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quarta-feira, 15 de julho de 2020

A literatura na caixa de ferramentas da teologia


Antonio Carlos Lua

Francisco de Assis não é apenas um dos santos e uma das figuras lendárias mais famosos da Igreja Católica. Ele também é considerado um escritor pioneiro. “Cântico das Criaturas” (Cantico delle criatura), de sua autoria, foi um dos primeiros textos da história da literatura italiana. 

O Papa Francisco – eleito Bispo de Roma em 2013 – tem também uma maneira interessante de usar textos literários. 

Embora não seja tão fluente em inglês, francês e alemão como os Papas Bento XVI e João Paulo II, há uma diferença linguística substancial que o marca em relação aos seus dois mais recentes antecessores. 

A linguagem do Papa Francisco é rica em metáforas, provérbios e expressões idiomáticas. Quem o observa enxerga um paralelo em sua maneira de empregar palavras e imagens.

Profundamente existencial é uma linguagem derivada de muitos anos de experiência pastoral do Pontífice como sacerdote, professor e bispo. 

Podemos dizer que Francisco é um “papa linguístico”. Diferentemente de seus antecessores, ele tem um currículo docente que se focava mais na literatura do que na filosofia.

Ele sempre tende a criar novos verbos e substantivos – como, por exemplo, misericordiare, “misericordiando”, e rapidacion, “rapidização”

Sua inspiração demonstra ser ancorada na experiência de São Francisco de Assis, a partir da leitura do Evangelho de Mateus, em 1942.

Entre 1964 e 1965, o Papa Francisco ensinou Cervantes, literatura gaúcha, muito popular na Argentina, no Brasil e no Uruguai entre 1870 e 1920. Ele transmite a experiência do povo através de dialetos e expressões populares, que ele considera puras e livres de sistematização.

Na exortação “Querida Amazônia”, o Papa Francisco recitou seis poesias – “Com a chuva estou vivendo”; “Chamado"; “O rio Amazonas”; “A transformação pela poesia”; “Aqueles que creram”; e “Carta de navegar” – narrando a beleza violada do pulmão verde do mundo,  em versos poéticos para descrever a Âmazônia.

Essa é uma das razões para que muitas pessoas admirem o Papa Francisco no seu diálogo com seguidores e os meios de comunicação social, tornando fácil entender porque suas palavras exigem uma análise poética e linguística e não apenas uma boa tradução teológica.

Na caixa de ferramentas da teología cristã – especialmente a católica – existe, ainda hoje, muito mais filosofia do que poesia. Mas o conceito cristão é tão poético quanto filosófico. Na própria Bíblia, encontra-se muito mais poesia do que a filosofia.

Francisco tem se mostrado um Papa verdadeiramente global e uma das principais provas dessa afirmativa é sua linguagem, que não se restringe ao discurso clássico e valoriza o caráter poético nas pregações religiosas.

A globalização do catolicismo está sendo acelerada na medida em que o Papa Francisco encontra novas expressões linguísticas para alimentar uma fé antiga, mas sempre nova.

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