Translate

domingo, 20 de agosto de 2017

Fábrica de miséria

Antonio Carlos Lua

O Brasil não conseguiu ainda redesenhar a sua história e resolver os problemas sociais enraizados nos tempos da colonização, período em que o país vivia “num ambiente completamente fictício de uma civilização de empréstimo”, como chegou a dizer, em vida, o poeta, escritor e jornalista Euclides da Cunha, na resenha intitulada “História de uma longa e persistente desilusão”.

Publicada no final da primeira fase da República, 
denominada “República da Espada” (1889/1894)  período em que os militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto comandaram o país – a resenha de Euclides da Cunha constituiu-se num espantoso prenúncio das mazelas sociais e econômicas que vivemos hoje com a desconexão entre o Brasil profundo e a elite política neoliberal que conduz hoje os destinos do país.

A verdade é que o Brasil entrou em colapso. Nossa economia estagnou, asfixiada por regulações, tarifas e uma carga tributária elevadíssima, acompanhada do esbanjamento do dinheiro público por um Governo constantemente envolvido em escândalos de corrupção.

Os políticos corruptos – que fecham os olhos frente à realidade e optam por viver dentro de uma bolha, atribuindo, de forma perversa, o nosso atraso ao mundo exterior – investem na despolitização da população com estratégias de manutenção do poder dos grupos dominantes.

Esses mesmos políticos reduzem nossa democracia a discursos conservadores, retrógrados, repressores, extremistas, polarizados, tendo como componente o ódio perpetuado em demasia nas redes sociais, na Internet, sem o mínimo de reflexão sobre os problemas que afligem a sociedade.

O Brasil não cresce, aumenta miséria. O descalabro do Estado estacionário brasileiro potencializa as distorções sociais, fazendo com que grande parte da nossa juventude permaneça pobre, desempregada, morrendo vítima da violência e compondo a imensa maioria da população carcerária.

Os investimentos na educação são, na prática, presentes de gregos para troianos. No Nordeste brasileiro, 68% das crianças e adolescentes de até 17 anos vivem em situação de extrema pobreza, determinante para a escolaridade, pois a faixa de renda familiar influi na frequência escolar, com reflexos no nível de educação.

Apenas 13,9% dos jovens com até 24 anos estão na universidade. Na mesma faixa etária apenas 36,8% possuem o Ensino Médio completo. Metade da população brasileira de até 24 anos sequer possui o Ensino Médio completo, o que acarreta problemas de sobrevivência, com decisiva influência na qualificação profissional e na violência.

Dos jovens entre 18 e 24 anos apenas 37,9% possuem 11 anos de estudos. Mais de um milhão e trezentas mil crianças, entre 8 e 14 anos de idade – mesmo matriculadas em escolas públicas – não sabem ler nem escrever. 

Entre os brasileiros com idade superior a 25 anos, mais de 52% possuem menos de oito anos de estudos e sequer completaram o ensino fundamental. As dificuldades nos estudos se refletem no emprego e na própria vida dos jovens, cuja maioria vive à margem da sociedade e vagam pelo país imersos na marginalidade e nas drogas.

Quase três milhões de jovens não estudam, não trabalham e estão abandonados pelo Estado Brasileiro. O país possui mais de meio milhão de pessoas nas penitenciárias, das quais cerca de 80% são jovens de até 24 anos. A principal causa da morte de jovens é a violência.

sábado, 12 de agosto de 2017

Normas extravagantes


Por Antonio Carlos Lua

Desde a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, foram criadas, no Brasil, 5,4 milhões de normas voltadas às pessoas físicas e jurídicas. O número — que representa, em média, 782 normas editadas por dia útil – é um exemplo esdrúxulo do emaranhado burocrático brasileiro. Nunca o Brasil produziu quantidade tão significativa de leis, muitas delas destinadas à lata de lixo da História por inconstitucionalidade ou irrelevância.

Não é tarefa fácil decifrar e se adequar ao universo de normas no país. No total, 13 bilhões de palavras – publicadas na forma de 5,4 milhões de normas – foram escritas nos últimos 29 anos para tentar reger o país. Cada regra traz, em média, 11,2 artigos. Assim, são mais de 2,534 milhões de artigos, 5,904 milhões de parágrafos, 18,877 milhões de incisos e 2,483 milhões de alíneas.

Somente a legislação de impostos impressa tem peso equivalente a 6,7 toneladas, o que corresponde a seis carros populares. Se for reunida em um único livro terá 43 mil páginas, cada uma com 2,4 metros de altura por 1,2 de largura. As páginas, uma ao lado da outra, somarão 93 quilômetros. A lombada terá 3,2 metros.

O excesso de leis esconde um Estado autoritário sob uma cortina de fumaça democrática, uma vez que os espaços hermenêuticos dos textos evidenciam uma longa história de autoritarismo e rigidez hierárquica.

Vivendo na parafernália legislativa brasileira, o cidadão se sente absolutamente inseguro. Este é o grande problema da nossa civilização. Como já dizia o filósofo alemão, Friedrich Nietzsche, “quando não existe segurança, a civilização se transforma em uma nova barbárie”.

A quantidade de leis que surgem a todo instante – aliada à interpretações que se alteram com freqüência – implicam em menos segurança jurídica, que é cada vez mais relativizada, deixando a sociedade numa situação de instabilidade.

Falta senso de objetividade aos legisladores, que desconhecem completamente o ensinamento do historiador romano Cícero, que em contundente afirmação disse que “o mais corrupto dos Estados tem o maior número de leis”.

No Brasil, as leis surgem como remédio para todos os males. Nosso Parlamento produz regras instáveis, complexas, antagônicas, mal redigidas, dúbias, num ciclo vicioso onde a criação de uma norma sem o critério necessário exige a elaboração de outra lei para corrigir omissões e distorções.

Essa prática faz valer a expressão maior da famosa frase do político, escritor e ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Benjamim Disraeli: “mudar, mudar sempre, a fim de que as coisas continuem sempre as mesmas”.

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Uma missão, um sacerdócio

Antonio Carlos Lua

Hoje, sexta-feira, 11 de agosto, comemora-se o Dia do Advogado, uma tradição que remonta ao Primeiro Império no Brasil (1822-1831), período em que Dom Pedro I – após proclamar a Independência do Brasil – vislumbrou novas leis para o país.

Com essa ideia, foi redigida, em 1824, a primeira Constituição brasileira. Mas não bastavam leis sem alguém que as executasse. Pensando nisso, o Imperador criou, no dia 11 de agosto de 1827, os dois primeiros cursos de Direito no país.

Instalados em Olinda (Pernambuco) – no Mosteiro de São Bento – e em São Paulo – no Largo São Francisco – esses cursos foram os embriões para o nascimento de uma profissão que viria a se tornar essencial à Justiça.

Fruto do sentimento nacionalista, a legislação que autorizou o funcionamento dos dois cursos foi responsável pelo fomento do ordenamento normativo do Brasil e pelo início de muitas carreiras existentes hoje.

O Direito – cujas raízes se encontram no Império Romano – é a ciência das normas que regulam as relações entre os indivíduos na sociedade. Quando essas relações não funcionam dentro das regras estabelecidas, entra o trabalho do advogado, que é o de nortear e representar clientes em qualquer instância, juízo ou tribunal.

Sua atividade é dirigida para fins humanos, sociais, individuais e coletivos, destacando-se nela uma dignidade quase sacerdotal, como dizia Rui Barbosa, que, em vida, afirmava que toda vez que o advogado exerce seu papel com consciência, pode-se considerar desenhada sua responsabilidade.

Se assim conceituava o patrono dos advogados brasileiros, há motivos de sobra para realçar o papel social da profissão, que decorre do compromisso institucional atribuído pela vigente Constituição Federal, ao consignar que o profissional de advocacia é indispensável à administração da Justiça

Dando a própria Carta Magna grande realce ao advogado, dele se exige que subsidie a Justiça com o compromisso de defender os postulados jurídicos que lhe são inerentes e de zelar pelo bem comum da sociedade e os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Um desses fundamentos é a cidadania. O advogado deve ser um modelo de cidadão e, assim, constituir-se um formador de cidadãos no universo dinâmico das relações sociais.

Diz a Constituição Federal, em seu artigo 133, que o advogado, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social. Ao alçá-lo ao nível de “preceito constitucional”, ela o define para além de sua atividade estritamente privada, qualificando-o como prestador de serviço de interesse coletivo e conferindo a seus atos múnus público.

Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – entidade com a qual o advogado tem compromisso institucional – tem o seu estatuto consubstanciado num texto de lei federal, a revelar a suma importância da profissão para a efetivação da Justiça.

Essa distinção da OAB em relação às demais entidades profissionais exige dela participação efetiva no cotidiano do advogado, buscando a dialética, primando pelo debate, chamando seus membros para dialogar, sentindo o que eles anseiam e desejam.

sábado, 5 de agosto de 2017

Os lírios não nascem das leis

Por Antonio Carlos Lua

Apesar do aviso de um dos mais influentes poetas do Século XX, Carlos Drummond de Andrade, que no poema ‘Nosso Tempo’, publicado em 1945, diz afirmativamente que "As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis", deixando bem claro que os legisladores não decretam a felicidade de ninguém – sendo esta uma conquista e não uma dádiva – os brasileiros continuam acreditando que a solução para a crise brasileira passa apenas pela milagrosa reforma política.

Com um Congresso desmoralizado e partidos políticos que não representam ninguém, uma reforma política nesse momento não vai atender ao clamor da sociedade por mudanças nesse grande caldeirão de aprendiz de feiticeiro que não se preocupa com os efeitos colaterais de seus experimentos.

A reforma que nos apresentam é um arremedo e não oferece as mínimas condições políticas de passar o Brasil a limpo. Na atual conjuntura, ela beneficiará apenas a 'República de Temer', que tomou de assalto o Estado e agora controla o Congresso Nacional, manifestando uma característica absolutista como revelam os exemplos recentes e bem significativos desse resquício de poder imperial.
 
No projeto de reforma engendrado hoje no Congresso Nacional não se cogita sequer um debate sério sobre a falência dos partidos políticos, cuja atuação no Brasil vem resumindo-se apenas à defesa de interesses eleitoreiros com a prática do clientelismo em arranjos pragmáticos e casuísticos.

Esses partidos – que têm atuação duvidosa como canal de representação dos segmentos da sociedade civil – visam apenas os benefícios que a criação de legendas traz consigo, como, por exemplo, os recursos do Fundo Partidário e o direito a tempo de Rádio e TV, que hoje é uma preciosa moeda de troca em negociações eleitorais, capazes de garantir cargos e poder.

São legendas de aluguel, facções, grupos ambiciosos, fisiológicos, em busca do controle exclusivo de pedaços da “esfera pública” para suas clientelas, usando instrumentos retóricos para chegar ao poder, causando efeitos maléficos na política.

Nesse momento, só serve aos brasileiros uma reforma política que venha ser realmente a travessia para um regime legítimo, popular, representativo, que reconstrua a ordem constitucional-democrática comprometida com a emergência das massas. 

Certamente, ela não virá sem luta, pois é exatamente o processo da conquista que transforma o jeito de fazer política, alterando as correlações de força e não apenas fazendo a inserção de algumas combinações de palavras em folha de papel para se garantir um milagre diante de nossa tragédia continuada

Uma verdadeira reforma política dependerá da organização popular e de novas direções e comandos. A luta política democrática é o caminho para que a vontade popular de alterar as regras do sistema político possa vir a ser respeitada.