domingo, 31 de dezembro de 2017

A onda de suicídios na Polícia Federal

Por Antonio Carlos Lua

Sonho de ascensão profissional de muitos jovens e referência nacional no combate à corrupção e ao crime organizado e elite de uma categoria cada vez mais imprescindível para a sociedade, a Polícia Federal possui um lado sombrio. 

Nos últimos 11 anos foram registrados 51 casos de suicídio entre policiais federais. Somente nos últimos três anos, 20 membros da corporação usaram a arma de trabalho para tirar a própria vida.

Esses dados, porém, estão subestimados, uma vez que casos de suicídios ocorrem também em operações quando os agentes 'buscam a bala' do inimigo. Na estatística, o registro de ocorrência indica ‘morte em ação’, mas se sabe que ali existiu um impulso suicida. 

A Polícia Federal é o serviço público onde mais ocorrem suicídios.O cenário de pressão excessiva e ambiente de trabalho sem boas perspectivas de melhoria na atividade profissional é a principal causa dos suicídios na PF, que mesmo exigindo nível superior, não reestruturou a carreira, diante de atribuições complexas.

Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) mostra que por trás do colete preto, do distintivo, dos óculos escuros e da mística que transformou a PF no ícone de polícia de elite existe um quatro grave e preocupante.

Depressão e síndrome do pânico são doenças que atingem um em cada cinco dos 11.817 agentes da Polícia Federal, que se submetem a um regime de trabalho militarizado, sem que tenham treinamento militar para isso.

Relatos de entidades sindicais representativas da categoria atribuem os suicídios a assédios morais e pressões constantes por produtividade por parte de superiores hierárquicos. 

Essas ocorrências – aliadas a fatores genéticos, à formação de agentes, à falta de perspectivas profissionais – são tratadas por especialistas como desencadeadoras dos distúrbios mentais, geralmente invisíveis na estrutura da Polícia Federal.

Uma das causas seria também a forma como a estrutura da PF está montada, causando sofrimento patológico em agentes, havendo dificuldades para enfrentar a organização hierárquica do trabalho, além de sentimentos de desgaste, inutilidade e falta de reconhecimento.

Ainda que seja errado apontar para responsabilidades individuais, a tragédia na Polícia Federal chegou a um nível muito grande, o que cobra uma resposta de cada parcela do Estado brasileiro que convive com esse drama.


Fruto de uma especial combinação de fatores negativos – internos e externos – o suicídio nunca foi uma tragédia de fácil explicação para a área médica nem para estudiosos da vida social.

O sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo francês, Émile Durkheim (1858-1917) demonstrou que o suicídio é a expressão mais grave de fracasso de uma comunidade e que raramente pode ser explicado por uma razão única. 

domingo, 24 de dezembro de 2017

O tendão de Aquiles do Direito Digital


Por Antonio Carlos Lua

A privacidade e a proteção de dados na Internet – que quando violados podem gerar responsabilidade civil e criminal para os autores – é hoje o tendão de Aquiles do Direito Digital, com os novos desafios que colocam em cheque o tradicionalismo do Direito frente aos avanços galopantes da tecnologia.

Como não existem fronteiras com relação aos assuntos relacionados ao Direito Digital, é necessário aprofundar a discussão sobre privacidade e Internet com foco no cenário atual da sociedade tecnológica.

O ponto central da questão é como viabilizar a operacionalização de um Direito eficaz no tempo e na garantia da privacidade sem limitar o avanço da tecnologia digital.

O cenário aponta que os operadores do Direito contemporâneos têm nas mãos um infinito de oportunidades advindas da tecnologia, mas também um infinito de desafios a serem enfrentados no presente e no futuro, diante da necessidade premente de conscientização dos riscos e oportunidades da vida digital.

E por isso que nos Estados Unidos e na Europa a educação digital já faz parte do currículo de aprendizado básico, com uma autoridade reguladora. Esse é o caminho que precisa ser traçado no Brasil, para que não fiquemos a reboque no bom aproveitamento das tecnologias.

O mundo virtual está tão umbilicalmente presente em nossas vidas que já não conseguimos nos imaginar sem ele. Somos dependentes dele e nele temos que saber nos conduzir com segurança.

Como a maioria da população não percebe as implicações que o simples ato de estar conectado à Internet pode representar, é recomendável que os internautas tenham consciência de que seus atos podem gerar consequências.

Além das leis já existentes no nosso ordenamento jurídico, muitas normas foram aprovadas nos últimos anos com o intuito de modernizar e adaptar a nossa legislação ao mundo digital.

Para dar diretriz aos diversos assuntos relacionados à Rede Mundial de Computadores, foi aprovada, em abril de 2014 – a Lei do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) –, que estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet, representando, em diversos pontos, um avanço ao ordenamento jurídico.

A regra que rege o mundo virtual é o da liberdade de expressão. No entanto, o direito à privacidade também deve ser respeitado por não existir no ordenamento jurídico um princípio superior ao outro. 

Havendo conflito entre eles, a questão deverá ser resolvida levando-se em conta o princípio da dignidade da pessoa humana e o da proporcionalidade.

Como na Internet as informações se multiplicam rapidamente, a observância ao direito à privacidade deverá ser maior. Assim, se um internauta se sentir lesado, poderá responsabilizar juridicamente o seu ofensor e ser indenizado por isso.

Infelizmente, o relato de práticas de ilícitos cometidos pela Internet tem se tornado comum. Isso ocorre porque muitos internautas acreditam que não serão punidos. 

Acham que por não estarem frente a frente fisicamente com a sua vítima, não poderão ser identificados. Esse fato, porém, é equivocado, visto que a maioria dos internautas podem hoje ser facilmente identificados e punidos com base na legislação existente.

Na esfera criminal, temos a Lei 12.737/2012, que ficou nacionalmente conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, que tipificou alguns crimes informáticos, como a invasão de dispositivos eletrônicos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) também contribuiu positivamente ao aprimorar, em seu artigo 241-A (Lei 11.829/2008), o crime de pedofilia infantil pela internet.

Verifica-se, portanto, que a Internet não é um território sem leis. Porém, resta um questionamento: será que as leis brasileiras conseguirão acompanhar a rapidez com que a Internet se revela de forma a garantir a sua eficácia na aplicação do caso concreto?

O recente caso envolvendo o Whatsapp que, por ter descumprido uma determinação judicial teve os seus serviços bloqueados por 48 horas, demonstra o quão sensível e delicado é o cenário digital atual.

domingo, 17 de dezembro de 2017

Os ‘ciborgues’ nas eleições


Por Antonio Carlos Lua

Um exército virtual de perfis falsos com fotos roubadas, nomes e cotidianos inventados poderão influenciar ativamente o debate político durante o processo eleitoral de 2018 com o chamado 'comportamento de manada', que permite a manipulação da opinião pública pelos chamados ‘ciborgues’.

‘Os ‘ciborgues’ representam uma evolução tecnológica dos robôs, sendo uma mistura entre pessoas reais e ‘máquinas’, dotados de partes orgânicas e cibernéticas, com rastros de atividades mais difíceis de serem detectados no universo virtual devido ao comportamento mais parecido com o de seres humanos.

Estudos da British Broadcasting Corporation (BBC) e do Oxford Internet Institute, da Universidade de Oxford, da Inglaterra, apontam que a estratégia de manipulação dos ‘ciborgues’ junto à opinião pública nas redes sociais é similar à usada pelos russos nas eleições americanas para favorecer Donald Trump.

Essa mesma estratégia foi usada também nas eleições gerais de 2014, no Brasil, embora não se saiba, com precisão, se chegou, de fato, a ter algum efeito decisivo no pleito. O que se sabe é que a prática vai ser bastante explorada nas eleições de 2018 que, ao que tudo indica, serão muito polarizadas.

Os ‘ciborgues’ geram cortinas de fumaça nas redes sociais, orientando discussões para determinados temas conjunturais, atacando adversários políticos e criando rumores, com clima de 'já ganhou' ou 'já perdeu'.

Eles exploram o "comportamento de manada", coordenando campanhas de ódio e desinformação tanto no Brasil como em vários países do mundo. O robô faz a parte automática e uma pessoa real cria ‘tweets’ (publicações feitas na rede social do Twitter), para confundir os algoritmos. É um jeito de se esconder uma conta, e ao mesmo tempo criar uma outra muito mais inteligente.

O Facebook prometeu sistemas de checagem de fatos e o Twitter continua perseguindo contas falsas, mas deter a manipulação dos algoritmos parece um objetivo distante. É uma disputa de gato e rato. As pessoas criam técnicas para manipular os algoritmos e os programadores criam novos algoritmos num ciclo infinito.

Se a interferência de contas falsas em discussões políticas nas redes sociais já representava um perigo para os sistemas democráticos, sua sofisticação e maior semelhança com pessoas reais têm agravado o problema pelo mundo.

O uso dos ‘ciborgues’ revela um desafio para uma futura legislação. A dificuldade de identificar e rastrear o uso de robôs nas redes sociais torna quase impossível a proibição e a punição.

Os ‘ciborgues’ evoluem muito rapidamente. Está cada vez mais difícil e complexo diferenciar conteúdo produzido por uma pessoa real ou uma máquina. Os robôs mais modernos funcionam automaticamente. Os menos evoluídos agem sempre sob o comando de alguém.

Sendo assim, as eleições não podem ser mais reguladas só no aspecto físico das campanhas, sem considerar o mundo virtual, uma vez que o mau uso das redes sociais pode distorcer a democracia e os resultados de uma eleição.

Para alcançar seus objetivos, os ‘ciborgues’ garantem uma quantidade de posts superior ao do público que geralmente apresenta contraposições políticas aos argumentos trazidos nas notícias falsas.

Para isso, estimulam pessoas reais e militâncias políticas a encamparem suas opiniões, criando uma noção de maioria, se constituindo, assim, um perigo para a democracia, que só funciona bem quando há informação correta circulando nas redes sociais.

Há evidências relevantes de que os ‘ciborgues’ são usados em eventos políticos como eleições para silenciar oponentes e impulsionar mensagens em plataformas como Twitter e Facebook.

Perfis falsos criam "reputação" e parecem ser legítimos adicionando pessoas aleatórias com o objetivo de colecionar amigos reais. Ao confundir e envenenar o debate político on-line, os robôs ameaçam a democracia e fortalecem a mão de Estados autoritários.

Pessoas reais chegam a dar parabéns aos ‘ciborgues’ em aniversários e fazem comentários elogiosos a fotos de perfil, ajudando a criar a sensação de que são verdadeiros. É desta forma que, inadvertidamente, usuários reais contribuem para a criação de "reputação".

Os perfis falsos interagem entre si. Quando um ‘ciborgue’ é "desmascarado" por algum usuário das redes sociais ou desativado pelas plataformas tecnológicas, logo surge outro para substituí-lo, vindo de um grande banco de perfis falsos mais sofisticado.

Os perfis falsos representam uma crescente preocupação no mundo ao lado das ‘Fake News’ (notícias falsas), facilmente compartilhadas nas redes sociais. Nos Estados Unidos, os resultados das análises quantitativas confirmam que os ‘ciborgues’ alcançaram posições de influência mensurável durante a eleição presidencial, em 2016, no ferrenho embate entre Hillary Clinton e Donald Trump.

Tanto na campanha derrotada de Hillary Clinton como na de Donald Trump, foram usadas contas automáticas no Twitter, mas a rede democrata tinha apenas um quinto da atividade da republicana. Na Rússia, cerca de 45% da atividade no Twitter é controlada por contas automáticas controladas por campanhas de desinformação.

Especialistas alertam que deve haver maior transparência e regulação nas plataformas como o Facebook, que deve começar a agir como se fosse um Estado, já que virou a nova esfera pública onde acontecem discussões e interações entre as pessoas.

Ou seja, a plataforma deve começar a se autorregular, se não quiser ser regulada pelos Estados, um cenário também não livre de polêmicas, tendo em vista a ameaça à liberdade de expressão.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Uma questão de justiça

Por Antonio Carlos Lua

A falta de sensibilidade dos grandes empresários de comunicação que, com uma visão obscurantista do Jornalismo, apostaram nas políticas desregulamentadoras neoliberais, gera hoje efeitos perversos nas já vilipendiadas prerrogativas dos jornalistas profissionais.

A evolução das mídias exige jornalistas qualificados e a desregulamentação da profissão beneficia apenas aqueles que buscam a fama da bazófia e querem fazer do Jornalismo uma atividade inútil e sem relevância, engessando a informação. De lead por lead, o Jornalismo não vai a lugar nenhum e castiga os leitores e a sociedade.

A crise e o declínio de grandes jornais com tradição na imprensa são reflexos do Jornalismo hipertélico. Com mais produtores do que consumidores, ele ultrapassa os seus próprios fins, perde a capacidade de autocrítica e reduz o Jornalismo a uma encenação de pluralismos.

Restabelecer a ordem jurídica na profissão e exigir formação acadêmica para o desenvolvimento de uma atividade profissional importante como o Jornalismo é uma questão de justiça e não significa cercear a liberdade de expressão de alguém, como alegam os proprietários de grandes complexos de comunicação no Brasil.

É razoável exigir que exerçam o Jornalismo apenas profissionais graduados, preparados para os desafios de uma atividade tão sensível e fundamental, que repercute diretamente na vida do cidadão. Sem isso, a sociedade deixa de contar com uma salvaguarda mínima.

Jornalistas profissionais têm uma visão particular da função que exercem, tendo uma deontologia própria para circunscrever os limites de sua atuação no campo social do trabalho.

Não é uma questão só de talento. É uma questão de rigor, de critérios, de vontade, de vocação, habilidade de escrita, agilidade no raciocínio, formação crítica e disciplinamento ético. Desenvolver uma atividade complexa e dinâmica como o Jornalismo depende muito da formação técnica de quem a exerce.

O mundo muda constantemente, as sociedades tornam-se mais complexas, o trabalho passa a ser dividido cada vez mais e certos conhecimentos se desenvolveram de tal forma que se constituem hoje terrenos próprios do saber.

Portanto, escrever um texto jornalístico é atividade exclusiva do jornalista. Da mesma forma, fazer petições, preparar uma defesa ou representar um cliente nas barras de um tribunal são funções de um advogado.

Assim como outras profissões, o Jornalismo tem o seu valor social e é fundamental para a construção da cidadania, até porque a sociedade se sente representada e assistida pelos jornalistas, que denunciam os males presentes na vida política do país, revelando as práticas daqueles que ainda alimentam hábitos enraizados na inversão dos meios e do fim da coisa pública.

Sem profissionais que cumpram a sua relevante função social de produzir cultura respeitando normas, valores e princípios focados nos interesses da sociedade, o Jornalismo tende a retroceder.

Jornalismo de verdade se faz optando pela informação de qualidade e assumindo efetivamente a agenda do cidadão, separando a notícia do lixo declaratório. O centro do debate tem que ser sempre o cidadão, permitindo à sociedade uma análise dos eventuais descompassos nas questões sociais, políticas, econômicas e culturais.

Jornalismo de registro, pobre e simplificador não interessa à população, pois ele oculta a verdadeira dimensão dos fatos e beneficia os “plantadores de notícias” que agem em defesa de interesses escusos.

Como agentes de comunicação, os jornalistas têm responsabilidades profissionais maiores e, para exercer a profissão, prescindem de formação congruente com o papel que assumem no mundo do trabalho.

O Jornalismo exige uma entrega total, passando sempre pelo manejo criativo e respeitoso da língua. A língua, por sinal, é o registro do mundo do jornalista e o seu elo com os leitores e a sociedade. Quem não vive a palpitação sobrenatural da notícia não pode ser jornalista.