Por Antonio Carlos Lua
Democracia sem votos não
existe, mas no Brasil políticos que não receberam um único voto do eleitor no
processo eleitoral estão no Senado Federal no exercício do mandato e na
plenitude das prerrogativas parlamentares, em flagrante violação à vontade soberana
das urnas.
São os senadores
suplentes, que podem ser considerados tão biônicos como aqueles que faziam
parte do conjunto de medidas conhecidas como ‘Pacote de Abril’, lançado, em 1977, pelo Governo do general Ernesto Geisel, durante a Ditadura, com o apoio
da Aliança
Renovadora Nacional (Arena), partido conservador de sustentação do regime
militar.
A suplência senatorial no
Brasil assemelha-se ao sistema adotado na Roma Antiga, quando a posse de
riquezas e o prestígio junto aos governantes eram os critérios de escolha dos representantes políticos.
É uma excrescência que torna
o voto peça irrelevante no processo eleitoral, evidenciando os efeitos de uma
democracia imperfeita, nos moldes daquela que o ex-primeiro-ministro britânico,
Winston Churchill, disse ser a pior e a mais cruel para uma nação.
O senador suplente é imposto
por conveniências partidárias. Sem a unção das urnas, ele distorce a
representação popular, fazendo com que os níveis de fair-play político no país
continuem baixos, com cada um aquilatando o valor da democracia pelos seus
interesses.
Os escolhidos para suplentes
são pai, filho, irmão, mulher e grandes empresários desprovidos de qualquer
identificação com o povo, com o cargo e com a política.
Em numerosos casos o
suplente se reveza com o titular no exercício do mandato, cuidando diretamente
de seus interesses privados junto ao Estado. Ou seja, a suplência acaba
funcionando como um prêmio pelo apoio financeiro.
Demasiadamente maléfica para
o eleitor, a conveniência produz dividendos eleitorais consideráveis para o
escolhido, que ganha assento no Senado, valendo-se de uma regra que fere princípios
vitais da democracia.
O convite à negociata
eleitoral é evidente. A artimanha do compadrio cria anomalias e rejeita
iniciativas tópicas que tentam corrigir as distorções, sendo estas iniciativas
submetidas ao paradoxo de serem votadas pelos que delas se beneficiam.
A natureza espúria do
sistema da suplência senatorial evidencia uma latente contradição política. Um
país que não consegue interpretar o princípio constitucional de que “todo poder
emana do povo e em seu nome é exercido” está realmente fadado a continuar sendo
empurrado para o Terceiro Mundo.
A suplência senatorial no
cenário político não se coaduna com os ideais democráticos republicanos. Ela
vulnera o princípio da representação e torna espúrio o processe político.
Sua revogação é a única
maneira de recolocar a política em ambiente respeitável. Não com engodo
eleitoral ou com arremedo de reforma política que tornou-se mais uma das
incontáveis ilusões vendidas no Congresso Nacional.