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domingo, 1 de agosto de 2021

A barbárie escancarada


Antonio Carlos Lua

 A violência é um fenômeno que vem constituindo a história do Brasil, desde a colonização, com a extinção de povos originários, a escravidão de índios, de africanos, e a destruição de culturas. 

No início da República Velha, a degola fez dez mil vítimas na Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul. O Contestado matou cerca de 30 mil sertanejos pobres de Santa Maria (RS). A Revolta da Armada bombardeou o Rio de Janeiro com canhões. Na Revolução Constitucionalista, de 1932, aviões de guerra bombardearam São Paulo. 

Hoje, a violência ganha novos contornos, fragilizando os laços sociais, atentando contra as mulheres, crianças e idosos, disseminando valores belicosos e odiosos com o narcotráfico, a venda de armas, a prostituição infantil, o turismo sexual, a lavagem de dinheiro e os assaltos à luz do dia que se multiplicam de forma acelerada, com registros diários de homicídios, feminicídios e latrocínios.

A juventude é o alvo principal da violência. Praticamente a metade dos óbitos de pessoas de 15 a 24 anos no Brasil são causadas por homicídios. A cada 7 minutos, uma pessoa é assassinada no Brasil. A escalada de violência é o aspecto terrivelmente fatal do retrocesso político, econômico e social vivido no país. 

A violência – que atravessa a história do Brasil como uma enorme e visível ferida aberta – pode ser explicada pelo contínuo processo de exclusão a que a população mais pobre é submetida, num país drenado por uma engrenagem corrupta e agressiva, onde a tirania dos homens cria um retrocesso civilizacional. 

Como se não bastasse, temos como fenômeno mais recente as balas assassinas que – cinicamente chamadas de “balas perdidas” – continuam ceifando a vida de negros e pobres inocentes todos os dias nos campos de concentração das periferias no país, onde favelados são deixados à própria sorte e escancarados para a própria morte, numa violência covarde que parece não ter fim.

Enquanto isso, somos obrigados a se contentar com a repetição do ritual hipócrita daqueles que – fugindo da responsabilidade de garantir a nossa proteção – reintroduzem inescrupulosamente em seus discursos demagógicos desgastadas declarações nas marchas fúnebres tristemente ilustradas pelos caixões dos mortos anônimos covardemente trucidados numa guerra a céu aberto, com uma quantidade de mortos semelhante à de guerras civis que explodem pelo mundo.

É por isso que milhões de brasileiros desprotegidos e acostumadas ao esquecimento num país desigual não aceitam mais um sistema político que funciona como um simulacro de democracia com uma base de sustentação alicerçada por ilicitudes, nutrindo impiedosamente uma obsessão pela morte de miseráveis que muitas vezes não têm sequer a liberdade de chorar seus mortos, vítimas da crueldade e selvageria. 

O Brasil registra, hoje, em média, cerca de 60 mil homicídios por ano, o que equivale a 45% do total de homicídios da América Latina. O país – cuja população representa 3,6% do total de habitantes do mundo – responde, sozinho, por 18% dos homicídios no planeta, numa barbárie escancarada que nos distancia dos padrões civilizados.

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