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domingo, 26 de novembro de 2023

Cidadania vilipendiada

ANTONIO CARLOS LUA

A face cruel da violência no campo resgata uma memória que a história oficial não conta. Em 13 de maio de 1888 – há 135 anos – o Senado do Império do Brasil aprovava a Lei Áurea, abolindo a escravidão. Naquele momento, não era apenas a liberdade dos escravos que estava em jogo. Havia outro tema pertinente no centro do debate: a reforma agrária.

Na época, a discussão sobre a distribuição de terras nacionais havia sido proposta pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio. A intenção dele era criar um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuir as terras para ex-escravos. O político Joaquim Nabuco – também abolicionista – apoiou a ideia. Já os fazendeiros, republicanos – e até mesmo os abolicionistas mais moderados – ficaram em polvorosa.

Como o movimento republicano fez um acordo com os latifundiários para que não houvesse mudança na propriedade rural, a aprovação da Lei Áurea acabou não trazendo, concretamente, nenhuma alternativa para os escravos libertados se inserirem no novo Brasil livre. Com isso, a ideia de reforma agrária não prosperou, uma vez que o movimento republicano e os latifundiários resolveram trazer imigrantes para trabalharem em fazendas, dispensando a mão de obra dos negros.

Assim, os abolicionistas Joaquim Nabuco e André Rebouças acabaram apoiando a monarquia até o fim. Foi então que no livro "Minha Formação" (1900) Joaquim Nabuco passa a renegar totalmente sua juventude abolicionista e faz uma declaração monarquista que constitui uma das frases mais infames da história da política brasileira.

Ele disse que tinha convicção de que “a raça negra por um plebiscito sincero e verdadeiro teria desistido de sua liberdade para poupar o menor desgosto aos que se interessavam por ela, e que no fundo, quando ela pensa na madrugada de 15 de novembro (data da proclamação da República), lamenta ainda um pouco o seu 13 de maio”. Com a declaração, Joaquim Nabuco mostrou claramente que a Reforma agrária nunca esteve na pauta da maioria dos abolicionistas.

O certo é que a falta de Reforma Agrária acelera até hoje o processo de pobreza absoluta e a migração da população rural pobre para as áreas urbanas. O Brasil é um dos únicos grandes países agroexportadores que nunca fez reforma agrária, o que caracteriza um fracasso assombroso em todos os sentidos.

No país, os agronegociantes seguem invadindo de forma obsessiva áreas de plantação com uma prática agrícola voraz. As extensas plantações de soja contaminam com agrotóxicos as nascentes dos córregos e dos rios, além de serem também responsáveis pelo confinamento dos pequenos agricultores, que ficam “encurralados” pelas monoculturas. Os agronegociantes são os pivôs da discórdia e seguem secando rios, lagos e lagoas pelo uso intensivo e pelo enorme desperdício por evaporação da água que é captada para plantar grandes monoculturas de soja, de eucalipto, de milho.

Por agronegócio, entende-se a produção em larga escala, feita em grandes extensões de terra – latifúndio – com sofisticada tecnologia em monopólio de empresas transnacionais, uso indiscriminado de agrotóxico e, quase sempre, com mão de obra em condições análogas à escravidão.

O campo é extenso e se não fosse a crueldade dos grandes latifundiários com seus aparatos de guerra para ameaçar, torturar e despejar trabalhadores rurais, poderia ser cenário de vida com qualidade e fartura para todos, com as terras e as águas sendo utilizadas com justiça agrária e responsabilidade socioambiental. Resta-nos finalizar este triste capítulo da nossa História. Afinal, a terra é sagrada e é através dela que podemos fazer uma verdadeira mudança no país.

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