domingo, 15 de outubro de 2017

Contrabando legislativo


Antonio Carlos Lua

A Teoria da Divisão de Poderes, consagrada na obra ‘O Espírito das Leis’, do pensador francês Montesquieu, que – baseado na obra ‘Política’, do filósofo Aristóteles, e no livro ‘Segundo Tratado do Governo Civil’, de John Locke –  instituiu o Sistema de Freios e Contrapesos, para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, não vem tendo efeito prático no Brasil, com a acintosa supremacia do Executivo Federal em relação ao Congresso Nacional, na aprovação de Medidas Provisórias incompatíveis com os preceitos constitucionais.

Acobertado por uma pseudolegalidade à qual o Congresso Nacional se curvou, o Executivo Federal, enquanto detentor do poder político, vem subjugando o Legislativo, transformando o Parlamento brasileiro num almoxarifado da Presidência da República.

Valendo-se do artifício conhecido como “contrabando legislativo”, o Executivo Federal enfia sistematicamente penduricalhos – as chamadas “emendas jabutis” – em Medidas Provisórias que versam sobre assuntos que não guardam nexo algum com o objeto principal da matéria analisada.

As Medidas Provisórias ganharam uma proporção gigantesca no Brasil e vêm sendo editadas ao bel prazer do presidente da República. Essa prática ditatorial à qual espantosamente o Brasil se acostumou mostra o autoritarismo do Executivo Federal que – aproveitando-se da preguiça do Congresso Nacional em legislar – insere no ordenamento brasileiro dispositivos casuísticos, gerando sérios danos à sociedade.

De acordo com o artigo 62 da Constituição Federal, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar Medidas Provisórias, com força de lei, devendo submetê-las, de imediato, ao Congresso Nacional, quando não existirem outros instrumentos jurídicos capazes de atuar sobre um determinado problema que exija a adoção do mecanismo.

Nesse aspecto, verifica-se flagrante violação à Constituição Federal, evidenciando um desvirtuamento na edição de atos provisórios a serem votados no Congresso Nacional que – abandonando por completo os valores éticos que lhe seriam próprios – vem renegando a sua atribuição institucional de suprimir os excessos e abusos do Presidente da República por meio dos ditos diplomas legais.

O processo legislativo brasileiro é muito complicado. Existe uma tradição de muita barganha, de envolvimento político na tramitação de leis no Congresso Nacional. Embora seja tarefa primordial do Parlamento a elaboração das leis, a agenda legislativa no Brasil está nas mãos do Executivo.

O próprio Parlamento se responsabiliza pela distribuição de poderes que favorecem o Executivo, cuja influência na aprovação de normas é nociva e gera instabilidade no sistema legal, causando uma verdadeira erupção de sentimento de litigiosidade e insegurança jurídica.

Embora saibamos que nenhum governante contemporâneo pode prescindir de instrumentos legislativos ágeis que lhe permitam enfrentar situações de urgência que tragam prejuízos graves à sociedade, ao Estado e à Nação, não é plausível que o Poder Executivo continue usurpando atribuições típicas do Legislativo, cuja pauta hoje é dedicada à alteração ou aprovação de Medidas Provisórias, deixando em segundo plano o seu papel constitucional e prioritário.

O Poder Legislativo precisa encontrar uma forma de conter a voracidade legiferante do Poder Executivo, diante da avalanche de Medidas Provisórias. Em que pese a provisoriedade dessas medidas, enquanto elas estão vigência deixam a sociedade apreensiva, uma vez que os abusos legislativos trazidos em seus textos têm mais caráter particular do que coletivo, beneficiando grupos políticos atrelados ao poder em detrimento da sociedade. 

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