domingo, 26 de novembro de 2017

Inverdades sobre a Previdência

Por Antonio Carlos Lua

Seguindo a ideologia política da escola neoliberal brasileira, o Governo Federal tenta impor aos brasileiros o "estado mínimo", forjando o chamado "Rombo da Previdência”, com a lógica de que sem a aprovação de uma reforma no sistema de seguridade social, não haverá dinheiro para pagar a aposentadoria, colocando o trabalhador como o burro da “Fábula de La Fontaine”, sendo ele sempre o culpado de tudo.

Propagandear contra a Previdência Social e desacreditá-la com o passionalismo de uma ofensiva publicitária que raia pela chantagem, vem sendo o mais significativo dos feitos maléficos do atual Governo, que aponta um “rombo” de cerca de R$ 258,7 bilhões, no sistema previdenciário.

O Governo Federal tenta empurrar a reforma sem considerar os números e sem explicar que as dívidas previdenciárias de governos estaduais e municipais, empresas e fundações alcançaram, no ano passado, R$ 426 bilhões, e que o desvio de recursos públicos para promover a farra das isenções fiscais concedidas a empresas retiraram da seguridade social recursos na ordem R$ 230 bilhões.

O fato de termos 20% das contribuições desviadas para o Orçamento Fiscal e o pagamento da dívida com juros altos, em proporções insuportáveis, afetaram também a Previdência Social. É inacreditável que gastemos o equivalente a 100% do Orçamento com juros e apenas 30% com Seguridade Social.

Mesmo com a contestação de conceituados especialistas e da própria Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), o Governo insiste em apresentar a reforma como panaceia para o déficit fiscal, ignorando as pessoas por trás dos números e seus direitos de aposentados, pensionistas e beneficiários.

O Brasil tem um problema crônico de desvio de recursos destinados ao financiamento da Previdência, que sempre foi o “Caixa 2” dos sucessivos Governos, desde Juscelino Kubitschek (1956/1961), que direcionou verbas da instituição para Brasília prometendo devolvê-las, mas morreu sem cumprir a promessa.

Um rio de dinheiro, cuja cor os segurados nunca viram e jamais verão, e cujo montante é hoje impossível avaliar, sobejaram e foram desviados para a implantação de megausinas hidrelétricas, passando pela abertura de estradas como aquela onde os caminhões hoje atolam aos milhares.

O sistema previdenciário brasileiro está sustentado em pilares tanto econômicos quanto sociais, de forma que qualquer pretensão de mudança deve seguir planejamento equilibrado, com transição gradativa, considerando os seus limites e respeitando o núcleo central da proteção social.

Previdência não é imposto, mas contribuição para beneficiar o trabalhador, sendo o Governo Federal seu fiel depositário. Em qualquer circunstância, quando um fiel depositário foge à sua responsabilidade ele é obrigado, pela lei, a repor o desviado.

domingo, 19 de novembro de 2017

Robotização do jornalismo

Por Antonio Carlos Lua

Com os pés no presente e os olhos voltados para o futuro, grandes veículos de comunicação dos Estados Unidos e da Europa – entre eles os jornais norte-americanos The New York Times, The Washington Post e a agência de notícias britânica Press Association – já utilizam sistemas tecnológicos de inteligência artificial na produção jornalística.

A suposta substituição de jornalistas por robôs em veículos de comunicação é um tema delicado e muito polêmico. De acordo com cientistas da Oxford University, do Reino Unido, o sistema de inteligência artificial já ameaça 35% dos atuais empregos de jornalistas, sendo esta a questão mais visível trazida por essa nova tendência tecnológica que constitui hoje o maior dilema existencial para o futuro dos jornalistas.

Investimentos milionários do Google para integrar tecnologias de inteligência artificial na produção de notícias seguem a todo vapor. Além do robô-jornalista (Reporters and Data and Robots - Radar), que produz 30 mil notícias por mês, o gigante da Internet desenvolveu também um programa que sistematiza trabalhos relacionados aos principais desafios do jornalismo de dados e do jornalismo imersivo.

A previsão de especialistas em tecnologia digital da Karlstad Universitet, da Suécia, é de que até 2025, 90% das notícias produzidas com o uso de inteligência artificial trarão conteúdo narrativo automatizado. As matérias não se resumirão apenas ao lançamento de dados. Elas oferecerão também análises econômicas, políticas, sociais, culturais. Metade da interação entre os indivíduos e os computadores será feita através de voz.

Há, porém, uma certa dose de exagero no anunciado aniquilamento dos jornalistas pelos robôs, com a total destruição do campo de trabalho dos profissionais de imprensa. É importante enfatizar que a evolução do jornalismo não se limita a robótica. Jornalista é um ser pensante e seus textos são frutos de vivências, pesquisas, imersões políticas e muito faro, qualidades e características que certamente um robô não pode oferecer.

É claro que com a inteligência artificial o mundo da informação passa a ter fronteiras menos rígidas, mas, no entanto, será mais seletivo, oferecendo a quem o habita a oportunidade de se reinventar, abandonando esquemas obsoletos, o que é comum numa profissão que nunca foi estanque, imutável e que passa sempre por uma constante metamorfose, tendo como matéria-prima a realidade social, infinita em fatos e em constantes mutações.

Embora o processo de automação no jornalismo seja absolutamente irreversível, a inteligência artificial não é um elixir mágico para todas as situações na produção jornalística.  As competências humanas dos jornalistas continuarão sendo vitais no processamento da notícia.

O que a inteligência artificial vai viabilizar, na prática, é o aumento do volume de notícias escritas a um patamar que seria impossível de ser alcançado manualmente apenas com uma redação formada por trabalhadores humanos.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Cenário de crise

Antonio Carlos Lua

A advocaciacarreira famosa e atraente pela possibilidade de altos ganhos – também vive seus momentos de crise, ameaçando a sobrevivência de muitos profissionais da área em todo o país.

A crise não atinge somente os pequenos escritórios. Ela alcança também as bancas tradicionais, médias e grandes que, pelo volume e qualidade de seus clientes, demoram a perceber que algumas causas jurídicas pagam por outras. Ou ainda – o que é pior – serviços consultivos pagam por serviços do contencioso.

Renomados escritórios já diminuem suas dimensões, fundem-se com outros, como imperiosa necessidade de sobrevivência. Atentos para os problemas que já se esboçam, já começam a surgir tentativas para controlar melhor gastos, despesas e reembolsos.

As razões dessas dificuldades que muitos advogados e escritórios vêm sofrendo nos últimos anos podem ter relação com o constante aumento de preços que se elevaram estratosfericamente na última década, impactando significativamente nas despesas.

Nesse aspecto, tem que ser levado em consideração a renovação de equipamentos do escritório, as despesas com o imóvel e o tempo empenhado em orientações e informações prestadas ao cliente, além do ônus financeiro pelo adiantamento de custas processuais.

Tem que ser levado em consideração também que todas as despesas e serviços disponibilizados para acompanhar os processos em andamento são pagas pelos honorários, que ainda devem pagar, lá no final, depois de tudo, o trabalho intelectual do advogado, a sua remuneração, o seu “salário”.

Dessa forma, para fazer frente às necessidades financeiras mensais, é preciso contratar novas causas jurídicas para poder receber novos honorários. Essas outras causas serão diligentemente acompanhadas até o final, quando há muito tempo não acontecem mais recebimentos de honorários advindos delas, num ciclo que se renova, somente quando as primeiras causas terminam.

O tempo para o encerramento do processo acaba por gerar um aumento exponencial de trabalho sem o correspondente aumento de receita.

As causas jurídicas exigem um trabalho contínuo, de custo assustador e muito variável. As características da ação, do cliente geram fatores que deságuam sempre em custos significativos.

Diante dessa realidade, os advogados enfrentam situações em que os honorários recebidos ao final do processo não cobrem sequer as despesas de acompanhamento. Ou seja, muitas vezes o profissional de advocacia, literalmente, paga para trabalhar.

Com este quadro alarmante, especialistas indicam mecanismos que podem ajudar na busca de soluções. Um deles é implantar, dentro dos escritórios, uma nova filosofia de remuneração que inclua todas as despesas.

Os honorários devem ficar destinados exclusivamente ao trabalho intelectual do advogado, enquanto as despesas de acompanhamento devem passar a ter dotação própria, como todas as demais despesas reembolsáveis.

A medida pode trazer um resultado positivo. A implantação do sistema pode significar a diferença entre a sobrevivência, crescimento, sucesso ou a morte do escritório.

A aplicação desta nova estratégia vai mostrar que a transparência nos gastos e despesas com o processo, em conjunto com a adoção de outras ações complementares, pode melhorar a relação de confiança entre cliente e advogado, além de refletir profundo profissionalismo e seriedade, o que significa enorme vantagem competitiva.

sábado, 4 de novembro de 2017

Tragédia silenciosa


Por Antonio Carlos Lua

Em silêncio, traficantes de órgãos humanos seguem enganando, viciando, extorquindo, transportando, recrutando e coagindo pessoas para realização de transplantes ilegais no Brasil, sem que nada seja feito efetivamente para evitar que, em pleno Século XXI, o homem se comporte como um manipulador tecnicista, vendendo o próprio homem ou pedaços dele, como se fosse mercadoria.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que o Brasil inclui-se entre os países integrantes da zona cinzenta do mercado do tráfico de órgãos humanos e transplantes ilegais.

Os criminosos intermediam todas as preliminares que antecedem os procedimentos para recrutar e controlar o potencial dos doadores que são coagidos a venderem um rim, uma córnea, pedaços do fígado, do intestino e outras partes do corpo que o homem pode dispor sem morrer, embora com mutilações graves e dramáticas.

Difícil de ser rastreado e caracterizado pela sua subjetividade, o comércio ilegal de órgãos humanos no mercado negro cresce exponencialmente, atingindo a dignidade de pessoas vulneráveis.

O crime merece um combate sem tréguas pelas autoridades brasileiras, que devem tomar cuidado para que casos relacionados a mafiosos não comprometam o programa nacional de transplante de órgãos que vem salvando e dando um sopro de vida a centenas de pessoas.

No mercado de tráfico de órgãos humanos, homens, mulheres, crianças adolescentes são vendidos vivos ou em partes desde o primeiro minuto em que são considerados potenciais doadores de órgãos. 

Vivendo em situação de extrema pobreza, muitas pessoas vendem um rim para comprar um fogão, um colchão e, às vezes, até alimentos para a família.

Geralmente, a primeira pessoa da família a vender um órgão é o pai, depois a mãe e posteriormente o filho mais velho. Muitos são assassinadas para a remoção e posterior comércio dos seus órgãos, em uma barbárie que expressa a coisificação do corpo humano. 

As consequências psíquicas são irreversíveis para aqueles que sobrevivem. É uma mistura de culpa com estigma social, medo, vergonha espiritual, morte psicológica.

Há décadas a Organização Mundial de Saúde vem alertando o Brasil sobre a atuação de traficantes internacionais de órgãos humanos no país.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal constatou, em 2004, inúmeros casos de transplantes ilegais, entre eles o do menino Paulo Veronesi Pavesi, considerado o marco zero das investigações da CPI.

O caso aconteceu em Poção de Caldas (MG) quando médicos comunicaram aos pais a morte encefálica de Paulo Veronesi Pavesi e a família consentiu a doação dos órgãos. 

Após uma investigação para apurar valores cobrados indevidamente pelo hospital, o pai do menino foi comunicado que seu filho foi assassinado pelos médicos e que, desde o momento que deu entrada para o tratamento, foi visto como um doador em potencial.

O ato criminoso envolvendo Paulo Veronesi Pavesi foi apenas um entre muitos da tragédia silenciosa registrada no País, a exemplo das crianças evisceradas em Pernambuco, Estado em que o Israelense Gedalya Tauber recrutava pessoas para a retirada dos órgãos e as levava para o sul da África, onde pacientes Israelenses já esperavam para o transplante. 

Outro caso que ganhou repercussão ocorreu em Taubaté, no Estado de São Paulo, quando foram presos e processados os médicos cirurgiões Rui Sacramento, Mariano Fiore Jr. e Pedro Torrecillas, por envolvimento em transplantes ilegais.

O tráfico de órgãos humanos caminha sobre rodas no Brasil, deixando rastros de dor nos familiares de pessoas levadas cruelmente à morte. 

A falta de investimentos em estrutura hospitalar, ausência de logística, filas gigantescas, longa espera por um transplante e a supervalorização de órgãos têm chamado a atenção de criminosos internacionais. 

Não é à toa que 5% dos órgãos humanos utilizados em transplantes no mundo provêm do mercado negro, com o Brasil fazendo parte dessa estatística.

Relatório da Organização das Nações Unidas, com o tópico “Turismo do Transplante”, aponta a existência de muito hospitais em que podem ser encontradas pessoas vindas de outros países aguardando órgãos humanos, frutos do tráfico. A maior parte dos órgãos vendidos por doadores no mercado negro é constituída de rins.

Quem decide se submeter a um transplante ilegal corre duplo risco. Antes de tudo pela condições sanitárias nas quais quase sempre são efetuadas essas intervenções e pelas escassas garantias sobre o estado de saúde dos órgãos transplantados, que podem ser veículo de infecções e de várias doenças, tais como o HIV e a hepatite.

Desaparecimentos ou homicídios de crianças e jovens estão muitas vezes ligados ao tráfico de órgãos humanos, tendo em vista a comprovação da existência de organizações internacionais recrutando pessoas em vários Estados brasileiros, num esquema criminoso que infelizmente permanece fora do radar dos serviços de inteligência brasileiros.

A doação de órgãos no Brasil é normatizada pela Lei dos Transplantes 9434/97 que – respaldada no artigo 199, parágrafo 4, da Constituição Federal – tem 25 artigos norteando os assuntos tanto para doação Inter vivo e como para post-mortem.