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segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Visão antropológica redutiva

Antonio Carlos Lua 

A superação do dogma de fé neoliberal foi novamente enfatizada pelo Papa Francisco, desta vez na encíclica Fratelli Tutti (Todos irmãos), que aponta as conhecidas fragilidades nos sistemas políticos, trazendo uma crítica ao cosmopolitismo dos ricos e ao falso universalismo ancorado no individualismo radical que se espraia nas sociedades competitivas.

Muitos criticaram o Pontífice argentino e consideraram muito político o seu posicionamento na condição de líder religioso e espiritual, como se Francisco não pudesse se manifestar num momento crucial para a humanidade.

Esquecem que uma encíclica política sempre se sustenta sobre bases teológicas, da mesma forma que uma encíclica teológica sempre terá implicações políticas. Afinal, o próprio Evangelho já é político porque ser Cristo têm implicações sobre a vida. Cristãos não estão retirados do mundo. Eles estão no mundo.

Francisco está na linha de discussão política e não no campo teológico da infalibilidade papal ou da aprovação de um elemento da fé. Não é um discurso dogmático e sim um exemplo extraordinário de liderança. O mundo está faminto por isso.

Se olharmos para a história, constataremos que as encíclicas são regularmente políticas, como as escritas por Leão XIII sobre a Igreja e o Estado na França, em 1892 – e por Pio XI sobre o comunismo e o nazismo. Cada Papa se expressa com seu estilo, seu pensamento e sua história.

Fratelli Tutti renova a linguagem da Igreja Católica e ganha força quando o Francisco apresenta as opções para combater as feridas que ele próprio denuncia, colocando o ser humano no centro de todas as prioridades, com um estilo direto, menos diplomático sem as sutilezas de seus predecessores. 

Os que criticam o Pontífice são os oponentes da paz, os líderes políticos populistas e aqueles que querem vê-lo confinado a numa esfera puramente espiritual, bem como os que ajudam para a manutenção da pobreza, da desigualdade, da negação de direitos.

São aqueles que –  alimentada por uma visão antropológica redutiva e por um modelo econômico fundado no lucro – não hesitam em explorar, descartar e até matar o homem, impondo um modelo cultural único, excluindo as pessoas pela condição social. 

São aqueles que contribuem decisivamente para o aumento da riqueza sem equidade produzindo cada vez mais pobreza com crises que fazem morrer de fome milhões de crianças já reduzidas a esqueletos humanos por causa da miséria reinante com o inaceitável silêncio internacional.

São aqueles que fazem prevalecer sempre a lei do mais forte, com os poderosos engolindo os fracos, com a explícita negação da primazia do ser humano, na adoração do antigo bezerro de ouro com uma nova versão bizarra e cruel na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano. 

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