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domingo, 26 de novembro de 2023

Jornalismo, justiça e cidadania


 
ANTONIO CARLOS LUA

Temos assistido nestes finais de tempo um deboche geral aos princípios formadores da lei, gerando o enfraquecimento da cidadania e a distorção da própria moral, com a incoerente defesa de conceitos que marcam negativamente a democracia, criando uma frustração que compromete os prognósticos de um futuro saudável.

Assim, não podemos hesitar em dizer que o reduto derradeiro de todas as expectativas de mudanças no campo da cidadania ainda está no Jornalismo, que tem a missão de defender e mostrar a verdade de forma independente e altiva, não se curvando diante dos arbítrios que violam a democracia, em assustadores acontecimentos que tonificam e robustecem os noticiários.

Vigilante, o Jornalismo tem a força de fazer imperar a justiça, vendo a lei como o único parâmetro saudável de convivência social, funcionando com autonomia diante dos poderosos e infratores que tentam infringir a ordem legal e as diretrizes constitucionais em vigência no país.

Esta deve ser a tônica do comportamento de todos os profissionais de imprensa como arautos primeiros da verdade a ser levada no seu testamento cívico aos cidadãos, não prescindindo jamais do poder simbólico do Jornalismo de agendar, enquadrar temas e fomentar o debate na sociedade.

Onde? Quem? Quando? Por quê? Como? É comum pensar que a atribuição do Jornalista é apenas responder a essas perguntas, embora o seu potencial não seja apenas o de informar sobre os fatos, mas também o de ter uma prática horizontalizada, democrática em constante diálogo com a sociedade, exercendo o seu papel de decodificar a informação, para provocar a reflexão e o debate.

Cabe ao Jornalista ter uma relação dialógica com o leitor e, dessa forma, levá-lo a esclarecer os fatos, para que ele possa elaborar a sua própria reflexão como testemunha do seu tempo, dando voz a grupos marginalizados e subrepresentados na sociedade.

Jornalismo de verdade se faz optando pela informação de qualidade e assumindo efetivamente a agenda do cidadão, separando a notícia do lixo declaratório. O centro do debate tem que ser sempre o cidadão, permitindo à sociedade uma análise dos eventuais descompassos nas questões sociais, políticas, econômicas e culturais.

Novos paradigmas do Jornalismo

ANTONIO CARLOS LUA

Temos a impressão de que os dias estão cada vez mais curtos. As tradicionais 24 horas diárias parecem já não ter os mesmos 1.440 minutos de outrora. Essa mudança na percepção da passagem do tempo está relacionada ao desenvolvimento tecnológico que provocou o que chamamos de “compressão do tempo-espaço”.

Ela vem provocando profundas transformações na atuação dos jornalistas numa sociedade, onde a informação é o ponto central. É legítimo afirmar que os novos paradigmas da comunicação estão obrigando os jornalistas a assumirem um novo papel numa sociedade transitória.

Se era aceitável em outras épocas descobrir sobre um fato no dia seguinte, hoje essa limitação é inquietante. O público quer saber tudo e rapidamente. Hoje a notícia jornalística é compreendida como construção social da realidade.

Esse paradigma tem como pressuposto que a notícia – à medida que mostra o fato – evidencia importantes verdades, construindo, em tempo real, o processo de transformação da realidade social.

Nesse contexto, em meio à enxurrada de notícias falsas, o valor agregado de um jornalista surgirá de sua credibilidade. O jornalista precisa construir confiança em relação ao seu trabalho, ouvindo e interagindo diretamente com seu público, adotando transparência.

Há mudanças importantes ocorrendo na produção da notícia, exigindo maior agilidade e novas habilidades dos jornalistas. Novos meios, novos contextos de produção, novas linguagens estão alterando acentuadamente o fazer jornalístico. Como resultado desse desenvolvimento tecnológico, as notícias se tornam um produto superabundante, barato e instantâneo.

O Século XXI – o terceiro milênio – é marcado por grandes transformações digitais, muitas delas no campo profissional do Jornalismo. Quem atua na área de comunicação sabe que esse fenômeno está mudando hábitos sociais, com o incremento de novas tecnologias.

Assim, a imprensa que definiu as democracias ocidentais no Século XX, enfrenta, agora, em pleno Século XXI, o desafio de adaptar-se a emergente sociedade digital, para que o Jornalismo não só sobreviva, mas avance, prospere e triunfe.

A constatação da mudança na concepção geral da atividade jornalística na era digital tem como corolário a necessidade de revisar as rotinas e normas vigentes para incorporar o conjunto de atores na escala de valores da atividade.

O julgamento da noticiabilidade de um dado, fato ou evento tem que ser determinado por um conjunto de princípios, entre os quais o compromisso com o fortalecimento da democracia.

Na atual conjuntura brasileira, o Jornalismo de Dados e multiplataforma, o Jornalismo Cidadão, o Jornalismo Independente e o Jornalismo Alternativo têm sido apresentados como soluções, tanto para o mercado jornalístico, quanto para a esfera pública dos direitos à informação e à livre expressão.

Cidadania vilipendiada

ANTONIO CARLOS LUA

A face cruel da violência no campo resgata uma memória que a história oficial não conta. Em 13 de maio de 1888 – há 135 anos – o Senado do Império do Brasil aprovava a Lei Áurea, abolindo a escravidão. Naquele momento, não era apenas a liberdade dos escravos que estava em jogo. Havia outro tema pertinente no centro do debate: a reforma agrária.

Na época, a discussão sobre a distribuição de terras nacionais havia sido proposta pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio. A intenção dele era criar um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuir as terras para ex-escravos. O político Joaquim Nabuco – também abolicionista – apoiou a ideia. Já os fazendeiros, republicanos – e até mesmo os abolicionistas mais moderados – ficaram em polvorosa.

Como o movimento republicano fez um acordo com os latifundiários para que não houvesse mudança na propriedade rural, a aprovação da Lei Áurea acabou não trazendo, concretamente, nenhuma alternativa para os escravos libertados se inserirem no novo Brasil livre. Com isso, a ideia de reforma agrária não prosperou, uma vez que o movimento republicano e os latifundiários resolveram trazer imigrantes para trabalharem em fazendas, dispensando a mão de obra dos negros.

Assim, os abolicionistas Joaquim Nabuco e André Rebouças acabaram apoiando a monarquia até o fim. Foi então que no livro "Minha Formação" (1900) Joaquim Nabuco passa a renegar totalmente sua juventude abolicionista e faz uma declaração monarquista que constitui uma das frases mais infames da história da política brasileira.

Ele disse que tinha convicção de que “a raça negra por um plebiscito sincero e verdadeiro teria desistido de sua liberdade para poupar o menor desgosto aos que se interessavam por ela, e que no fundo, quando ela pensa na madrugada de 15 de novembro (data da proclamação da República), lamenta ainda um pouco o seu 13 de maio”. Com a declaração, Joaquim Nabuco mostrou claramente que a Reforma agrária nunca esteve na pauta da maioria dos abolicionistas.

O certo é que a falta de Reforma Agrária acelera até hoje o processo de pobreza absoluta e a migração da população rural pobre para as áreas urbanas. O Brasil é um dos únicos grandes países agroexportadores que nunca fez reforma agrária, o que caracteriza um fracasso assombroso em todos os sentidos.

No país, os agronegociantes seguem invadindo de forma obsessiva áreas de plantação com uma prática agrícola voraz. As extensas plantações de soja contaminam com agrotóxicos as nascentes dos córregos e dos rios, além de serem também responsáveis pelo confinamento dos pequenos agricultores, que ficam “encurralados” pelas monoculturas. Os agronegociantes são os pivôs da discórdia e seguem secando rios, lagos e lagoas pelo uso intensivo e pelo enorme desperdício por evaporação da água que é captada para plantar grandes monoculturas de soja, de eucalipto, de milho.

Por agronegócio, entende-se a produção em larga escala, feita em grandes extensões de terra – latifúndio – com sofisticada tecnologia em monopólio de empresas transnacionais, uso indiscriminado de agrotóxico e, quase sempre, com mão de obra em condições análogas à escravidão.

O campo é extenso e se não fosse a crueldade dos grandes latifundiários com seus aparatos de guerra para ameaçar, torturar e despejar trabalhadores rurais, poderia ser cenário de vida com qualidade e fartura para todos, com as terras e as águas sendo utilizadas com justiça agrária e responsabilidade socioambiental. Resta-nos finalizar este triste capítulo da nossa História. Afinal, a terra é sagrada e é através dela que podemos fazer uma verdadeira mudança no país.

José de Alencar e suas contradições

ANTONIO CARLOS LUA

A escravidão deixou cicatrizes profundas em nossa história. Mesmo que a Lei do Ventre Livre (antecessora da Áurea) tenha determinada, em 28 de setembro de 1871, que as mulheres escravizadas dariam à luz apenas bebês livres – não sendo permitido o nascimento de nenhum escravizado em solo brasileiro – as bases da escravidão permaneceram, tendo como um dos seus principais defensores o consagrado escritor cearense, José de Alencar.

O posicionamento de José de Alencar a favor da escravidão pode ser resumido em uma série de cartas escritas entre os anos de 1867 e 1868, endereçadas ao Imperador D. Pedro II, sob o título de ‘Cartas de Erasmo de Roterdã’, nas quais o escritor cearense mostra sua retórica racista, defendendo a manutenção da escravidão no Brasil.

Na época, José de Alencar era então deputado no Rio de Janeiro, eleito pelo Ceará, e tentava convencer o imperador a abandonar a ideia de abolir a escravatura. Naquele período, o Imperador – que fazia grande pressão pelo fim do comércio humano – ameaçava até desistir do trono se os parlamentares não votassem pelo fim dos cativeiros.

Nas cartas, José de Alencar valia-se das técnicas da retórica clássica relacionada às conquistas de Roma Antiga à moderna ideologia imperialista. Depois que a liberdade dos escravos se tornou uma conquista, a série de cartas do desapareceu e não entrou nas obras completas do escritor cearense, publicadas em 1959. Até serem redescobertas, em 2008, elas ficaram desaparecidas por 140 anos.

José de Alencar afirmava que “se a escravidão não fosse inventada, a marcha da humanidade seria impossível". Para ele, escravidão fazia parte da tradição brasileira e era importante para a identidade nacional. Com essa ideia, o escritor dizia que o país não deveria ceder às pressões abolicionistas da França e da Inglaterra, cuja influência jamais poderia salvar um país de costumes bárbaros, expondo uma faceta malograda da sua personalidade.

Na verdade, o que o autor do açucarado romance ‘Iracema’ postulava era a política de manutenção do trabalho escravo defendida pelos chamados saquaremas, em oposição à política que o combatia, em tese defendida pelos conservadores, aliados do trono e da realeza. 

O posicionamento de José de Alencar em relação à escravidão é, sintomaticamente, um petardo na consciência das novas gerações que só conhecem o escritor consagrado pelo cânone do romantismo, através de seus livros obrigatórios nas aulas de literatura. 

Ele era brilhante como escritor, medíocre como político e insensível como defensor do comércio de seres humanos. Foi ao mesmo tempo, criador e criatura de sua própria trajetória pessoal. 

A escravidão era intrínseca na história de vida de sua família. O pai do escritor, o famoso senador Martiniano de Alencar, em 3 de outubro de 1853 – há seis dias do nascimento de José do Patrocínio, considerado, o mais ferrenho tribuno da abolição – levaria a um cartório do centro do Rio de Janeiro a longa lista de seus filhos naturais, para reconhecê-los, por escritura pública. Como o exemplo vem de casa, a escravidão e o poder corriam no sangue do romancista.

José de Alencar pertence hoje ao passado. Se não fosse isso, não faria falta alguma se suas Cartas a favor da escravidão continuassem no estado de letargia a que permaneceram todo esse tempo. 

Allende não se rende!!


ANTONIO CARLOS LUA

Há 50 anos – após mil dias de governo – morria, em 11 de setembro de 1973, o ex-presidente do Chile, Salvador Allende, durante um golpe de Estado liderado pelo então general Augusto Pinochet, comandante-chefe do Exército chileno.

Com o Palácio Presidencial ‘La Moneda’ sendo bombardeado, Allende pediu um salvo conduto aos militares para que seus assessores mais próximos e sua filha pudessem deixar o local. Quando os militares lhe ofereceram um avião para que saísse do país acompanhado pela família, Allende recusou, dizendo que só sairia morto do Palácio.

“Não serei um governante derrubado por golpistas! Deste lugar saio vivo como presidente constitucional do Chile, ou derrotado, mas morto! Meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a deslealdade, a covardia e a traição. Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com a vida a lealdade ao povo. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor”. Minutos depois, ouviu-se o seu grito estridente: “Allende não se rende!!”

Este trecho do último discurso do presidente Salvador Allende, em plena resistência no Palácio de La Moneda, revela o compromisso inabalável de um político com o povo que o elegeu, com a democracia, com a liberdade e com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Em vez do exílio junto com sua família, que lhe foi oferecido pelos golpistas, Salvador Allende optou pelo sacrifício da própria vida. E resistiu como um bravo, de armas na mão, junto com um grupo reduzido de combatentes que lutaram até o fim.

Allende – que pagou com a vida a defesa de princípios que lhe eram caros – cumpriu o que disse horas antes na Rádio Magallane, quando afirmou que, pelo seu compromisso com o Chile, não seria usado como ferramenta de propaganda daqueles que classificou como "traidores".

Homem político forjado nas lutas cotidianas, Allende visava conquistar espaços para uma política popular, num sistema democrático e representativo, em que as políticas de aliança para favorecer a esquerda fossem factíveis. Ele nunca abandonou a crítica ao capitalismo e o desejo de socialismo.

Médico, dedicou toda a vida ao povo chileno, sendo um símbolo de luta social no país. Enfrentou a resistência da burguesia chilena e a perseguição política dos Estados Unidos. Por sinal, partiu do então presidente norte-americano, Richard Nixon, a ordem para derrubar Allende, financiando o movimento de conspiração contra o seu governo no Chile e dando a Agência de inteligência Norte-americana (CIA), a ordem para sabotar as reformas propostas pelo governo chileno.

Após as versões distorcidas de que Allende poderia ter sido assassinado pelas Forças Armadas do Chile, a Justiça chileno autorizou, em 2011, a exumação e autópsia dos seus restos mortais, cujo laudo concluiu que ele se matou com um rifle AK-47, dada a ele como presente pelo seu amigo e então presidente de Cuba, Fidel Castro, trazendo uma placa dourada com a inscrição: "Ao meu bom amigo Salvador Allende, que por diversos meios tenta atingir os mesmos objetivos que defendemos”.

A autorização do ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, para o desarquivamento dos documentos que tratavam sobre o Golpe Militar no Chile, em 1999 – ano em que o ditador Augusto Pinochet estava preso, em Londres, a pedido da Justiça espanhola – mostrou que logo após a eleição de Allende, em 1970, o ex-presidente Richard Nixon autorizou o então diretor da CIA, Richard Helms, a minar o governo chileno por temer que este se tornasse uma nova Cuba. Na época, Kissinger era o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

O desarquivamento autorizado por Bill Clinton desenterrou detalhes sobre as operações secretas da Agência de Inteligência Norte-americana no Chile entre os anos de 1962 e 1975, tanto para impedir que Allende fosse eleito, como também para desestabilizar seu governo e, finalmente, para apoiar a ditadura de Pinochet, após o golpe sangrento do dia 11 de setembro de 1973. 

Práticas manipuladoras da pós-verdade


ANTONIO CARLOS LUA

Estamos cruzando as portas de um novo tipo de civilização – a digital – com as modernas tecnologias levando à conectividade de tudo, em registros digitais cuja integridade é garantida pelo uso de complexas criptografias. Os novos modos de produção estão tendo repercussões em cascata nas esferas da sociedade, na política e na cultura.

Diante das mudanças, confrontam-se duas narrativas. Uma é catastrófica com o fim do trabalho humano. A outra – triunfalista – com as máquinas fazendo o esforço no nosso lugar.

Não há dúvidas de que a civilização digital tem efeitos positivos em termos de prosperidade material, de oportunidades de escolha, de acesso ao conhecimento, interação e trocas em escala global.

Hoje, basta um clique para ter acesso a todos os tipos de informação, inclusive aquelas sobre o que os políticos estão fazendo, em todos os níveis de governos.

Mas é preciso separar o joio do trigo. Existe o outro lado da moeda, que é a inundação das notícias falsas – as chamadas Fake News – que funcionam como câmaras de eco dos fascistas online, com os discursos de ódio racial, étnico, religioso e de práticas manipuladoras da pós-verdade.

Existem três tipos de Fake News. O primeiro é o boato espontâneo, que nasce do nada e se alastra como fogo. O segundo tem a intenção de fazer dinheiro. É quando a manchete chama atenção e a pessoa desatenta clica e chega a um site cheio de publicidade. O terceiro tem objetivo político e ocorre quando várias notícias falsas surgem ao mesmo tempo colocando histórias no ar, sem que se consiga descobrir e mapear o seu percurso.

O mundo está, convenhamos, perdido no que se refere a relação entre tecnologia e política. Em cada manifestação de políticos nas redes sociais surgem mais dúvidas do que certezas.

Há uma verdadeira desinformação, através de uma miríade de posts ‘ad hoc’ (com um fim específico) para influenciar a orientação política de milhões e milhões de usuários das redes sociais.

Hoje, os humanos – e não os robôs – são os principais responsáveis pela disseminação de informações enganosas, que se espalham mais rapidamente do que as notícias reais por uma margem substancial, embora se destruam também mais amplamente do que a verdade em todas as categorias de informação.

As informações falsas, com histórias inexatas e notícias imprecisas, são mais replicadas do que as histórias reais, verdadeiras.

A informação duvidosa, distorcida e quase inverossímil deve ser criminalizada, não sendo plausível os países conviverem com legislações que protegem ações obscuras alegando defender a sociedade.

Para citar um único exemplo, devemos relembrar as denúncias de Edward Snowden, ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA, que trouxe a público documentos ultrassecretos que deixavam clara a vigilância norte-americana a cidadãos comuns, num escândalo que fez alterar legislações mundo afora.

Seguindo a espetacularização que se tornou norma em nossa sociedade, as autoridades deveriam declarar guerra às chamadas ‘Fake News’, eliminando as inverdades, os exageros e as distorções.

Empiricamente, é muito fácil constatar que a democracia brasileira convive hoje com grandes mentiras, que destilam o ódio, o racismo, a homofobia, a misoginia e o fundamentalismo religioso, sem os elementos constitutivos daquilo que é verdadeiro.

É também fácil perceber que quase todas as guerras modernas começaram a partir de mentiras, de notícias falsas. No caso dos Estados Unidos, praticamente nenhuma guerra que o país realizou deixou de se valer de uma notícia falsa como ponto de partida.

Basta lembramos as supostas armas de destruição em massa do Iraque, nunca encontradas. A essa notícia falsa devemos a morte de 400 mil crianças e um embargo que impediu a chegada de remédios no Iraque.

Um imperativo humanitário


ANTONIO CARLOS LUA

Uma ameaça intolerável paira hoje sobre a paz mundial. O mundo inteiro está se desintegrando numa orgia de violência e barbaridades com massacres em massa, genocídios e terríveis limpezas étnicas e religiosas, descumprindo-se acordos diplomáticos e regramentos de Direito Internacional. Foi-se por terra a missão de conter a violência e de promover regras estáveis intercontinentais para que as nações pudessem se dedicar às artes da paz, com o crescimento econômico, a valorização da cultura, das liberdades políticas e a promoção dos direitos individuais e coletivos. Essa grande arquitetura institucional internacional está, infelizmente, ruindo.

Os valores supremos de liberdade e democracia estão violentamente ameaçados de cair numa nova idade das trevas, com guerras cada vez mais cruéis e sangrentas num nível de violência sem precedentes, tendo como principais vítimas desta nova Idade Média os mais fracos, ou seja, as populações dos países pobres e emergentes. Em contraposição à paz, os países em todo o planeta se armaram como nunca nas últimas décadas, mostrando que tudo pode acontecer quando existe a ameaça de uso de armas nucleares em conflitos de alta intensidade entre países em várias regiões do mundo.

Essa realidade bélica é um dos fantasmas que ameaça a paz e o sistema internacional com o imenso arsenal de guerra que hoje funciona como uma bomba relógio pronta para explodir, trazendo implicações devastadoras para toda a humanidade, desconsiderando as obrigações de tratados internacionais. Enquanto existirem armas nucleares, a possibilidade de seu uso não pode ser descartado com o arsenal nuclear em muitos países ameaçando a humanidade. Hoje existem cerca de 13.000 arsenais nucleares entre táticos e estratégicos, principalmente nos Estados Unidos, com 5.428 armas nucleares, e na Rússia com 5.977.

O restante está presente na China, com 350 armas nucleares, Grã-Bretanha, com 225, França com 290, Índia com 160, Paquistão com 165, Israel com 90 e Coreia do Norte com 20 armas nucleares. A Rússia tem 1.912 ogivas táticas ou de teatro, não instaladas e presentes em depósitos. Do lado norte-americano são cerca de 200, das quais metade em depósitos no exterior.

Outras 100 armas nucleares estão em bases europeias na Itália, Bélgica, Holanda, Alemanha e Turquia. A diferença numérica das ogivas táticas deve-se às escolhas ligadas às diferentes posições geopolíticas das duas superpotências – ou seja – a Rússia e os Estados Unidos. Desde a época da Guerra Fria existe a chamada cláusula do no ‘first-use’, que é o compromisso de não usar a arma nuclear. Mas, no entanto, sabemos que os arrogantes donos dessas armas podem usá-las quando quiserem. Segundo uma estimativa da Universidade de Princeton, dos Estados Unidos, uma guerra nuclear global em poucas horas levaria a 90 milhões de mortes.

O quadro é apocalíptico. Os efeitos de Chernobyl e Fukushima nos dão uma ideia das consequências de uma guerra nuclear. Uma realidade que se torna terrivelmente concreta é que a guerra que se desenvolve agora no coração da Europa é uma tragédia e não pode cruzar o limiar nuclear se constituindo uma catástrofe para a humanidade.

Todos os países que detêm armas nucleares estão aumentando ou potencializando seus arsenais. Cerca de 9.440 ogivas das 12.705 existentes no início de 2022 estão em condições de uso potencial. Mais de 3.732 delas estão acopladas a mísseis e aeronaves. Cerca de 2 mil – quase todas pertencentes à Rússia ou aos EUA – são mantidas em estado de alerta operacional máximo.

Rússia e Estados Unidos possuem conjuntamente mais de 90% de todas as ogivas, mas a China está no meio de uma expansão substancial de seu arsenal nuclear que, de acordo com algumas imagens de satélite, inclui a construção de mais de 300 novos silos para mísseis.Desta forma, se reforça o letal paradigma do ‘dominus’ – senhor e dono – contrapondo a alternativa de fraternidade proposta pelo Papa Francisco em sua encíclica ‘Fratelli Tutti’, inspirado no melhor homem do Ocidente, chamado Francisco de Assis.

Essa obsessão fez com que ocorressem duas grandes guerras no Século XX com 100 milhões de vítimas. Hoje, quando exaspera a arrogância dos que defendem a guerra, constatamos que há suficientes loucos no Pentágono e na Rússia com a razão tornada irracional, enlouquecida e suicida, cavando a nossa própria sepultura.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Memória da imprensa no Brasil


ANTONIO CARLOS LUA

O jornal é utilizado há mais de dois mil anos, tendo o seu início com o imperador romano Júlio César, que criou o “Acta Diurna”, onde eram divulgadas as conquistas militares. Os textos do jornal eram escritos em tábuas e fixadas nos muros das principais localidades do Império. 

Na China, no final da Dinastia Han, circulava o jornal ‘Tipao’, que reunia as principais informações sobre o Governo. Entre 713 e 714 (depois de Cristo), foi publicado o “Kaiyuan Za Bao”, jornal da Corte Chinesa cuja escrita era realizada na seda de forma totalmente manual. 

Contudo, somente com a invenção da Prensa de Gutenberg, no Século XV, foi possível o surgimento dos jornais no formato que conhecemos hoje. Mesmo com diversos relatos de atividades jornalísticas e de imprensa anteriores à prensa, é só a partir dela que se torna possível a produção em massa dos jornais impressos. 

No Brasil, a história do jornal teve início em 13 de maio de 1808 na cidade do Rio de Janeiro, com a chegada da família real portuguesa, que trouxe junto uma imprensa que ganhou o nome de ‘Impressão Régia’, hoje conhecida como Imprensa Nacional. 

Em 10 de setembro de 1808 surgiu o ‘Gazeta do Rio de Janeiro’, órgão oficial de comunicação do governo português.  Com o jornal, a família real pretendia moldar a opinião pública a seu favor. O veículo divulgava basicamente comunicados oficiais e publicações sobre decisões do Governo. Apesar de publicar também notícias sobre a política internacional, era considerado um veículo parcial, devido ao seu aspecto extremamente oficial.

Foi também em 1808 que Hipólito José da Costa, que se encontrava exilado em Londres, lançou o “Correio Braziliense”, no dia 1º de junho. Produzido em Londres o jornal tinha como objetivo se consolidar como voz da oposição, criticando, entre outras questões, os problemas administrativos.

Mesmo se declarando conservador, o “Correio Braziliense”, por conta de seu conteúdo jornalístico, foi proibido no Brasil. Na época, a ‘Imprensa Régia’ também sofria uma certa censura prévia, tendo todas as suas publicações analisadas por uma comissão. Os assuntos divulgados contra o governo eram vetados.

Em 28 de agosto de 1821 ocorreu a extinção à censura prévia por conta da deliberação das Cortes Constitucionais de Lisboa. Em 1824, com a Promulgação da primeira Constituição do Brasil, surgia a total Liberdade de Imprensa no Brasil.

No entanto, a censura voltaria a atacar a Imprensa muitos séculos depois com a Ditadura Militar de 1964, em especial com a promulgação do Ato Institucional AI-5, de 1968, que estabeleceu censura prévia e perseguiu aos veículos de imprensa contrários ao Governo Militar. 

A censura da Ditadura Militar caiu com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que mais uma vez definia a total Liberdade de Imprensa no Brasil, surgindo então a evolução tecnológica, em especial da Internet e as redes sociais, que obrigaram os jornais a se adaptar à nova realidade.

Com o tempo, das pedras e tábuas o jornal foi para os papéis de seda escritos à mão, papéis impressos em grande quantidade. Atualmente, eles se transformaram também em jornais online. Ou seja, o jornal continuará sempre vivo não importando a forma como será a sua circulação na sociedade.

Ele continuará sempre presente em nossa rotina, trazendo informações e dados essenciais da realidade em que vivemos, sendo fontes essenciais de debate e questionamento políticos, sociais, econômicos, culturais, buscando, sistematicamente, auxiliar na evolução da sociedade, reverenciando a cada momento histórico as lutas vencidas e aquelas ainda por vencer.