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domingo, 3 de janeiro de 2021

Brasil começa 2021 regido por leis do tempo do Império

Antonio Carlos Lua

O Brasil começa o ano de 2021 regido por leis do tempo do Império. O Código Comercial – editado em 1850 e ainda em vigência no país – mantém dispositivos da época de Dom Pedro II e cita prerrogativas a embarcações dos ‘súditos do Império’. 

Com 170 anos no ordenamento jurídico brasileiro, ele segue regulando o comércio marítimo no Brasil e calcula multas em "mil-réis" e "contos de réis". 

O Código Comercial foi publicado no Século XIX, quando Dom Pedro II ainda governava o Brasil. Em seu artigo 457 ele diz que “somente podem gozar das prerrogativas e favores concedidos a embarcações brasileiras, aqueles que verdadeiramente pertencerem a súditos do Império, sem que algum estrangeiro nelas possua parte ou interesse".

O Código de Processo Penal – editado em 1941 – organiza a justiça penal, define a tramitação dos processos e possíveis recursos. Ele prevê o direito à prisão especial para "interventores de Estado", figuras que substituíam os governadores na Era Vargas. 

Também gozam do mesmo benefício cidadãos inscritos no ‘Livro de Mérito’, condecoração oferecida pelo governo a pessoas com valiosos serviços prestados ao país. Conforme o artigo 295 do referido Código, estas figuras serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva.

O Código Penal  publicado em 1940, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas  visa manter a ordem social. Seu texto reflete hábitos da sociedade da época e continua sendo regido por regras arcaicas, apesar das reformulações legislativas feitas pelo Congresso Nacional.

A lei dos direitos adquiridos por empregados  promulgada em 1892, antes da Proclamação da República  é hoje a norma jurídica mais antiga do país e, na prática, não tem nenhuma serventia. 

Assinada por Floriano Peixoto, ela assegura  independentemente das normas adotadas na jovem República  a manutenção de benefícios obtidos no Império a funcionários que já morreram há muito tempo. 

Em seu artigo 1º a norma diz que “os direitos já adquiridos por empregados inamovíveis ou vitalícios e por aposentados, na conformidade de leis ordinárias anteriores à Constituição Federal, continuam garantidos em sua plenitude".

Afastada do poder há mais de um Século, parte da família imperial ainda recebe uma taxa sobre a venda de todos os imóveis na região central de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. É o Laudêmio que não é lei, mas sim um direito. 

A benesse – que remonta ao Brasil Colônia  está presente no Código de Ordenações Filipinas (Século XVII), e ainda engorda os cofres da União nos terrenos de Marinha em todo Brasil.

O livro 4 das "Ordenações Filipinas diz que “o foreiro, que traz herdado, casa, vinha ou outra possessão aforada para sempre (...) não poderá vender, escambiar, dar, nem alhear a “cousa” aforada sem consentimento do senhorio." 

A Lei Federal nº 20  promulgada em 22 de outubro de 1891  está em vigência há 125 anos. Editada para durar pouco, acabou sendo um prêmio de consolação concedido pela recém-criada República do Brasil ao destronado Dom Pedro II. 

Sancionada pelo presidente Marechal Deodoro da Fonseca, a lei previa – e, tecnicamente, ainda prevê – o pagamento de uma pensão anual de 120 contos de réis ao imperador deposto. 

Acontece que o monarca sem cetro morreu em 5 de dezembro de 1891, tornando, assim, sem sentido, a mencionada lei um mês e 13 dia depois da mesma ser sancionada. Ainda assim, ela segue valendo.

Esse também é o caso da Lei 48 de 1935 que, entre outras determinações, proíbe o voto de analfabetos e mendigos. A Constituição de 1988 tornou essas vedações inválidas e nenhum cidadão nessas condições é barrado na cabine de votação. O problema é que formalmente a Lei 48/1935 consta no sistema do governo federal como em vigência.

A última Lei de Segurança Nacional – editada em 1983 pela ditadura militar e considerada um “entulho” autoritário – continua valendo. Tem sido usada por autoridades policiais para enquadrar integrantes de manifestações de rua que se excedem, embora o Código Penal seja suficiente para tratar desses casos.

O Código Brasileiro de Telecomunicações  editado em 1962  proíbe rádios e TVs de "ultrajar a honra nacional", enquanto o Código Penal Militar, de 1969, prevê a pena de morte por fuzilamento, também presente na Constituição Federal em casos de guerra.

Além de entrarem em conflito entre si, as leis arcaicas congestionam e causam uma confusão legal no ordenamento jurídico do país, que possui um dos mais anacrônicos regimes legais do mundo, batendo recorde na manutenção de leis obsoletas e esdrúxulas. 

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