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domingo, 30 de dezembro de 2018

O futuro do jornal impresso


Antonio Carlos Lua

As potencialidades da plataforma digital e a fúria arrebatadora da Internet impulsionaram o frenético fluxo de informações, levando alguns profetas contemporâneos do Apocalipse midiático a fazer prognósticos nada positivos quanto à sobrevivência dos jornais impressos no universo da imprensa, apontando o seu desaparecimento em, no máximo, dez anos. 

A afirmação baseia-se no contexto atual dos Estados Unidos, onde o ‘The Wall Street Journal’ foi vendido, o ‘The New York Times’ reduzido no seu formato, o poderoso grupo ‘Tribune’ vivendo um doloroso processo de haraquiri corporativo, tendo ainda, na Inglaterra, o fim da edição impressa do ‘The Independent’, o primeiro jornal britânico a ser publicado apenas em versão digital. 

São antigos os rumores sobre a possível extinção do jornal impresso. Antes da Internet se popularizar no Brasil, a partir de 1994, o meio impresso era um forte páreo à TV e ao rádio, aos quais, inclusive, precedeu com competência reconhecida. 

No Brasil, pesquisas indicam que a Internet, a Televisão e o Rádio são os veículos predominantes de comunicação, mas o jornal impresso continua sendo o meio mais confiável. O foco é o conteúdo e não a plataforma, embora isso não signifique dizer que a publicação impressa é um atestado de veracidade e imparcialidade da notícia. 

Porém, há de se reconhecer que há uma tendência confirmada em estudos recentes de que o leitor acredita muito mais no que lê num veículo impresso do que aquilo que recebe pela Internet, ainda que o autor da informação seja a mesma empresa de comunicação nas duas mídias. O placar é cruel: 52% contra 27%.

No Brasil, 15% da população compra jornais todos os dias. Metade dos brasileiros usa a Internet, mas só 10% faz a leitura de jornais digitais. Ou seja, a qualidade jornalística do veículo impresso continua sendo o atributo decisivo da sua sobrevivência. 

Mesmo já inseridos no contexto digital, leitores ainda prezam pelas manchetes estampadas, o folhear das páginas, as informações que se misturam ao cheiro do café da manhã de uma geração acostumada a apalpar a notícia com atenção. As pessoas sempre necessitarão ler algo no papel, tanto faz se ele for o atual ou o provável papel eletrônico do futuro. 

Na verdade, o desafio que o jornal impresso enfrenta é o de se reinventar mais uma vez em relação a sua inserção no processo de comunicação, percebendo as mudanças no contexto informativo e adaptando-se a elas com rapidez. 

Ao longo da história, não se tem notícia de que alguma mídia importante tenha suplantado a outra. Ao contrário, as mídias estão sempre se reinventando e assimilando novos métodos para manterem-se ativas e influentes, aprendendo uma com a outra, combinando-se e tirando proveito do melhor que cada uma tem a oferecer. 

O Rádio, por exemplo, teve a sua morte anunciada quando surgiu a televisão, mas, ao contrário, ele se reinventou e atua hoje com o dinamismo de sempre, inclusive com imagem, criando raízes de fidelidade que permanecem por gerações e gerações. 

A mídia impressa está incorporada à nossa cultura e jamais será sufocada pelas novas tecnologias. Os jornais nunca deixarão de existir, embora precisem passar por um radical processo de adaptação e renovação do modelo de impressão, distribuição e logística, para baratear a planilha de custos.

No aspecto editorial, há a imperativa necessidade dos jornais impressos concentrarem sua atenção na produção de reportagens aprofundadas e na análise sistemática das notícias. 

É necessário investir em colunistas com opiniões qualificadas e bem elaboradas sobre os diferentes fatos, livres de estigmas e de funis de pensamento, criando-se, também, ferramentas de interação com o leitor, para que ele analise criticamente a notícia. 

A publicação impressa voltada para o Jornalismo não tem fim. A TV oferece estímulos precisos através de áudio, imagem e movimento. O rádio instiga a imaginação. O jornal impresso narra. Nele, não há uma comunicação instantânea como na TV e no rádio, mas há a possibilidade da interpretação particular, reforçando a relevância do seu conteúdo para a sociedade.

Embora, no momento, asfixiados economicamente, os jornais impressos não acabarão e continuarão buscando a informação rigorosa e honesta sobre o que acontece nas ruas, descrevendo o que existe, averiguando o que acontece, apalpando o sofrimento da sociedade, remexendo consciências, dando valor agregado à notícia. 

Pode parecer romantismo, mas, assim como o advento da música moderna não acabou com a ópera, a receita clássica do jornalismo impresso jamais será superada pelas novas ferramentas de comunicação digital.

domingo, 23 de dezembro de 2018

O jornalismo de imersão do escritor Euclides da Cunha


Antonio Carlos Lua

Há 109 anos morria o escritor e jornalista Euclides da Cunha, primeiro repórter a escrever, no Brasil, um livro-reportagem – a obra clássica “Os Sertões” – sobre a Guerra de Canudos, confronto entre um movimento popular de fundo sociorreligioso, liderado por Antônio Conselheiro, e o Exército da República, que durou de 1896 a 1897, sendo o fato jornalístico mais importante da época.

Saber o que significou exatamente a Guerra de Canudos e a observação da imprensa sobre o acontecimento é importante para compreender a função do repórter Euclides da Cunha, enviado pelo jornal ‘O Estado de S.Paulo’, para fazer a cobertura jornalística do que viria a ser a derrocada de Canudos. 

Euclides da Cunha viveu intensamente o contexto da guerra como repórter e como analista social, narrando a vida de um povo negligenciado pela metrópole, sofrendo diretamente as consequências do que o Brasil tinha – e, infelizmente ainda tem até hoje – de profundamente colonial, revelando um conjunto de práticas que constituem hoje preocupações do jornalismo contemporâneo.

Foi o primeiro escritor brasileiro a unir o jornalismo com a literatura e com a história, na série de reportagens enviada para o jornal ‘O Estado de S.Paulo’, relatando a campanha que exterminou a revolta dos jagunços aquartelados dentro de um mísero arraial nas paragens do fundão nordestino. 

Em parte escorado na ciência do Século XIX e por outra parte manejando sua prodigiosa capacidade de observação, Euclides da Cunha oferecia nas suas reportagens uma leitura dialética da formação brasileira: as cidades do litoral em confronto ao sertão arcaico, o exército blindado, mas impotente diante da guerrilha armada pelo sertanejo, o desastre de Canudos rasgando uma fenda intransponível entre civilização e barbárie. 

O resultado das reportagens de Euclides da Cunha na Guerra de Canudos – que inclui uma complexa investigação – mudou totalmente a maneira de ver o Brasil, constituindo o precedente incontornável de abordagens sociológicas, tocando um nervo exposto e sempre latejante da história humana. 

Sua paixão pela verdade o ajudou a transpor para as páginas do jornal ‘O Estado de S.Paulo’ as mazelas a que jamais ficou insensível. Devotamente, Euclides da Cunha foi o precursor de uma interpretação do Brasil fundada no conhecimento direto e exato da verdadeira situação do homem e da terra.

Sua viagem ao sertão baiano para contar jornalisticamente a história da Guerra de Canudos modificou até mesmo a forma de se fazer jornalismo no Brasil. 

Ao contrário dos outros jornalistas que atuavam na zona de conflito, Euclides da Cunha quis – além de narrar os fatos com precisão – compreender o que se passava naquele pedaço do Brasil. Isso incluía desvendar o ambiente, o clima e principalmente se envolver com pessoas. 

Essa postura de entrega, somada a seu texto rico e consistente, foi responsável pelo pioneirismo do chamado Jornalismo Literário no Brasil. Três características presentes no livro-reportagem “Os Sertõs” definem Euclides como um jornalista literário. A primeira delas foi o mergulho na realidade do conflito, a chamada imersão. A segunda foi a sua visão do mundo.

Culto e politizado, Euclides entendeu que o problema com o qual se deparava – e que era a sua pauta jornalística – não era simplesmente uma coincidência de fatos. Havia, em Canudos, um contexto histórico, humano e geográfico e ele queria compreender textualmente aquela realidade dramática. 

Nenhum outro escritor deixou marcas tão fortes quanto Euclides da Cunha, pelo testemunho que trouxe, mesmo a Guerra de Canudos não sendo a única na nossa história, embora ela simbolize todas as outras rebeliões reprimidas na ponta da espada no Brasil. 

Obra rica, “Os Sertões” quebra a cabeça de bibliotecários. É encontrado nas seções “geografia”, “romance”, podendo, também, ser classificado como uma grande reportagem, mostrando que Euclides da Cunha cumpriu um papel decisivo ao demonstrar que é possível praticar a literatura da realidade de maneira competente sem recorrer apenas a recursos de ficção.

O livro “Os Sertões”, traduzido para várias línguas, influenciou grandes escritores brasileiros, como Guimarães Rosa, e autores como o peruano Mario Vargas Llosa (A guerra do fim do mundo-1981); e o húngaro Sandor Marai (Veredicto em Canudos-2002). 

Além de marcar o jornalismo literário no Brasil, “Os Sertões” tornou-se a obra autêntica, mostrando que, na verdade, o jornalismo sempre esteve ligado, se não à literatura, aos literatos. Escritores como Daniel Defoe, Charles Dickens e Jack London estão entre os muitos que são citados tanto no campo da ficção quanto na história do jornalismo.

Na tradição americana, esse tipo híbrido de narrativa tem várias denominações: jornalismo literário, literatura de não-ficção, ensaio, jornalismo de autor, novo jornalismo. Os especialistas exigem alguns requisitos para que uma obra possa ser classificada como pertencente ao Jornalismo Literário. 

Ela precisa estar ancorada em fatos. Sua matéria-prima é o trabalho de grande apuração: muitas entrevistas, muito bate-pé de repórter, pesquisa em arquivos, exaustiva investigação de fatos, levantamento de dados. Essa técnica é chamada de “reportagem de imersão”. 

Os representantes do novo jornalismo fizeram dela um de seus dogmas, a tal ponto que George Plimpton treinou em times profissionais de beisebol e de futebol americano e lutou com um ex-campeão peso-pesado para se sentir qualificado a escrever sobre esportes. 

No momento em que o jornalismo, por força das mudanças acentuadas da vida contemporânea, encontra-se em fase de redefinição, uma volta aos clássicos do jornalismo literário pode ser útil para se desenhar alguns modelos, principalmente para aqueles que acreditam que o futuro dos jornais e das revistas de papel está na diferenciação pela qualidade, não só da informação e da análise, mas também do texto.

sábado, 15 de dezembro de 2018

Andrea Pasin: um missionário em busca da verdade

Um périplo pelos quatro continentes para ajudar os excluídos e as vítimas diretas da desigualdade social se tornou uma missão para o italiano Andrea Pasin, autor do livro ‘Venha comigo’, que retrata a realidade social cruel de países da América Latina, em especial o Brasil. 

Mestre de Taekwondo, escritor, Andrea Pasin vive em constante itinerância, buscando a verdade, não a verdade dos palacetes e da riqueza, mas a verdade das ruas, das favelas, onde crianças, mulheres e idosos passam fome e não sabem o que é cidadania.

Para cumprir sua missão, Andrea Pasin decidiu tirar um tempo para si mesmo e, decididamente, subiu com sua mochila em um avião certo de que a viagem não teria um roteiro definido e nem uma programação sobre o que poderia acontecer, pois a verdade a ser encontrada poderia estar em qualquer lugar onde ele resolvesse fazer sua imersão social em prol da dignidade das pessoas..

Depois de viver com os pobres nas ruas em São Paulo e em fazendas brasileiras onde afloram os conflitos pela posse da terra, Andrea Pasin está agora na cidade de São Luís, ajudando os mais pobres, que precisam ecoar sua voz por mais respeito, mais atenção das autoridades, mais saúde, mais educação e mais implementação de políticas públicas para que todos tenham o respeito e a dignidade humana garantidas pelos princípios elencados na Constituição Federal.

Determinado em sua desafiadora missão, Andrea Pasin já passou pelos quatro continentes tentando capturar a profunda verdade de cada país, de cada cidade, de cada  comunidade, numa experiência humana valiosa.

Ele fala cinco idiomas. Há onze anos mora entre a Itália e o Brasil, sendo voluntário nas missões em São Luís, onde fundou o projeto "Albaredo", que, além de ajuda prática, oferece o ensino de artes marciais em bairros humildes, como método de educação e desenvolvimento psicossocial.

“Cheguei na primeira missão com os frades em 2007 no bairro Coroadinho. Imediatamente me apaixonei por São Luís e seus habitantes acolhedores. Depois da primeira viagem à capital maranhense retornei por onze vezes. Fico vários meses na cidade, todos os anos”, explica Andrea Pasin, que é responsável pela captação de recursos, tanto econômicos como materiais para os bairros pobres, como Alto do Pinho, Pão de Açucar, Vila Luizão, Pirâmide, Divinéia, Coroadinho, entre outros. 

O missionário também ensino o Taekwondo itf e é o único professor do Maranhão dessa arte marcial, que desenvolve o equilíbrio e o método social. 

O projeto de Andrea Pasin é formar professores que possam treinar e educar os pobres e excluídos, eliminando qualquer forma de violência, uso de armas ou qualquer comportamento que represente desrespeito aos direitos humanos.

“É um projeto que necessita de investimentos para o  financiamento de treinamento de professores encarregados de expandir a educação em artes marciais”, ressalta  Andrea Pasin.

Ele afirma que o projeto já está em desenvolvimento, trazendo excelentes resultados, deixando as comunidades pobres bastante confiantes com o sucesso da iniciativa.

“Já temos excelentes e maravilhosos resultados, mas precisamos de investimentos para treinar e pagar os professores que necessitam manter suas famílias”, afirmou Andrea Pasin.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Inteligência artificial no Direito: uma realidade a ser desbravada

Antonio Carlos Lua

Os investimentos com inteligência artificial para potencializar a capacidade humana no Direito no Brasil chegarão a US$ 47 bilhões, em 2020, prometendo mudar a prática jurídica de forma irreversível, rompendo com o tradicionalismo no campo jurídico.

O conjunto de inovações tecnológicas e a implantação de sistemas prepara o alicerce para um salto ainda maior com a informática jurídica de decisão, que pode ser viabilizada com a utilização de inteligência artificial.

A realidade faz ver que já convivemos com a inteligência artificial, que apenas iniciou seus primeiros passos com algoritmos altamente inteligentes com suporte racional suficiente para resolver os mais intrincados problemas que o ser humano demandaria muito tempo para equacioná-los.

É importante frisar, no entanto, que por mais sofisticadas e inteligentes que sejam, robôs não poderão jamais substituir o homem nas atividades criativas, embora o avanço incansável na área da inteligência artificial, que cada vez amplia mais as interrogações a respeito de suas fronteiras, venha causando certa inquietação à humanidade. 

Pelo que se anuncia, em pouco tempo o corpo humano será dotado de sensores para, numa rápida leitura biométrica, fornecer informações a respeito de todos os estímulos, emoções, sensações que passam no interior da pessoa, fazendo revelações até mesmo desconhecidas pelo próprio ser humano. 

Sem falar dos carros autônomos que transitarão pelas ruas sem a convencional figura do motorista; os drones que riscarão os céus para se incumbirem de entregas de produtos; e os robôs que substituirão os serviçais. 

Sem cogitar, ainda, da criação da memória afetiva para a máquina, que passa a ser programada para uma superinteligência artificial e, a partir daí, disputar espaços com seu criador, destronando-o com facilidade, vindo a assumir o controle do universo. 

Isso nos faz lembrar a peça do teatrólogo checo Karel Tchápek, “A Fábrica de Robôs”, escrita em 1920, em que os robôs criados com a finalidade de executar todas as funções de uma indústria, após atingirem altíssimo índice de produtividade, revoltaram-se e destruíram o sistema. Com traços humanoides, eles assumiram a linha de frente e extinguiram a sociedade que os projetou, considerando-a sem importância.

Uma vez que o Direito tem por finalidade estabelecer regras a respeito não só do comportamento social, idealizando-o como um espaço harmônico de convivência, mas também de regulamentar as relações sociais e comerciais entre pessoas e Estado, as novas leis devem ter um escopo mais realista com os dispositivos relacionados com a inteligência artificial para que os operadores do Direito possam desenvolver uma distribuição da justiça mais condizente com a nova era que se apresenta.

Apesar dessa reflexão parecer distante, sugere-se a formatação de raciocínios jurídicos diferentes e, principalmente, coadjuvados por algoritmos de última geração, visando encontrar uma solução que seja adequada para a correta avaliação do fato novo. Os tempos mudam e os homens com eles. O Direito, obrigatoriamente, segue com ambos.