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sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Crônica do Natal

Antonio Carlos Lua

Embora assumindo significados diferentes para os cristãos e para os não cristãos, o Natal – cuja origem se perde na Antiguidade – nos mostra que a fé é uma convicção de que a morte e o mal não são a última palavra.

É neste contexto que é mencionada uma fuga ao Egito levando à imaginação de um Deus criança, um Deus que busca a salvação na simplicidade, na interdependência e no esvaziamento de si em favor do outro. 

O Deus criança, portanto, deve ser lembrado pelo serviço amoroso e gratuito ao próximo, diferentemente da visão daqueles que estão, indubitavelmente, mais próximos de Herodes do que de Jesus, sendo cúmplices do massacre de crianças em nosso tempo. 

Infelizmente, no Natal não há apenas a figura do Divino Infante, Jesus, de Maria e de José, da estrela, dos anjos, dos pastores e dos reis magos. Há também a figura de Herodes, com a sua crueldade. 

Narra o Evangelho de Mateus que, temendo que Jesus quando adulto poderia arrebatar-lhe o poder, Herodes mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus territórios que tivessem menos de dois anos. Ele era tão cruel que mandou eliminar também toda a sua família. 

Esse bárbaro exemplo de violência contra as crianças não ficou no passado. Nos dias atuais, o poder dominante dos poderosos, tornado sistema, comete as piores  injustiças e mantém os algozes de crianças protegidos no anonimato. 

Mais que isso, as novas divindades, os reis de cada tempo se incomodam com a singeleza das crianças e as massacram implacavelmente. Hoje, especialmente no Brasil, vivemos sob vários Herodes, que pregam ódio, discriminação e eliminação de crianças, de indígenas, de jovens negros. 

Como não enxergar o Deus criança nos corpos assassinados de tantos meninos e meninas cujas vidas não valem nada para os novos verdugos, os novos imperadores? 

Assim como o sangue de Abel – assassinado por seu irmão Caim – o sangue das crianças também grita da terra e coloca em xeque nossa ética, nossa política. 

Onde está o enfrentamento às injustiças? Há quem celebre o Natal ignorando que Deus se faz criança a cada dia nesses mais pequeninos e que o reino dos céus é das crianças?

Resta-nos esperança? Sim, esperança. Mas, porém, não a confundamos com expectativa. A expectativa é passiva. A esperança é ativa. O essencial, sem dúvida, é Jesus Cristo. É seu Natal que celebramos. Saibamos, pois, distinguir o que é verdadeiro e o que é fútil na forma que o Natal é comemorado. 

Para isso, inspiremo-nos na exortação do apóstolo Paulo: “Não vos conformeis com as estruturas deste mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e julgar, para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, a saber, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito”.

O Natal, no seu sentido mais profundo, quer dizer que Deus está definitivamente ligado ao destino humano. E que nós, humanos, pertencemos a Deus a ponto de fazer-se um de nós, nutrindo a firme esperança de que nossa vida está garantida para sempre. 

É atribuída a Camões a frase “procelosa tempestade e soturna noite e sibilante vento”, mas o fim é bom. Ainda na expressão de Camões, “há serena claridade, esperança de porto e salvamento”. O Natal realiza esta promessa.

sábado, 19 de dezembro de 2020

Beethoven: gênio da música universal

Antonio Carlos Lua

No ano em que é celebrado o 250º aniversário de Ludwig van Beethoven é importante lembrar que dez sinfonias do compositor alemão – Concerto para piano n° 2, em Si bemol maior; Sonata para piano nº 14, ‘Moonlight’; Sinfonia nº 3 em mi bemol; Sinfonia nº 5 em dó menor; Concerto para violino em ré; Sinfonia nº 6 em fá; Bagatela em lá menor, ‘Für Elise’; Sonata para piano nº 29, ‘Hammerklavier’; Sinfonia nº 9, ‘Coral’; e Quarteto de cordas em si bemol op. 130 – mudaram, para sempre, a história da música clássica. 

O mundo nunca mais foi o mesmo com a obra musical gigantesca, transformadora e poderosa de Beethoven, cujas sinfonias começam sempre na escuridão, mas terminam na luz, evocando o poder da música para nos levar a lugares interiores profundos, transmitindo algo universal. 

Beethoven – que cresceu em popularidade durante o Século XIX – fez sua estreia pública aos 24 anos tocando a peça ‘Concerto para piano n° 2, em Si bemol maior’, ultrapassando limites e criando novos sons, numa avalanche de arpejos e acordes.

A maioria das sinfonias, em 1803, durava cerca de 25 minutos. Beethoven  mudou totalmente essa regra com sua ‘Sinfonia Épica nº 3’, em uma escala dinâmica. Já lidando com a surdez, ele trabalhava com notas musicais profundamente emocionais, inspirando até hoje incontáveis  pianistas no mundo inteiro. 

Músicos consagrados reconhecem que é humanamente impossível tocar na velocidade de Beethoven que, com seus contrapontos escaldantes, trinados duplos diabólicos e passagens monumentalmente exigentes, exploram todas as fórmulas musicais, empurrando-as em direções virtuosísticas e expressivas.

A ‘Nona Sinfonia’ – maior obra-prima absoluta da história da música, lançada em 1824 – foi sua última composição, na qual ele mostra o sentimento de religiosidade com uma mística profunda, não aceitando a burocratização da fé. 

A gestação da sinfonia foi longa e complexa. Ela levou 12 anos para ser escrita e foi um gesto revolucionário de Beethoven, que já estava totalmente surdo, isolado, introspectivo e esgotado física e emocionalmente. 

Na ‘Nona Sinfonia’, o primeiro tema é bastante marcial, seguido de trilhas suaves que vão se interpenetrando de forma cada vez mais intensa até que se reunirem em uma força energética muito complexa, numa atmosfera de expectativa de algo grandioso. 

Nela, ele combate os problemas que lhe causavam depressão e profunda amargura, ameaçando sufocar sua criatividade artística. Beethoven levou a música clássica ao máximo, trazendo imensuráveis efeitos em pleno Século XXI, definindo nossa cultura.