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quarta-feira, 5 de julho de 2023

Uma democracia inconclusa


ANTONIO CARLOS LUA

Em 15 de novembro de 1889, um grupo de militares liderados pelo marechal Manuel Deodoro da Fonseca destituiu o imperador Pedro II e instalou um governo provisório. 

Embora a historiografia tradicional ainda confirme que o marechal Deodoro da Fonseca foi o líder desse movimento, sabe-se que, de fato, a República foi proclamada na Câmara-Geral do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

Esse teria sido apenas o ponto alto de um movimento republicano que tencionava o Império. São muitas as correntes que defendem que o processo republicano brasileiro se iniciou em 1817, quando a Revolução Pernambucana explodiu como uma revolta contra os exageros para manter a Família Real vinda de Portugal, em 1808. 

Mas, o certo é que, após 130 anos da instalação da República, ainda não é possível fazer uma comemoração plena. Vivemos numa República que, infelizmente, não pratica plenamente os valores de uma democracia, cujo processo está, ainda, inconcluso, sem o lastro latente do princípio da igualdade, preconizado no artigo 5º da Constituição da República.

Nem mesmo quando acabou com a escravidão o Brasil conseguiu tratar seu povo com equidade, pois negros foram libertados, mas não inseridos na sociedade, uma lógica, infelizmente, ainda presente atualmente. 

A igualdade nunca foi um valor, uma qualidade extensiva no nosso país. Nossos ideais republicanos não foram plenificados nem mesmo nas matrizes que os inspiram, como a francesa e a inglesa. 

Continuamos mantendo as amarras que impedem a efetivação de um autêntico espírito republicano. Nossa Carta Magna tem um arcabouço legal bem-apanhado para assegurar a democracia plena, mas não temos cultura constitucional.

Não podemos continuar sendo condenados pelo passado, mantendo a longa tradição de valores e estruturas sociais arcaicas. Infelizmente, os legados do patrimonialismo, da escravidão, da falta de educação, até hoje pesam sobre nossa sociedade. 

Comprovam essa afirmativa a desigualdades de cor, os baixos níveis de escolaridade e os índices de qualidade da educação. Ainda que a Carta Magna de 1988 tenha permitido avanços à cidadania, nosso republicanismo caminha a passos lentos.

A lógica perversa dos planos de saúde

ANTONIO CARLOS LUA

A saúde vem sendo tratada como mercadoria pelos planos de saúde privados, que cobram caro e vendem o que não entregam com reduzida cobertura, obrigando os clientes a recorrerem ao Sistema Único de Saúde (SUS) para não morrerem por falta de atendimento.

Mesmo assim, são os proprietários desses planos de saúde que criticam seletivamente a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) por entenderem que a intervenção estatal ameaça seus lucros. Pousam de liberais antiestatistas, mas, contraditoriamente, exigem sempre mais subsídios, créditos e empréstimos públicos.

Além disso, combinam entre si o que é ou não incluído como garantia nos contratos, restringindo, ao máximo, a cobertura, obrigando seus segmentos de clientela a recorrem ao SUS para receber medicamentos de alto custo, bem como realizarem transplantes e outros procedimentos clínicos, os quais se negam radicalmente a realizar.

As operadoras particulares de saúde não investem em ciência, tecnologia e inovação, quesitos essenciais para os sistemas de saúde modernos, deixando inteiramente para o SUS as tarefas de pesquisa e modernização tecnológica. Mesmo assim, passam a ideia de que os serviços públicos de saúde são ultrapassados e os privados inovadores, numa inversão perversa que visa tão somente a captação de clientela. 

Plano de saúde, como diz o nome, serve para evitar improvisação. É um contrato de pré-pagamento que assegura aos pacientes a certeza de chegar numa unidade de saúde e receber atendimento seguro e de qualidade. Mas nem sempre isso acontece, uma vez que muitas operadoras vendem o chamado plano-improviso, cobrando antecipadamente, sem garantir, porém, assistência adequada.

Ao contrário da propaganda enganosa, as operadoras de saúde não estão desafogando o Sistema Único de Saúde. Ao contrário, estão é reduzindo a cobertura pública e ainda reclamam que o regramento estatal ameaça seus lucros. Assim, tentam sistematicamente intervir na definição das políticas regulatórias, buscando estabelecer, forçosamente, uma promiscuidade entre o público e privado.

Sendo assim, o caminho é fortalecermos o SUS. Somos mais de 200 milhões de habitantes e não podemos entregar a saúde para grupos empresariais que priorizam somente os locais em que se situam segmentos sociais de maior renda, combinando entre si o que deve ser ou não incluído como garantia nos contratos. 

Nessa lógica perversa, eles seguem buscando a desregulamentação das coberturas, restrição radical da escolha de prestadores de serviços, não ressarcimento ao SUS, o fim das penalidades impostas pela legislação, bem como a redução do poder de definição de reajustes de preços e de fiscalização da Agência Nacional de Saúde. 

Além disso, ambicionam vender mais planos sem atendimento  emergenciais, realização de exames, diagnósticos e tratamentos para câncer, ampliando o mercado mediante a comercialização de produtos segmentados por oferta assistencial, reduzindo, assim, a cobertura e enfraquecendo a lei que prevê o atendimento aos problemas de saúde catalogados no Código Internacional de Doenças. 

Não podemos permitir que lógicas mercantilistas ditem as regras na gestão de saúde pública no Brasil. Vender mais planos de saúde privados nunca foi e jamais será sinônimo de solução para o país, que está às voltas com imensos problemas de saúde pública.