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domingo, 21 de outubro de 2018

Império da lei

Antonio Carlos Lua

Neste exato momento, algum brasileiro, em algum lugar do País, está cumprindo ao menos uma lei que não deveria ter entrado em vigor, por ser inconstitucional.

Oito em cada dez leis julgadas – no mérito –  pelo Supremo Tribunal Federal (STF), são consideradas inconstitucionais no todo ou em parte. A forma de editar uma lei, mais do que o seu conteúdo, está entre os principais erros cometidos. 

É pública e notória a constatação de um número infindável de leis inconstitucionais. O Poder Legislativo aprova uma lei e sabe que depois tem um encontro marcado com o Poder Judiciário para rediscuti-la.

No Brasil, é comum que leis sejam editadas para atender interesse de poucos, que não teriam o direito que conquistaram se certas normas não estivessem no ordenamento jurídico. 

Tal situação apenas escancara aquilo que já vem acontecendo há muito tempo e que acaba sendo paradoxalmente desprezada pelo Poder Legislativo, responsável pela criação e edição de diplomas legais.
O Brasil supera as democracias do mundo em número de leis questionadas, colocando o Poder Judiciário como a terceira arena de discussão, por ter que apreciar medidas legislativas e do Executivo, sendo bastante demandado para a verificação de possíveis inconstitucionalidades que viciam inúmeras legislações. 

A despeito da inconstitucionalidade de leis federais, a criação de leis estaduais e municipais denuncia uma série de fatores já conhecidos de todos, mas que, até agora, não foram resolvidos. 

Nessa direção, é possível detectar leis totalmente inconstitucionais, ora pela falta de competência das instâncias legislativas para a sua edição, ora pelo desvio de finalidade de atos normativos com o objetivo de favorecer demandas de caráter ilícito. 

Como consequência óbvia da ineficiência dos órgãos que compõem o Poder Legislativo e Executivo, o Poder Judiciário encontra-se abarrotado com a chegada de inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade, Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, além dos Mandados de Injunção. 

Isso acaba prejudicando os processos, cujas demandas sofrem com a duração alongada de seus julgamentos, além de fazerem brotar outros processos correspondentes aos desvios de finalidade de atos de agentes públicos, definidos como atos de improbidade administrativa.

Assim, o aumento da demanda e a consequente perda da qualidade na criação de leis remetem à necessidade de um controle jurisdicional da sua constitucionalidade, promovendo um crescente protagonismo do Poder Judiciário em todas as suas instâncias. 

É importante ressaltar que todos esses fatores que provocam a inconstitucionalidade de diplomas legais, são responsáveis pela crescente judicialização da política. 

De acordo com o sistema jurídico adotado no Brasil, as leis gozam de presunção de constitucionalidade e, por isso, tão logo publicadas, passam a integrar o ordenamento jurídico, entrando em vigor na forma de suas próprias prescrições.

Sabe-se que as referidas leis, em seus respectivos processos de produção, quanto à forma e conteúdo, são servis à Constituição Federal. Quando assim não ocorre, cabe aos interessados, na forma constitucionalmente prevista, questionar a sua constitucionalidade. 

No mundo moderno, a lei é o princípio da autoridade. É a lei que define os limites da particularidade dentro da universalidade. É o império da lei o garantidor da liberdade. Fora da lei, reina a arbitrariedade. 

No Brasil, infelizmente, as leis, em sua maioria, são elaboradas sem se analisar se respeitam ou não os princípios constitucionais. Isso causa um problema, pois depois que uma lei é sancionada passa a ser necessária uma análise do Judiciário para declarar sua inconstitucionalidade. 

Assim, cria-se uma rotina em tribunais para descartá-la, sendo mais um ingrediente dentro de um universo com mais de 100 milhões de processos em tramitação no conturbado contexto de questionamento de normas.

Muitas leis sancionadas não se encaixam à realidade social pela centralização de poder e pela distância dos legisladores do cotidiano das pessoas. 

Embora a quantidade de leis aprovadas possa ser um termômetro para medir o protagonismo do Poder Legislativo, não há relação entre muitas leis aprovadas e um bom Parlamento, até porque o legislador também tem função de fiscalizar o Poder Executivo. 

A explicação para a significativa produção de leis inconstitucionais está em nossas raízes. Se fizermos uma análise histórica de nossa formação cultural, constataremos que o estatismo brasileiro não é um acaso, e sim uma obra de séculos. 

Isso se reflete na opinião dos cidadãos. Nos sites que pedem a opinião popular sobre proposições dos parlamentares, é comum observar que a maioria delas são aprovadas pelo público – e as redes sociais comprovam isso. Muitas vezes são leis inúteis, inconstitucionais, irrelevantes e ruins. 

O parlamentar sabe que o projeto é absurdo, mas, para não ‘passar em branco’ diante dos eleitores, propõe sugestões descabidas. Dessa forma, a associação entre aprovar inúmeras leis e ser um congressista eficiente tem sido tratada como absolutamente natural.

Outro fator que estimula a indústria legislativa é a denominada legislação-álibi. Ela ocorre diante de certa insatisfação da sociedade perante algo, sendo uma resposta pronta e célere do ente governamental. 

Trata-se de uma aparente solução, transmitindo a mensagem de um Estado que responde normativamente aos problemas reais da sociedade, podendo, até mesmo, introduzir um sentimento de bem-estar nas pessoas, mesmo não tendo efeito prático naquilo que se propõe solucionar. 

Muitos Projetos de Lei gerados nas casas legislativas não apresentam argumentos ou justificativas técnicas e são, na verdade, resultado de negociações partidárias e trocas de favores políticos. 

É necessário um freio à frequente criação de normas jurídicas desconectadas da realidade que, além de revelar uma profunda fragilidade do processo legislativo, denota uma despreocupação do legislador quanto aos impactos e constitucionalidade da norma promulgada. Algo precisa ser urgentemente mudado nesse sentido. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

A reinvenção da política


Por Antonio Carlos Lua

As eleições desenharam uma nova coreografia política no Brasil. Aqueles localizados à esquerda do espectro ideológico habitam e sentem na pele o mal-estar social e, assim, procuram saídas coletivas para a crise na qual todos nós fomos jogados, apesar das nossas resistências cotidianas.

Aqueles que se colocam ideologicamente à direita – ou seja, os nostálgicos da Ditadura – fazem do mal-estar social um desejo de destruição, alimentando um neoliberalismo ultraconservador que flerta com elementos de um fascismo clássico e com o colonialismo racista, disseminando o ódio de classes para estabelecer uma sociedade neurótica, jogando uns contra os outros, numa competição permanente.

Na contramão da história, fazem movimentações incontidas em defesa da tortura, em discursos de violência misógina e de racismo explícito, desenhando propostas ultraautoritárias, tendo como guru econômico Paulo Guedes, ex-colaborador da Ditadura do general Pinhochet, no  Chile. 

É por isso que a política configura-se como o cerne e o pilar central de um sistema que apodrece a céu aberto no Brasil, tendo como situação aflitiva o aprofundamento da crise política, num país com milhões de desempregados, péssimos serviços públicos e questões comportamentais mal discutidas e mal resolvidas.

Esses fenômenos nos ajudam a entender a extrema desmoralização do sistema político, impondo às forças progressistas o desafio da reinvenção, formulando contraposições às propostas reacionárias que se apresentam como outsiders, ‘contra tudo o que aí está’.

Os perigos agora se concretizam com notável dramaticidade.Teremos pela frente dias difíceis, tormentosos, a exemplo do que ocorreu nas ascensões meteóricas de Jânio Quadros (1960) e Fernando Collor (1989), cujos resultados não foram nada edificantes para a população brasileira.

Um regime antidemocrático, baseado no arbítrio e na prepotência representa uma ameaça à democracia. É hora de decidirmos se queremos salvá-la e aperfeiçoá-la ou se queremos assistir a sua destruição. As opções estão em aberto e as circunstâncias decidirão.