domingo, 26 de fevereiro de 2023

Nosso pecado original

ANTONIO CARLOS LUA

A persistência da escravidão ou de condições análogas à escravidão constituem hoje um desafio para a humanidade. Uma multidão de escravos modernos, fracos, indefesos e marginalizados vive hoje de forma perigosa em quase todos os países do mundo.  

São quase 50 milhões de novos escravos, submetidos ao trabalho forçado em atividades degradantes, como ocorreu recentemente no Qatar, onde cerca de 15 mil escravos modernos morreram durante os preparativos para a Copa do Mundo, segundo dados da organização de direitos humanos ‘Anistia Internacional’, que denunciou condições desumanas de trabalho, alimentação insuficiente e de má qualidade, excesso de jornada com práticas da escravidão moderna na construção dos complexos esportivos para a competição futebolística mundial.

No mundo a Índia lidera o ranking com 7 milhões e 99 mil escravizados. Eles são invisíveis inseridos no contexto global de violações aos direitos humanos.  No Brasil são mais de 369 mil pessoas escravizadas ou em condições análogas à escravidão, conforme dados da Organização Internacional do Trabalho.

Mas, por que humanos escravizam outros humanos?  A mais antiga codificação de leis, o Código de Hamurábi, escrito por volta de 1772 antes de Cristo, no Irã, já se referia à classe dos escravos. E assim ao longo de toda a história até os dias atuais.   

Uma questão que até hoje não é discutida é o fato de algumas cabeças mais brilhantes do Ocidente não terem se sentido desconfortáveis em terem escravos. Assim, Aristóteles, David Hume, Immanuel Kant, Friedrich Hegel e o próprio formulador da Declaração de Independência dos Estados Unidos, Thomas Jefferson também possuíam escravos.

O pesquisador jamaicano Orlando Perterson, professor em Harvard, disse que a escravidão existiu desde o início da história da humanidade nas sociedades mais primitivas e também nas mais avançadas. 

O Padre Antônio Vieira num engenho pregava aos escravos dizendo: ”Sois imitadores do Cristo crucificado porque padeceis em um modo muito semelhante ao que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz e em toda a sua paixão”. 

Antonio Vieira defendeu a igualdade entre todos os homens, negros ou brancos, africanos ou europeus, condenando aqueles que escravizam e dizendo ainda que “negro” ou “branco” é parte da linguagem imperfeita da Terra.

Mesmo com todo o trabalho em defesa dos negros, com tanta pregação, tanta missiva, tanta diligência pela educação e liberdade dos escravos, alguns historiadores volta e meia fazem uso da estupidez para acusar o Padre Antonio Vieira de concordar com a escravatura num elementar e incompreendido anacronismo histórico para encobrir o mal feito noutras épocas.

Dizer que o Padre Antonio Vieira era escravagista é como dizer que era a favor da morte de Cristo. Ele louvou o modo como Cristo se portou numa situação injusta e exorta quem a vive a portar-se da mesma forma. 

Se continuarmos não abraçando o outro como igual, não haverá futuro para o nosso tipo de civilização. Quem não entende essa verdade elementar não entenderá o passado e o que condicionava e motivava as pessoas que nele viveram. 

Não sentir os outros como nossos semelhantes e não ter empatia para com eles é o nosso pecado original, sendo esta a razão da escravidão de ontem e de hoje. 

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