ANTONIO CARLOS LUA
O Instituto Adam Smith – grupo de lobby do Reino Unido que defende o livre mercado e as ideias liberais clássicas – publicou um documento oficial propondo a privatização da Lua para supostamente ajudar na eliminação da pobreza na Terra.
De acordo com o Instituto, a Lua deve ser dividida em áreas e cedida a vários países para serem alugadas a empresas, impulsionando o turismo espacial, a exploração e as descobertas. Por enquanto, felizmente, o Tratado do Espaço Sideral, elaborado, em 1967, pelas Organização das Nações Unidas, proíbe países de se apropriarem do espaço, criando bases militares ou fazendo testes de armas.
O Instituto Adam Smith, no entanto, defende que com mais países e empresas competindo mais do que nunca na corrida espacial, é vital que seja abordada, o mais rápido possível, a questão dos direitos de propriedade extraterrestre.
Nessa mesma linha de velocidade, leis similares são introduzidas em Luxemburgo, Índia, China, Japão e Rússia para que seja permitida a privatização dos recursos extraterrestres. A NASA, por sua vez, vem também fazendo esforços para que empresas sejam autorizadas a fazer extração privada de recursos da Lua, permitindo que astronautas particulares visitem a Estação Espacial Internacional.
Este ano, a primeira equipe totalmente privada de astronautas iniciou uma missão de uma semana na Lua, saudada como um “marco nos voos espaciais comerciais”. Da mesma forma, as empresas de sistemas aeroespaciais e transporte espacial ‘SpaceX’ e ‘Blue Origin’ lançaram seus próprios voos privados para o espaço. A ‘Space X’, por sinal já está olhando também para Marte, onde pretende instalar colônias humanas, criando uma civilização autossustentável.
Em suma, os movimentos para a comercialização e a privatização do espaço estão se acelerando com grande intensidade. Assim, o turismo espacial, a mineração de asteroides e a internet a partir do espaço satelital não são mais ficção científica.
Com isso, uma nova Guerra Fria está nascendo. A missão da ciência moderna não é mais revelar o segredo ou a essência oculta de algo, mas descobrir os tesouros ocultos que podem ser apropriados. Agora, além de descobrir o universo, temos que redescobrir novamente a Terra e protegê-la da lógica fatal dos novos exploradores do espaço ou dos autoproclamados ocupantes da Lua.
Como disse o filósofo, escritor e ativista político croata, Srecko Horvat, quanto mais sublime o universo parece, mais trágica se torna a destruição contemporânea do nosso planeta, com o homem se tornando cada vez mais provinciano.
É por isso que o escritor e documentarista norte-americano, Douglas Rushkoff – observador dos inícios da Internet há mais de 25 anos, que vem pesquisando os efeitos da tecnologia na consciência humana – chegou a sugerir que se pense a tecnologia digital como uma droga e os algoritmos como uma espécie de demonologia.
A conclusão é de que nossas previsões tiveram efeito contrário. Em um futuro próximo, os planetas ocupados servirão primeiro como bases para a extração de valiosos recursos que tornarão ainda mais ricos os mais ricos da Terra.
As ameaças de um término por mãos humanas da Vida na Terra têm o seu princípio na ciência que criamos, e na tecnologia que aplica suas descobertas e se volta cada vez mais contra a sociedade e a natureza, por valores de eficácia e de interesse.
Sobre isso, o padre Antônio Vieira, em 1652, no ‘Sermão de São Roque’, já alertava a humanidade dizendo “nesta máquina do mundo, entrando também nela o céu, as estrelas têm o seu curso ordenado, que não pervertem jamais; o sol tem seus limites e trópicos; fora dos quais não passa; o mar, com ser um monstro indômito, em chegando às areias, para; as árvores, onde as põem, não se mudam; os peixes contentam-se com o mar, as aves com o ar, os outros animais com a terra”.
Há milhares de anos a história se mostra uma excelente pedagoga, mas parece que nada dela aprendemos. O futuro já começou, mas a serviço do passado.