Quando o jornalista colombiano, Gabriel García Márquez, lançou – há meio século – o romance ‘Cem Anos de Solidão’, ainda não era reconhecida no mundo a grande matriz cultural que constitui a América Latina.
O livro – uma das melhores obras hispano-americanas – criou paradigmas de identidade, contribuindo para a reinvenção de um continente plural, que agrega circunstâncias múltiplas e abarca uma gama considerável de culturas e práticas sociais.
Sobre a narrativa da obra mais célebre do jornalista colombiano, a primeira premissa a ser pensada é a que se refere à circularidade, com os fatos sendo sempre uma repetição com nova roupagem de fatos anteriores. Os personagens são espelhados e multiplicados uns nos outros. As histórias são releituras umas das outras.
O romance permite uma visão privilegiada sobre a Colômbia, com a exposição clara do imaginário e da simbologia que perpassa a consolidação do país, onde a vida é uma luta pelo mínimo necessário e a fratura que divide as classes pobres das elites que as desprezam.
‘Cem Anos de Solidão’ é uma busca pela identidade latino-americana, revelando sua história, decifrando suas origens, tendo a literatura e a arte como lugar de encontro. É um livro extraordinário, que exerce uma espécie de encantamento permanente, com uma narrativa impregnada de duplicidades e antagonismos.
A crítica literária cunhou a expressão “realismo mágico” ou “realismo fantástico”, para classificar “Cem Anos de Solidão”, cuja principal característica é lidar com situações inusitadas e, até, irreais, como se estas fizessem parte do cotidiano.
Com a obra, Gabriel García Márquez – vencedor do Prêmio Nobel da Literatura, em 1982 – fez eclodir a bomba literária na América Latina. Foi a partir do livro que a literatura mundial começou a enxergar os escritores latino-americanos, abrindo as portas da cultura ocidental.
‘Cem Anos de Solidão’ é um marco literário sem precedentes e se firmou como clássico, não apenas da literatura latino-americana, como também da literatura mundial. Publicado em 1967, foi o livro mais lido do chamado boom da literatura latino-americana.
Sedutora pelo enredo, a obra – estudada pela crítica literária em numerosos ângulos e facetas – relaciona jornalismo, literatura, lendas e mitos da América Latina, mostrando que no universo cultural do continente o real e o irreal convivem e se complementam.
A paisagem estabelecida por Gabriel García Márquez no livro é a da coleção de histórias, lendas e mitos do continente latino-americano. Dialogando com magia, ele busca na cultura popular os elementos de sustentação literária.
A obra é uma releitura magistral da relação que a Colômbia construiu historicamente dentro da ideia de Nação que as elites andinas representadas por Bogotá se identificavam. Nela encontramos lado a lado episódios que poderiam ser chamados de “realistas” no sentido tradicional do termo e que poderiam estar presentes em qualquer romance realista.
‘Cem Anos de Solidão’ continua sendo fundamental na criação de uma identidade da Colômbia, onde existe hoje um forte movimento cultural que se deve, em grande medida, a obra de Gabriel Garcia Márquez. Assim, podemos dizer que se Cervantes fundou a Espanha, Gabriel García Márquez fundou a Colômbia.
‘Cem Anos de Solidão’ continua sendo fundamental na criação de uma identidade da Colômbia, onde existe hoje um forte movimento cultural que se deve, em grande medida, a obra de Gabriel Garcia Márquez. Assim, podemos dizer que se Cervantes fundou a Espanha, Gabriel García Márquez fundou a Colômbia.
Além de ‘Cem Anos de Solidão’, o jornalista Gabriel García Márquez – um dos escritores mais admirados e traduzidos, com mais de 40 milhões de livros vendidos em 36 idiomas – é autor de obras clássicas como ‘O Amor nos Tempos do Cólera’, ‘Ninguém Escreve ao Coronel’ e ‘Crônica de uma Morte Anunciada’.
Gabriel García Márquez nasceu em Aracataca e criou um território eterno chamado Macondo, onde convivem imaginação, realidade, mito, sonho e desejo.
Assim como o escritor Guimarães Rosa e o ensaísta, escritor e músico cubano, Alejo Carpentier, Gabriel García Márquez tenta em suas obras retratar e estabelecer a cultura popular, sendo este o elemento de legitimidade de suas narrativas.
Assim como o escritor Guimarães Rosa e o ensaísta, escritor e músico cubano, Alejo Carpentier, Gabriel García Márquez tenta em suas obras retratar e estabelecer a cultura popular, sendo este o elemento de legitimidade de suas narrativas.
Tanto Gabriel García Márquez como Guimarães Rosa e Alejo Carpentier fizeram viagens para dentro. Em fevereiro de 1952, Gabriel García Márquez faz a sua “mítica viagem” à Aracataca, povoado colombiano onde nasceu e de onde teria surgido sua vocação de escritor.
Em junho do mesmo ano, ou seja, três meses depois, Guimarães Rosa fez uma longa viagem pelo sertão. Nessa viagem ele desenvolveu a pesquisa para a produção do livro ‘Grande sertão: veredas’ e outras obras, a exemplo do ‘Buriti’.
Em janeiro de 1953, o cubano Alejo Carpentier termina o seu mais importante livro, ‘Los pasos perdidos’, obra que narra uma viagem ao interior de um país sul-americano por um artista frustrado, que teve a oportunidade de revitalizar sua força criadora.
No livro ‘Buriti’, de Guimarães Rosa, Miguel retorna ao sertão em busca de seu passado e encontra o amor em Maria da Glória depois de uma vida vazia na cidade.
Ou seja, dessa forma, tanto Gabriel García Márquez como, Guimarães Rosa e Alejo Carpentier colocam a viagem a razão de ser de suas obras,
Gabriel García Márquez nem sempre foi uma unanimidade como nos parece hoje. Partes de sua obra foram censuradas na antiga União Soviética, onde passou uma temporada escrevendo uma série de reportagens sobre a vida no bloco comunista, na década de 1950.
A tradução feita nos Estados Unidos passou inicialmente despercebida, e, nos países árabes, como o Irã, os livros eram vendidos no mercado negro, pois não havia permissão para publicá-los. Até mesmo na Colômbia, ele inicialmente não foi uma unanimidade.
Amigo de Fidel Castro, ele não era visto com bons olhos pelo governo da Colômbia, o que dificultou a aceitação da obra pelo particular posicionamento que o relacionava com o pensamento utópico de esquerda, que depois da Revolução cubana, começava a ter grande acolhida em todos os países latino-americanos e caribenhos.
Por conta de sua forte relação com a esquerda, Gabriel García Marquez teve que sair da Colômvia, na década de 1970, protegido diplomaticamente pela embaixada do México, depois da emissão de uma ordem de prisão contra ele, na qual era acusado de cooperar com a guerrilha e apoiar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), criada em 1964 numa ação política do Partido Comunista Colombiano.
A profissão de jornalista – exercida durante muitos anos por Gabriel García Márquez – fez com que ele testasse em seus livros muitas de suas técnicas narrativas de documentário, com longas reportagens escritas em forma de romance, como ‘Notícias de um sequestro’, ‘A aventura de Miguel Littín clandestino em Chile’,’Relato de um náufrago’, entre outras publicações do jornalista.
São textos híbridos, formados pela mistura de romance e reportagem. Contudo, não se pode esquecer que Gabriel García Márquez se formou na escola jornalística norte-americana da qual saíram também nomes como o do escritor e jornalista norte-americano, Truman Capote.
Gabriel García Márquez – que faleceu em 17 de abril de 2014 – partia da ideia de que a reportagem é uma construção linguística, que pretende ter como referencial a “realidade”. Mas como construção linguística, estaria sujeita mais à própria linguagem que aos imperativos do fato.
Gabriel García Márquez iniciou a carreira de jornalista no “El Espectador', o jornal mais importante da Colômbia. Dizia sempre que ser repórter era a melhor profissão do mundo. Ele justificava isso a partir da ideia de que o repórter escuta as histórias alheias e tem por obrigação contá-las a outros.
Ponto de vista
‘Cem anos de solidão’ é um livro sedutor pelo enredo, com várias gerações se sucedendo. É um romance com sopro épico. A obra dá notícia de um mundo fenecido, um mundo soterrado pela modernização das relações de mercado, mundo que no romance aparece na forma de uma consciência irracional, ou pré-racional, presente em grande parte dos personagens.
Cem anos de solidão contribuiu para modificar a visão que o restante do mundo tinha da América Latina. Ele fez parte do "boom" dos anos 1960 e 1970, quando grandes escritores latino-americanos, particularmente hispano-americanos, entraram em circulação na Europa e nos Estados Unidos, algumas vezes em tradução para o francês e o inglês.
Foi uma revelação para os europeus cansados de narrativas pálidas, autocentradas, ligadas a um mundo solipsista, de indivíduos sem rumo vivendo em cidades opressivas.
Escritores como Gabriel Garcia Márquez sopraram nas brasas do romance e deram um novo fôlego para a narrativa ocidental, enquanto narravam as mazelas do continente americano, contando as histórias locais que estavam soterradas, que nunca tinham encontrado voz literária, porque se tratava de imaginário muito ligado ao mundo indígena, de gente miserável que não se tinha integrado à cidade moderna.
Há características que aproximam a obra ‘Cem anos de solidão’ de sagas como ‘O tempo e o vento’, de Erico Veríssimo. Há, em primeiro plano, uma multiplicidade de personagens, cujas histórias são contadas por várias gerações.
Sob esse ponto de vista, pode-se fazer uma aproximação entre o fato de García Márquez compor a cidade de Cem anos de solidão, Macondo (que já havia aparecido, por exemplo, na obra O enterro do diabo), com características da cidade onde nasceu, Aracataca, assim como em O tempo e o vento pode-se estabelecer uma ligação entre Santa Fé e Cruz Alta.
Essas questões têm bastante relação. Um escritor e roteirista brasileiro chamado Doc Comparato relata que García Márquez conheceu O tempo e o vento e admirou muito o modo como Erico Verissimo tinha equacionado o relato das várias gerações e tempos.
Ele teria afirmado que depois da leitura do clássico de Erico é que ele teria encontrado o caminho para escrever Cem anos. Quanto ao aspecto biográfico, seguramente há algo de depoimento verdadeiro nas cidades imaginadas pelos dois grandes narradores.
O livro Cem anos de solidão é como uma saga familiar profundamente histórica que dá notícia interna do funcionamento da opressão e do funcionamento do choque radical entre um mundo que funciona pela lógica pré-mercantil e outro em que essa regra já está no comando, tudo isso contado com maestria, misto de lirismo, caráter épico e humor.
Ponto de vista
‘Cem anos de solidão’ é um livro sedutor pelo enredo, com várias gerações se sucedendo. É um romance com sopro épico. A obra dá notícia de um mundo fenecido, um mundo soterrado pela modernização das relações de mercado, mundo que no romance aparece na forma de uma consciência irracional, ou pré-racional, presente em grande parte dos personagens.
Cem anos de solidão contribuiu para modificar a visão que o restante do mundo tinha da América Latina. Ele fez parte do "boom" dos anos 1960 e 1970, quando grandes escritores latino-americanos, particularmente hispano-americanos, entraram em circulação na Europa e nos Estados Unidos, algumas vezes em tradução para o francês e o inglês.
Foi uma revelação para os europeus cansados de narrativas pálidas, autocentradas, ligadas a um mundo solipsista, de indivíduos sem rumo vivendo em cidades opressivas.
Escritores como Gabriel Garcia Márquez sopraram nas brasas do romance e deram um novo fôlego para a narrativa ocidental, enquanto narravam as mazelas do continente americano, contando as histórias locais que estavam soterradas, que nunca tinham encontrado voz literária, porque se tratava de imaginário muito ligado ao mundo indígena, de gente miserável que não se tinha integrado à cidade moderna.
Há características que aproximam a obra ‘Cem anos de solidão’ de sagas como ‘O tempo e o vento’, de Erico Veríssimo. Há, em primeiro plano, uma multiplicidade de personagens, cujas histórias são contadas por várias gerações.
Sob esse ponto de vista, pode-se fazer uma aproximação entre o fato de García Márquez compor a cidade de Cem anos de solidão, Macondo (que já havia aparecido, por exemplo, na obra O enterro do diabo), com características da cidade onde nasceu, Aracataca, assim como em O tempo e o vento pode-se estabelecer uma ligação entre Santa Fé e Cruz Alta.
Essas questões têm bastante relação. Um escritor e roteirista brasileiro chamado Doc Comparato relata que García Márquez conheceu O tempo e o vento e admirou muito o modo como Erico Verissimo tinha equacionado o relato das várias gerações e tempos.
Ele teria afirmado que depois da leitura do clássico de Erico é que ele teria encontrado o caminho para escrever Cem anos. Quanto ao aspecto biográfico, seguramente há algo de depoimento verdadeiro nas cidades imaginadas pelos dois grandes narradores.
O livro Cem anos de solidão é como uma saga familiar profundamente histórica que dá notícia interna do funcionamento da opressão e do funcionamento do choque radical entre um mundo que funciona pela lógica pré-mercantil e outro em que essa regra já está no comando, tudo isso contado com maestria, misto de lirismo, caráter épico e humor.