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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Poeta, místico, missionário

Antonio Carlos Lua

Em 1968, o Brasil assistiu o endurecimento do Governo Militar, com a publicação do Ato Institucional nº 5, dando plenos poderes para o Presidente da República decretar a intervenção nos estados e municípios, suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos, bem como cassar os mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.

A publicação do AI-5 ocorreu no momento em que a Igreja Católica vivenciava o Concílio Ecumênico Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII e continuado por seu sucessor, o Papa Paulo VI. Foi o maior acontecimento religioso do Século XX, em uma das mais significativas reformas da história da Igreja Católica.

Foi nesse período que o jovem padre claretiano Pedro Casaldáliga chegou ao Brasil, vindo da Espanha para atuar em Mato Grosso, região caracterizada pelos conflitos agrários, pobreza e violência. 

Casaldáliga exerceu sua missão religiosa de forma profética e ficou conhecido pela produção literária, tanto de poesias quanto de manifestos, artigos, cartas circulares e obras com cunho político ou com temas ligados à espiritualidade, publicadas tanto no Brasil como no exterior. 

Ele escrevia pela mesma razão dos profetas bíblicos, que faziam da poesia uma forma de denúncia de injustiças e anúncio de um novo tempo. 

Em 27 de agosto de 1971, o Papa Paulo VI o nomeou bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, caracterizando sua proximidade com o povo e o engajamento com as causas dos índios e lavradores. Casaldáliga foi um símbolo para os movimentos sociais, mesmo quando isso representava ameaça à sua vida.

No dia 8 deste mês Dom Pedro Casaldáliga nos deixou e  voltou para a casa do Pai, onde encontrou com seus irmãos de Episcopado Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns  e Dom Ivo Lorscheiter, referências para aqueles que se dedicam às causas sociais num país marcado pela desigualdade, violência e descrença.

Profeta corajoso, Dom Pedro Casaldáliga foi um poeta de mãos operosas e místico de olhos abertos. Ao publicar, em 1971, a Carta Pastoral "Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social" sofreu retaliações com ameaças de morte e de expulsão do Brasil. 

Como religioso, ele articulou travessias e abriu fronteiras para consagrar a vida num horizonte em movimento de esperança. Viveu num “palácio” de madeira humilde, totalmente desnudado. Era tão identificado com os indígenas e os lavradores que quis ser enterrado no “Cemitério do Sertão”, onde os anônimos, os condenados em vida à escravidão, jazem. 

Em um de seus poemas Casaldáliga escreveu: “Para descansar quero só uma cruz de pau como chuva e sol, os sete palmos e a Ressurreição”. Este é o epitáfio que ele pediu para ser colocado em sua tumba, no cemitério dos excluídos, em São Félix do Araguaia. Suas últimas vontades foram simples, como sua vida inteira. Sicut vita, finis ita (Morremos como vivemos).

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