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terça-feira, 24 de março de 2020

Desenvolvimento predatório favorece a emergência de doenças


Antonio Carlos Lua

Em meio ao medo e à emergência para encontrar saídas para a crise gerada pela pandemia do coronavírus, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido posto na arena federal como a grande arma institucional para enfrentar o caos. 

Na verdade, o SUS é o eixo da resposta brasileira e a única e grande esperança diante da presença do coronavírus, por tratar-se de um sistema com acesso universal, capilaridade e notável cobertura geográfica.Porém, há uma contradição gritante do governo brasileiro na hora de definir o que é prioridade. 

Da pandemia de H1N1, em 2009, até a chegada do coronavírus, o Brasil perdeu 34,5 mil leitos de internação, destinados a pacientes que precisam ficar por mais de 24 horas dentro de um hospital. Essa estrutura poderia atender uma boa parte dos casos mais graves de contágio pelo coronavírus.

A injeção de recursos anunciada pelo Governo Federal pode tornar o Sistema Único de Saúde mais apto a esta resposta pontual. No entanto, não podemos esquecer que nos últimos anos o SUS vem sofrendo impactos negativos contínuos. Os investimentos e ações pontuais de agora não resolverão os problemas estruturais. 

Logo que terminar a emergência, é preciso investir no  fortalecimento da saúde de maneira contínua e prioritária, até porque não devemos esquecer que outras emergências virão, cada vez mais e com maior frequência, exigindo clareza sobre o que compõe investimentos e ações concretas que, de fato, venham garantir segurança em termos sanitários e de saúde. 

A saúde tem determinantes sociais poderosos e sem democracia, sem ciência, sem educação, sem renda, sem políticas sociais e sem direitos, seguiremos muito doentes, em diversos sentidos.

As dificuldades enfrentadas com o coronavírus no Brasil mostram que com um sistema de saúde gerador de grandes iniquidades, as doenças podem jogar rapidamente milhares de pessoas para a morte. 

Quando a detecção de uma doença depende do pagamento de uma consulta, fica evidente que não há segurança sanitária para ninguém, nem mesmo para os ricos cuja segregação social voluntária raramente consegue ser completa.

O Brasil não possui um sistema de saúde eficiente devido ao efeito devastador das políticas de austeridade sobre os sistemas de saúde, que implicam na desvalorização dos profissionais de saúde e no descrédito da ciência, que não  vem tendo no país o devido respaldo oficial 

No Brasil, é avassalador o potencial de destruição de vidas causado pela ascensão ao poder de líderes messiânicos cujos interesses eleitorais primam sobre a proteção da saúde pública, área na qual não deve haver teto de gastos por ser uma prioridade nacional. 

O desenvolvimento econômico predatório favorece a emergência de doenças pela produção massiva de alimentos derivados de animais criados em condições degradantes e extremamente favoráveis ao desenvolvimento de doenças sérias e mortais.

As atuais prioridades do governo brasileiro não coincidem com as da população. Mesmo com os avanços tecnológicos, vários fatores sociais comprovam que o Brasil não é capaz de responder aos desafios da proteção médica da população, com a redução drástica de investimentos e a privatização sorrateira do sistema de saúde. 

Sucateado ao longo dos anos, nosso sistema de saúde gera filas, disfunções, sofrimento e mortes evitáveis. Abriga profissionais mal remunerados, impotentes diante da escassez de meios materiais e de valorização social, assomados pela enorme demanda social.

O descrédito das autoridades sanitárias vem gerando uma crise sem precedentes no campo da ordem pública. Antes do coronavírus, o Brasil sofreu com dengue, zika, chikungunya e se viu às voltas com doenças que pareciam erradicadas, como, por exemplo, o sarampo. 

O reaparecimento dessas doenças revela erros na condução de políticas públicas em saúde no país. Um dos maiores erros tem sido o enfraquecimento dos programas de prevenção, com a desvalorização de seu escopo e cortes de financiamento. 

A estratégia de saúde da família, os agentes comunitários de saúde e de endemias, os programas de imunização e os equipamentos de saúde em regiões periféricas foram desprestigiados nos últimos anos e estão ameaçados em diversos lugares do país, sem que seus efeitos fossem discutidos com a merecida seriedade.

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