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domingo, 26 de abril de 2020

O concerto desafinado dos virologistas

Antonio Carlos Lua

Diante do cenário de medo com a expressiva letalidade do novo coronavírus, chegamos finalmente à conclusão de que o melhor mesmo é ficar em casa e lavar as mãos continuamente a cada suspiro, mesmo com a euforia irresponsável do presidente da República, Jair Bolsonaro, que usa a pandemia para tentar implementar o estado de exceção, priorizando a morte em lugar da vida.

É por isso que com ou sem razão desconfiamos dos políticos e, agora, até mesmo da ciência, com a falta de respostas plausíveis aos inúmeros questionamentos sobre a força avassaladora da covid-19.

Até ontem, a ciência era a divindade de cujo poder celebrávamos, antes que o novo coronavírus desnudasse os seus insucessos e limites, com o concerto desafinado dos virologistas, onde cada opinião se despedaça diante de qualquer entendimento conflitante.

O último insulto à dignidade da ciência, no entanto, vem ainda da boca dos políticos, que na crise estão usando as incertezas dos especialistas como um para-brisa para não tomar as decisões certas e, assim, fazer aquilo que lhes agrada.

O fato é que sabemos pouco, realmente muito pouco, sobre o novo coronavírus, que atingiu de forma violenta o mundo inteiro. Nem a própria China diz exatamente a sua fonte, se foi em um mercado de animais ou em um laboratório de pesquisas científicas em Wuhan.

Continuam desconhecidos os números reais do contágio e a possibilidade de reincidência para quem se curou, assim como o tempo de incubação. Não se sabe também se o vírus permanece no ar em suspensão, por quanto tempo, em que porcentagem. 

Os virologistas não esclarecem se o vírus teme o calor, se no verão é mais fácil derrotá-lo, qual é a distância social a ser observada, se os animais de estimação são uma fonte de contágio. Até aqui, falta uma vacina, mas também falta um teste sorológico confiável. 

Deve ser pela quantidade de dúvidas que zunem nas nossas cabeças que as nossas instituições médicas chamaram às suas cabeceiras todos os duvidosos. Daí a pletora de comissões, comitês, consultores. As estimativas estão viciadas por padrão.

Surge disso uma lição dupla sobre o papel da política e da ciência. O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, por exemplo, procura o “sim” de um cientista para acabar com o isolamento social. 

Ele sabe que a discórdia da comunidade científica permite ao político escolher o que vai fazer por conta própria. Caso o político acerte na decisão, se  apossa de todo o mérito. Caso contrário, a culpa será toda dos especialistas.

Em 2016, a revista ‘Nature’ revelou que mais de 70% das pesquisas científicas falham nos testes de reprodutibilidade. Sendo assim, em tempos de clausura, é necessário que não nos enganemos com as informações incompletas e tóxicas que ocultam a crise causada pelo novo coronavírus. 

Mentira da década 

Em meio a crise, a ciência talvez precise de um banho de humildade. Afinal, ela possibilitou o desperdício dos recursos naturais, a poluição, o aquecimento global e, talvez, até mesmo essa própria pandemia, como afirmou o cientista francês Luc Montagnier, prêmio Nobel de Medicina, em 2008, pela descoberta da Aids.

A versão de Luc Montagnier é de que cientistas chineses estavam trabalhando na produção de uma vacina contra a Aids e usaram para isso um coronavírus, que acabou se desenvolvendo por acidente no Wuhan Institute of Virology (WIV), laboratório chinês de alta segurança especializado nesse tipo de vírus. 

O prêmio Nobel de Medicina afirmou que o novo coronavírus teria sido produzido a partir de um coquetel de vírus que inclui o HIV e o coronavírus presente em morcegos e, por ser artificial, tende a ser eliminado pela natureza com o tempo. 

Reportagem do canal de notícias norte-americano ‘Fox News’ enfatizou que o governo chinês esconde a verdade sobre o surgimento do novo coronavírus, suprimindo 100% dos dados científicos, modificando datas, destruindo amostras sobre a covid-19 e perseguindo jornalistas independentes que investigam o caso.

É fácil para o governo chinês negar como tudo aconteceu. Os regimes autoritários são especialistas em controlar narrativas, suprimir informações e perseguir os jornalistas. 

Isso aconteceu também no acidente nuclear de Chernobyl, em 26 de abril de 1986, na Usina V. I. Lenin, localizada na cidade de Pripyat, na extinta União Soviética, atual território ucraniano. Entre as semelhanças, há sobretudo a falta de informação. 

No desastre de Chernobyl, os cientistas alertaram que haviam detectado altos níveis de radioatividade, mas muito tempo se passou até que a URSS informasse ao mundo sobre o acidente nuclear. 

O mesmo acontece agora na China, onde no início os cientistas deram a entender que a Covid-19 era apenas um problema local sem grandes proporções no país asiático. Esqueceram que é impossível esconder algo em pleno 2020.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

A trama de um poder que difunde meias verdades


Antonio Carlos Lua

Não devemos mascarar a culpa dos chineses no avanço do coronavírus, cujo cenário polêmico em que foi criado é bem conhecido, inclusive pelas prisões e desaparecimento de jornalistas que buscaram a verdade.

Há uma negação da catástrofe, mas a realidade está no encalço do imperador da China, Xi Jinping, líder do Partido Comunista, mesmo com a propaganda espetacular que difunde meias verdades ao mundo. 

Cabeças rolam na China, enquanto a repressão aumenta ferozmente sobre os jornalistas. A trama é obra de um poder que gostaria de controlar tudo no planeta e teve a proeza de construir alegremente um gigantesco hospital em dez dias, com falsas mensagens de vitória sobre o controle do coronavírus. 

Será que os cidadãos que viajam, leem e observam o mundo se contentam com a resposta formatada e coercitiva das autoridades chinesas sobre o coronavírus? A aprovação do mundo em relação aos métodos chineses permanecem sem reservas?

Na China, o coronavírus apareceu em um clima de grande desconfiança com um sistema de saúde notoriamente saturado e subfinanciado (5% do PIB). Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), lá existe 1,5 médico por 1.000 pessoas. 

Os hospitais, em sua maioria, são velhos e desaparelhados. A corrupção dos profissionais da saúde mal remunerados ganham manchetes nos jornais. A medicina liberal não existe no país. Muitas clínicas são desprovidas de equipamentos, com o agravante de terem médicos não diplomados exercendo irregularmente a medicina. 

Como se percebe, a confiança não é algo patente em relação a China, onde as reações dos cidadãos à crise na saúde não existem, tendo em vista as violentas retaliações  políticas. Na ausência de informações confiáveis, em quem acreditar? O que fazer? 

Por que a China só tomou providências para conter o coronavírus quando ele já tinha saído do país e se espalhado pelo mundo? Por que a oficialização da existência do alastramento da covid-19 em Wuhan se deu de maneira atrasada? 

Por que o jornalista Li Zehua, o advogado Chen Qiushi e o comerciante Fang Bin, desapareceram após filmarem a situação do coronavírus em Wuhan, postando seus testemunhos nas redes sociais?

Por que Xu Zhiyong, militante dos direitos civis, que criticou abertamente a forma como Xi Jinping lidou com a crise do coronavírus no país foi preso e não se sabe se está vivo ou morto?

O próprio cientista chinês, especialista em doenças respiratórias, Zhong Nanshan, afirmou, em estudo publicado na revista científica, ‘Caixin’, que os médicos reagiram cedo ao surgimento da covid-19, mas o governo da China não aplicou as medidas para deter o vírus em tempo hábil, embora com o alerta sobre o poder destrutivo do coronavírus pelo médico Li Wenliang, que acabou morrendo contaminado pelo coronavírus.

Afirmação de Zhong Nanshan é sólida, pois parte de um cientista respeitado na China e no mundo e que se dispôs a divulgar uma conclusão explosiva, sendo um indicativo de que a questão é realmente muito séria.

É louvável a coragem e a velocidade dos pesquisadores chineses para publicar suas conclusões em revistas científicas internacionais, informando sobre os estudos acerca do surgimento da covid-19 na China.

Quanto aos jornalistas que estão na linha de frente para esclarecer a questão, é necessário uma mobilização mundial para que desta vez a faca da censura não impeça que as lições do desastre da covid-19 não sejam assimiladas pelo mundo.

Daí a importância dos cientistas passarem seus testemunhos, para não dar cegamente ao poder chinês a possibilidade de continuar escondendo a verdade sobre o coronavírus que, muito mais que um agente infeccioso, é um revelador implacável de que muitas vezes não queremos ver o que está diante dos nossos olhos.

Olhando para as origens das pandemias anteriores podemos verificar que as gripes de 1958 e 1968 vieram da China. Da China vieram também o Sars, em 2002, a gripe suína, em 2009, e agora, a Covid-19. 

Só que o Partido Comunista acha que não precisa prestar contas para ninguém e tem adotado uma postura beligerante. A China resiste em colaborar com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e as demais agências especializadas internacionais. 

Os dados até agora divulgados pela China sobre o coronavírus não são confiáveis. Mesmo assim, o diretor da Organização Mundial de Saúde tem aceitado as parcas informações, com medo de ofender os chineses. 

Depois de fingir durante dois meses que nada estava errado no país, o governo chinês decretou uma série de medidas drásticas, estabelecendo uma ferrenha censura no país e não aceitando qualquer crítica do descaso inicial. 

Há inúmeras incoerências do governo chinês que preocupam o mundo inteiro. Uma delas é semear dúvidas sobre a origem do coronavírus e exigir o agradecimento do resto do mundo passando a ideia que sozinha e com sua própria força barrou decididamente o coronavírus no país. 

Na China 1,4 bilhão de habitantes (92%) são da etnia ‘han’, que são ensinados a pensar que, como detentores de uma civilização de 5 mil anos, são superiores aos demais. Na rua, os poucos negros são rotineiramente chamados de “macacos”, os japoneses de “bárbaros peludos” e os brancos de “yangguidz”, ou “demônios-fantasmas de além-mar”.

A China tem o direito de se governar do jeito que quiser. Mas não pode, de maneira alguma, brincar com a saúde do resto do mundo só para proteger os interesses de uma elite que acha que todo mundo que não é “han” é inferior. Aí está o grande perigo. A Covid-19 vai passar. A prepotência da China, não.

Prometendo um caminho de prosperidade crescente, o imperador chinês do Partido Comunista, Xi Jinping, não deve ter um sono nada tranquilo com um inesperado e invisível inimigo que pode colocar tantas conquistas a perder chegando na hipótese mais negativa a abalar o projeto de ascensão da China como superpotência dominante no mundo.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Máquina do ódio

Antonio Carlos Lua

O presidente da República, Jair Bolsonaro, quer fazer do coronavírus uma arma poderosa de desorientação em massa. Com um discurso movido pelo ódio e um nacionalismo torto e ultraliberal ele insiste em dizer que as mazelas vêm de fora e, no fundo, tenta passar a ideia de que se os idosos morrerem com a pandemia da covid-19 será um mal menor para o Brasil.

Mesmo num cenário dramático com milhares de pessoas mortas e infectadas pelo coronavírus, a máquina do ódio não para e tenta nos paralisar, nos atirar ao precipício, para deixar a esperança escondida, envergonhada e pisoteada por um ex-militar insano, que insiste em tripudiar uma pandemia que colocou o mundo de joelhos.

Com um ego avantajado alimentado pelos desvarios das forças ultraconservadoras de extrema direita, Bolsonaro odeia a liberdade e procura desesperadamente o aprisionamento da democracia.  

Ele prega o projeto de morte e representa hoje um perigo real para o Brasil. Dizer que o presidente da República passou dos limites virou lugar-comum. Faltam adjetivos para qualificar o seu delírio histérico de colocar o poder acima das regras da convivência civilizada.

Essa prática de sempre tem seus efeitos potencializados nas engrenagens políticas ultraconservadoras que – glorificando a Ditadura Militar que ensanguentou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985 – se colocam hoje como a base de sustentação de um presidente estúpido que quer solapar a cidadania, lançando a sociedade na violência e na barbárie.

Mas o Brasil não pode institucionalizar a tirania – nem no Palácio do Planalto, nem nas ruas. É preciso tolerância zero com as atitudes de Bolsonaro, cujas posições desatinadas mostram uma hostilidade aberta contra a democracia, a imprensa e os direitos humanos.

Na sua possível insanidade, Bolsonaro se insurge contra as medidas do seu próprio governo, ou seja, é ele contra ele mesmo, num mundo circular fechado. Num caso típico de esquizofrenia, pediu o fim do isolamento social e disse que o ministro da Saúde, Luis Henrique Mandetta teria que se demitir. Feliz com a fama adquirida, o ministro não o fez e não o fará. Os ministros Paulo Guedes e Sergio Moro estão calados. São eles que contam para os setores dominantes. 

Enquanto isso, a Rede Globo troca claramente de lado. O Jornal Nacional e os analistas políticos da Globo News vêm dando luz verde sistematicamente ao Governo Federal. Mas Bolsonaro é burro e ainda não se deu conta de que os ventos mudaram.

O ímpeto geral das ações do presidente da República são de políticas que têm como consequência direta a morte. As principais medidas de sua gestão vão nessa direção, sendo a mais evidente a sua política para as armas, com a equação ‘Mais Armas=Mais Mortes’, com fortes efeitos potencializadores de violência.  

Podem ser mencionadas ainda suas ações contra os povos indígenas e quilombolas, o incentivo aos desmatamentos, à liberação de agrotóxicos, além da publicação do decreto que permite a impunidade ao proprietário de terra que mate ou mande matar trabalhadores rurais. Como explicar esta opção deliberada de Bolsonaro pela morte? 

Os setores populares precarizados que o apoiaram por esta agenda se tornaram vítimas do bolsonarismo armado e privilegiado pelo direito de matar, numa relação entre poder e violência, vida e morte, com o extermínio dos indesejáveis e daqueles que ousarem resistir. O assassinato de Marielle Franco – crime ainda sem solução – vem inserido nesta lógica.

Em sua campanha eleitoral, Bolsonaro tinha na mímica do pistoleiro, com o gesto de armas com as mãos, um claro apelo à violência. Aliado a uma retórica explicitando um conteúdo de ódio, ele provocou a emergência de uma violência política até então inédita no país. 

A milícia paramilitar nazista e as vítimas fatais como o capoeirista baiano, Mestre Moa do Katendê, assassinado por um eleitor bolsonarista em uma discussão política, mostram como estamos distantes de qualquer normalidade democrática.

O Brasil é um país secularmente violento. Fundado pelo ato cruel da conquista e do colonialismo português, o país, hoje – como Nação independente – conservou muitas das marcas da desigualdade e exclusão social do período colonial, tendo como evidência o fato de ter sido o último país da América a abolir a escravidão. 

Desta herança não é difícil apontar as raízes históricas que amparam o discurso violento e excludente de Bolsonaro, que remonta a lógica da ‘Casa Grande’ e, de forma mais direta, com a chamada “linha dura”, que passou por uma recente transformação ganhando ares civilizados, através do neoliberalismo. 

Esta vinculação entre o neoliberalismo e o autoritarismo está longe de ser fortuita. Nunca é demais lembrar que a primeira experiência de governo neoliberal foi implementada no Chile durante a sanguinária ditadura de Pinochet, a quem Bolsonaro presta elogiosas deferências. 

Existe um profundo distanciamento entre a razão neoliberal e a democracia. Nas ocasiões em que governos adotaram políticas neoliberais estas resultaram invariavelmente em algum nível de restrição democrática, com práticas imunes ao sufrágio popular.

O governo de Bolsonaro é uma versão radicalizada do neoliberalismo, cuja agenda inclui a promessa de privatizações generalizadas, abertura de setores estratégicos da economia do país para o capital estrangeiro – preferencialmente o norte-americano –, políticas de inversão econômica com restrições aos investimentos sociais, supressão de direitos e a ampliação da desigualdade social.

A política de Bolsonaro se orienta por um sentido geral de governo para os seus, não para a população brasileira. Com essa orientação, ele busca atender aos interesses corporativos de forma seletiva, potencialmente próximos ao espectro social que o elegeu, mas com um claro corte de classe, gênero e raça.