ANTONIO CARLOS LUA
Somos incapazes de voltar no tempo para sermos o que fomos no passado, mesmo que os nossos corações estejam repletos de retornos guarnecendo momentos únicos e transitórios buscando tutelá-los como perenidades incontestáveis.
Essa verdade acerca das finitudes humanas a destinar o tempo transitório aos arrabaldes próprios da memória é a mesma verdade pré-socratiana orientadora de um igual tempo que se faz continuação construtiva em similitudes de um homem feito de seu passado a evoluir nos acréscimos de cada dia.
Então, “se nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”, se nunca atravessamos duas vezes o mesmo rio alterado a cada curso de suas águas e se dias e noites se alternam nos sinuosos bailados da vida em coreografia categórica, o transitório está a nos dizer que tudo passa, tudo passará e que o futuro deve ser agora porque é nele que se reinventam os sonhos na poética refletida a todo instante, trazendo a compreensão de que o tempo que não dura para sempre haverá de ser transformado em melhor.
Esta visão é própria dos construtores de catedrais. Apesar de haverem elas permanecido por dezenas de anos em construção, o decurso do tempo jamais comprometeu o plano arquitetônico original de seus idealizadores. Assim, os construtores de catedrais se sucederam e suas torres construídas para o alto seguem eternas, abertas ao infinito.
Elas se tornaram históricas e seus protagonistas que passaram deixando importantes legados se renovam continuadamente no tempo com o novo. Imponentes, ricas e plenas de história, as catedrais são, na verdade, construções supremas, provas de fé e tentativas de superação do efêmero.
Muitas delas demoraram centenas de anos para serem totalmente construídas. Aqueles que as iniciaram tinham consciência que não iriam viver o suficiente para verem as mesmas concluídas, o que se constitui num verdadeiro sentimento de puro amor ao próximo ao iniciarem projetos grandiosos mesmo sabendo que não iriam vê-los em vida.
Hoje, na atual civilização de retorno imediato o gesto dos construtores de catedrais é para muitos algo difícil de compreender, mas é salutar termos consciência de que mesmo que os projetos pelos quais lutamos não sejam concretizados no nosso tempo, a perseverança na luta pelos ideais que defendemos traz uma paz gloriosa para a nossa consciência ao sabermos que dessa forma estamos dando a nossa contribuição na busca incessante por um mundo melhor, mais justo, mais fraterno.