a vida, com as determinações simultâneas destinadas à violação e ao fracasso da ordem social.

Os tempos, definitivamente, registram uma alta turbulência política que assola impiedosamente o Brasil, onde o grau de descrença em relação a nossa desfigurada democracia torna o sistema político nacional insustentável.

 


A nódoa da violência de gênero

ANTONIO CARLOS LUA

Dois milênios após o cenário do Brasil Colônia (1500-1822), a vida das mulheres no Brasil ainda traz a nódoa da violência tatuada em seu corpo pela urgência sexual dos homens, causando perplexidade e indignação. 

O cotidiano das mulheres no país continua sendo marcado pela violência, desde o assédio sexual e o estupro até o caso mais extremo – o feminicídio – que é um crime de poder, de decisão sobre vida e morte que muitos homens julgam ter sobre os corpos femininos. 

O sentimento de posse, dominação, perda do controle e soberania sobre o segmento feminino são alguns dos motivos pelos quais os homens matam as mulheres no Brasil, onde um estupro é registrado a cada oito minutos. 

No país, cerca de 89,9% das mulheres são mortas pelo companheiro ou ex-companheiro. Quase 60% dos brasileiros já testemunharam situações de violência contra mulheres em seu bairro ou comunidade. É muito grave a situação das mulheres no Brasil, onde a desigualdade de gênero é uma das mais altas no mundo. 

Assédios sexual e moral, violência doméstica, estupros, preconceito e discriminação têm sido a tônica da vida das mulheres brasileiras numa sociedade extremamente patriarcal, conservadora, que ainda acha que a família, mesmo mantida com base na violência, deve ser mantida a todo custo e sofrimento.


O poeta é um jornalista de alma humana

 ANTONIO CARLOS LUA

A informação ganha cada vez mais velocidade. Hoje fazemos jornalismo à luz da informatização. Sumiram as laudas, a máquina de escrever, os revisores.

A alta tecnologia coloca o texto mais perto da rotativa, encurtando o trajeto entre o jornal e o leitor. A sofisticação nos leva, agora, a ter páginas prontinhas na frente do computador.

Aperta-se um botão e nossos textos são transformados em matrizes para ação das velozes rotativas, que transformam nossos textos em reflexo cotidiano, acrescendo análises e respeitando a inteligência alheia, com um caráter ético e plural.

Na velocidade em que as informações são transmitidas, corre-se o risco da emoção ser atropelada na rodovia. 

Mas isso só ocorrerá se alma pequena – como diz o imortal jargão do grande poeta Fernando Pessoa. É por isso que o poeta é um jornalista de alma humana.

Novos paradigmas do jornalismo

ANTONIO CARLOS LUA

Temos a impressão de que os dias estão cada vez mais curtos. As tradicionais 24 horas diárias parecem já não ter os mesmos 1.440 minutos de outrora. Essa mudança na percepção da passagem do tempo está relacionada ao desenvolvimento tecnológico que provocou o que chamamos de “compressão do tempo-espaço”.

Ela vem provocando profundas transformações na atuação dos jornalistas numa sociedade, onde a informação é o ponto central. É legítimo afirmar que os novos paradigmas da comunicação estão obrigando os jornalistas a assumirem um novo papel numa sociedade transitória.

Se era aceitável em outras épocas descobrir sobre um fato no dia seguinte, hoje essa limitação é inquietante. O público quer saber tudo e rapidamente. Hoje a notícia jornalística é compreendida como construção social da realidade. 

Esse paradigma tem como pressuposto que a notícia – à medida que mostra o fato – evidencia importantes verdades, construindo, em tempo real, o processo de transformação da realidade social.

Nesse contexto, em meio à enxurrada de notícias falsas, o valor agregado de um jornalista surgirá de sua credibilidade. O jornalista precisa construir confiança em relação ao seu trabalho, ouvindo e interagindo diretamente com seu público, adotando transparência.

Há mudanças importantes ocorrendo na produção da notícia, exigindo maior agilidade e novas habilidades dos jornalistas. Novos meios, novos contextos de produção, novas linguagens estão alterando acentuadamente o fazer jornalístico. Como resultado desse desenvolvimento tecnológico, as notícias se tornam um produto superabundante, barato e instantâneo.

O Século XXI – o terceiro milênio – é marcado por grandes transformações digitais, muitas delas no campo profissional do Jornalismo. Quem atua na área de comunicação sabe que esse fenômeno está mudando hábitos sociais, com o incremento de novas tecnologias.

Assim, a imprensa que definiu as democracias ocidentais no Século XX, enfrenta, agora, em pleno Século XXI, o desafio de adaptar-se a emergente sociedade digital, para que o Jornalismo não só sobreviva, mas avance, prospere e triunfe.

A constatação da mudança na concepção geral da atividade jornalística na era digital tem como corolário a necessidade de revisar as rotinas e normas vigentes para incorporar o conjunto de atores na escala de valores da atividade. 

O julgamento da noticiabilidade de um dado, fato ou evento tem que ser determinado por um conjunto de princípios, entre os quais o compromisso com o fortalecimento da democracia. 

Na atual conjuntura brasileira, o jornalismo de dados e multiplataforma, o Jornalismo cidadão, o Jornalismo independente e o Jornalismo alternativo têm sido apresentados como soluções, tanto para o mercado jornalístico, quanto para a esfera pública dos direitos à informação e à livre expressão.

terça-feira, 20 de junho de 2023

A Justiça no Século XXI


ANTONIO CARLOS LUA

Vindos do além-mar para desbravar e colonizar nossas terras continentais, os pioneiros – logo que chegaram ao nosso país  se deram conta da complexidade da atividade judiciária no então Novo Mundo. Coube a Pero Borges – ouvidor e magistrado de carreira que se fixou na Bahia, em 1549 – a tarefa de organizar a distribuição do sistema de Justiça na vastidão das terras brasileiras. 

Na época, se estabeleceram diversas categorias de agentes do Judiciário entre eles os juízes ordinários, juízes leigos, juízes eletivos, juízes de fora, juízes de vintena e juízes de órfãos. Ficou definido que os recursos interpostos contra as decisões de primeira instância deveriam ser apreciados pela Corte, em Lisboa, Portugal.  

Foi o Rei Felipe II, de Portugal e Espanha, se preocupou com a criação de um colegiado nas colônias e, assim, nasceram, no Brasil, os Tribunais de Relação na Bahia, em 1609; no Rio de Janeiro, em 1751; no Maranhão, em 1813; e em Pernambuco, em 1822. 

Foram criados mais sete Tribunais de Relação, até que a Constituição de 1891 atribuiu aos Estados a competência para a instituição de seus tribunais de segunda instância. Formou-se então no país uma vasta e capilarizada rede de prestação de serviços judiciários, passando a ser atribuição de cada Estado a gestão e a distribuição da Justiça em todo o seu território. 

Hoje, no Século XXI, com os valores republicanos já consolidados em nossa sociedade, observamos o Poder Judiciário vivendo um momento de reinvenção, estando presente em todos os rincões do país como símbolo de soberania e independência, registrando atos da vida civil, defendendo a cidadania e decidindo questões próprias da vida social, sejam estas de caráter individual ou coletivo,  

Assim, com muito dinamismo na prestação jurisdicional, o Poder Judiciário evidencia sua vocação de servir à sociedade, se posicionando ao alcance do cidadão, de forma perene, gratuita, acessível e ininterrupta, não sendo apenas a Justiça de ente, mas também a Justiça de gente, ocupando-se das questões dos seres humanos, solucionando conflitos que externam a dramaticidade da vicissitude natural das relações humanas e sociais.