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sábado, 21 de novembro de 2020

Direito ao esquecimento

Antonio Carlos Lua 

A controvérsia sobre a liberdade de imprensa e expressão e a preservação da intimidade e da imagem – dois direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal – volta a pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) na polêmica ação que trata do ‘direito ao esquecimento’, ou seja, o direito de uma pessoa requerer a retirada definitiva de dados pessoais de qualquer publicação feita por veículo de comunicação de massa que sejam considerados indevidos ou prejudiciais à sua imagem, honra e nome. 

O STF reconhece que a missão é espinhosa e está buscando um equilíbrio virtuoso para deixar que as liberdades garantam a dignidade, mas que a liberdade de um não se sobreponha a de todos os outros, de tal maneira que não possamos saber qual é a nossa história, o nosso passado e como devemos construir nosso futuro.

O que o Supremo Tribunal Federal vai analisar é o que pode ser considerada a memória de alguém, que precisa ser resguardada e não pode ser discutida, e aquilo que não pode ser guardado porque constitui não memória individual, mas memória coletiva.

O resultado do julgamento na Suprema Corte do país terá reflexos sobre os casos semelhantes – a chamada repercussão geral – definindo um entendimento único, que deverá ser seguido pelo Judiciário em todo o Brasil.

Há três linhas jurídicas bem delineadas na discussão do tema. Os juristas que são contra o direito ao esquecimento dizem que – além de não constar expressamente na legislação brasileira – esse direito não poderia ser extraído de qualquer direito fundamental, nem mesmo do direito à privacidade e à intimidade.

Assim, um direito ao esquecimento seria, ademais, contrário à memória de um povo e à própria História da sociedade. A liberdade de informação prevaleceria sempre e a priori, à semelhança do que ocorre nos Estados Unidos.

Na defesa desse posicionamento, é importante invocar a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal, especialmente o célebre precedente das biografias não autorizadas (ADI 4.815).

De forma geral, vale argumentar que o direito ao esquecimento é desnecessário no Brasil, que já possui garantias constitucionais que protegem a honra, sendo a lei atual suficiente para proteger os chamados direitos de personalidade, isto é, a dignidade da pessoa, nos aspectos físicos, psíquicos e morais.

Entretanto, em contraposição a esse entendimento, os defensores do direito ao esquecimento apontam que ele não apenas existe, como deve preponderar sempre, como expressão do direito da pessoa humana à reserva, à intimidade e à privacidade.

A alegação é de que na esteira da cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana – valor supremo na ordem constitucional brasileira – esse direito prevaleceria sobre a liberdade de informação acerca de fatos pretéritos, não atuais. Para essa corrente de juristas, entender o contrário seria rotular o indivíduo, aplicando “penas perpétuas” por meio da mídia e da internet.

Essa tese ampara-se na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2013, no célebre caso da Chacina da Candelária, no qual aquela Corte reconheceu um direito ao esquecimento que definiu como “um direito de não ser lembrado contra sua vontade” (REsp 1.334.097/RJ).

Esse entendimento ampara-se também na experiência européia, que, em tese jurídica contrária à experiência norte-americana, inclina-se pela prevalência do direito ao esquecimento.

Os precedentes desse direito estão na ideia de que, por exemplo, um indivíduo que tenha cumprido pena na prisão não seja prejudicado por isso ao procurar um emprego e se reinserir na sociedade, uma vez que seu nome pode ser buscado em poucos cliques nas ferramentas de busca do Google e, fatalmente, aparecerá a notícia sobre sua condenação.

Na discussão do polêmico tema, surgem, no entanto, juristas que assumem uma posição intermediária, com o entendimento de que a Constituição Federal não permite hierarquização prévia e abstrata entre liberdade de expressão e privacidade, da qual o direito ao esquecimento seria apenas um desdobramento.

Eles defendem que – figurando ambos como direitos fundamentais – não haveria outra solução tecnicamente viável que não a aplicação do método de ponderação, com vistas à obtenção do menor sacrifício possível para cada um dos interesses em colisão. Argumentam também que a matéria não pode ser tratada de forma binária, já que existe uma grande margem entre o sim e o não para aplicação do direito ao esquecimento.

Seja qual for a posição a ser adotada ao final do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no caso em análise, uma coisa é certa: estaremos diante de um julgamento histórico, que jamais ficará no esquecimento.

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