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domingo, 29 de agosto de 2021

Fora da via da democracia

 


Antonio Carlos Lua

A atual crise brasileira revela que temos um país não apenas com uma doença de origem biológica e viral, mas também com uma grave doença social e política. 

Não temos palavras nem ideias apropriadas para expressar como o Brasil se tornou tão violento e desigual, com sucessivos fracassos e retrocessos.

Políticos das mais variadas tendências e ideologias mostram-se incapazes de fazer um diagnóstico que aponte uma saída viável para o país, diante das manifestações da massa mercenária alienada que vem disseminando a convicção odiosa que seus líderes pautam sem qualquer responsabilidade social num momento delicado no país.

Com os desmandos de políticos descompromissados e de seus acólitos, o Brasil terá que discutir a sua reconstrução como nação democrática. Para isso, muitos políticos terão que superar suas concepções toscas a respeito do que somos e do que podemos ser, para que possamos superar nossas limitações, tendo um melhor entendimento do que é verdadeiramente uma democracia.

Em toda a história do Brasil republicano é a primeira vez que encontramos o país em situação vexatória em todos os índices de civilização, nos distanciando do conceito que representa a ideia de uma sociedade moderna e democrática. 

Tornou-se evidente no país a degradação das relações sociais e políticas, com o agravamento da pobreza, da maciça exclusão social, sem nenhuma perspectiva de mudança, diante das determinações econômicas problemáticas e perversas.

Infelizmente, ainda não superamos as iniquidades do regime autoritário. O espírito da ditadura contínua de tocaia nos escaninhos do poder. Nosso projeto de nação foi interrompido e com os políticos que temos hoje ele se tornou algo praticamente irrealizável. 

Precisamos de uma democracia plebiscitária. Nossa agenda democrática ainda está inconclusa. Os políticos fisiológicos arrancaram o Brasil do seu trajeto e o levaram para o buraco.

Assim, observamos periodicamente a postura autoritária de feitores de senzala que, com seus compromissos apocalípticos, não respeitam as instituições e tentam privar os direitos dos cidadãos, para torná-los destituídos e coisificados, promovendo o desmonte do país na mansidão de um regime servil e provinciano, fora da via regular da democracia.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Expropriação, repressão e desigualdade

Antonio Carlos Lua

Desde quando o Brasil recebeu o primeiro europeu e se tornou uma colônia do Império extramarítimo lusitano, foram forjados modos de viver baseados na expropriação, repressão e desigualdade, insuflando um sentimento despótico que gera até hoje uma política de morte. 

Portanto, o que vivemos agora no Brasil é a expressão do sentimento antidemocrático que se materializou na política, tendo como componente a corrupção, que vem sendo uma experiência decisiva no projeto de destruição de país, freando e acabando com tudo o que ficou definido na Constituição Federal.

Nesse processo político, continuamos enfrentando os fantasmas soltos nos anos de chumbo que, ao longo dos anos, seguiram na sombra, ressurgindo agora para nos colocar numa encruzilhada, corroendo todos os mecanismos de controle estatal, mostrando que só vão largar o osso quando a morte da democracia no país estiver decretada e efetivada.

domingo, 1 de agosto de 2021

A barbárie escancarada


Antonio Carlos Lua

 A violência é um fenômeno que vem constituindo a história do Brasil, desde a colonização, com a extinção de povos originários, a escravidão de índios, de africanos, e a destruição de culturas. 

No início da República Velha, a degola fez dez mil vítimas na Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul. O Contestado matou cerca de 30 mil sertanejos pobres de Santa Maria (RS). A Revolta da Armada bombardeou o Rio de Janeiro com canhões. Na Revolução Constitucionalista, de 1932, aviões de guerra bombardearam São Paulo. 

Hoje, a violência ganha novos contornos, fragilizando os laços sociais, atentando contra as mulheres, crianças e idosos, disseminando valores belicosos e odiosos com o narcotráfico, a venda de armas, a prostituição infantil, o turismo sexual, a lavagem de dinheiro e os assaltos à luz do dia que se multiplicam de forma acelerada, com registros diários de homicídios, feminicídios e latrocínios.

A juventude é o alvo principal da violência. Praticamente a metade dos óbitos de pessoas de 15 a 24 anos no Brasil são causadas por homicídios. A cada 7 minutos, uma pessoa é assassinada no Brasil. A escalada de violência é o aspecto terrivelmente fatal do retrocesso político, econômico e social vivido no país. 

A violência – que atravessa a história do Brasil como uma enorme e visível ferida aberta – pode ser explicada pelo contínuo processo de exclusão a que a população mais pobre é submetida, num país drenado por uma engrenagem corrupta e agressiva, onde a tirania dos homens cria um retrocesso civilizacional. 

Como se não bastasse, temos como fenômeno mais recente as balas assassinas que – cinicamente chamadas de “balas perdidas” – continuam ceifando a vida de negros e pobres inocentes todos os dias nos campos de concentração das periferias no país, onde favelados são deixados à própria sorte e escancarados para a própria morte, numa violência covarde que parece não ter fim.

Enquanto isso, somos obrigados a se contentar com a repetição do ritual hipócrita daqueles que – fugindo da responsabilidade de garantir a nossa proteção – reintroduzem inescrupulosamente em seus discursos demagógicos desgastadas declarações nas marchas fúnebres tristemente ilustradas pelos caixões dos mortos anônimos covardemente trucidados numa guerra a céu aberto, com uma quantidade de mortos semelhante à de guerras civis que explodem pelo mundo.

É por isso que milhões de brasileiros desprotegidos e acostumadas ao esquecimento num país desigual não aceitam mais um sistema político que funciona como um simulacro de democracia com uma base de sustentação alicerçada por ilicitudes, nutrindo impiedosamente uma obsessão pela morte de miseráveis que muitas vezes não têm sequer a liberdade de chorar seus mortos, vítimas da crueldade e selvageria. 

O Brasil registra, hoje, em média, cerca de 60 mil homicídios por ano, o que equivale a 45% do total de homicídios da América Latina. O país – cuja população representa 3,6% do total de habitantes do mundo – responde, sozinho, por 18% dos homicídios no planeta, numa barbárie escancarada que nos distancia dos padrões civilizados.