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quarta-feira, 22 de julho de 2020

A literatura sofisticada do padre Antônio Vieira

Antonio Carlos Lua

A importância do escritor, orador e padre jesuíta, Antônio Vieira, para a literatura moderna e para o barroco contemporâneo é inquestionável. 

Um dos mais influentes personagens do Século XVII, Antônio Vieira é um dos autores mais complexos da nossa literatura, merecendo contínua releitura e reflexão.

Com uma literatura sofisticada, ele deixou uma obra abrangente – cartas, poesias, textos para o teatro, escritos políticos e sermões, incluindo “Sermão de Santo Antônio ao Peixes”, proferido em São Luís (MA), em 13 de junho de 1654, Dia de Santo Antônio.

O padre Antônio Vieira era um gênio, um visionário. A sua capacidade de entender os problemas e propor soluções avançadas fizeram dele um precursor.

Construiu seus textos com recursos da arquitetura poética barroca, como a metáfora, a alegoria, a analogia, o paradoxo, o paralelismo, além das relações intertextuais que estabeleceu com os textos bíblicos e de autores clássicos greco-latinos.

O padre jesuíta abordou até a metalinguagem no “Sermão da Sexagésima”, escrevendo uma autêntica “arte de pregar”, quase um manifesto estético, polemizando com os oradores dominicanos, que eram seus rivais e praticavam um cultismo exacerbado, em detrimento de um sentido espiritual mais profundo.

Na obra ‘História do Futuro’, ele cobriu uma vasta gama de preocupações que iam desde os sentimentos humanos, a religião e o próprio destino da humanidade.

O padre jesuíta é mais moderno do que se imagina e – assim como Gregório de Mattos – fez um retrato da vida colonial brasileira, que permanece tristemente atual, principalmente quando ele toca na corrupção de funcionários públicos.

Antônio Vieira era partidário de uma tendência do barroco – o conceptismo – e condenava em seus adversários a retórica artificial e oca. Estava de algum modo demasiado avançado para o seu tempo. Por isso, muitos não o compreenderam.

Ele não buscava uma linguagem pura e próxima da abstração. No entanto, a construção estrutural de seus sermões e a maneira como ele faz o encadeamento discursivo, pode autorizar um paralelo com o autor francês, Mallarmé, com parêntesis e ressalvas.

Sendo, como dizia, "homem com alma", foi também "alma com homem", o que o não livrou de ser expulso do Brasil, atravessando o mar apenas com o Livro na mão.

Em Lisboa, depois de ser expulso pelos colonos portugueses, pediu ao rei que lhe permitisse regressar com o Livro na mesma mão, mas, desta vez, com a espada na outra.

Chamado pelo poeta Fernando Pessoa de “imperador da língua portuguesa”, o padre Antônio Vieira bem merece o título de profeta dos tempos modernos.

Prova disso é sua obra magna “A Chave dos Profetas”, um tratado teológico e político em dois volumes iniciado quando o padre jesuíta cumpria pena de reclusão determinada pela Inquisição em 1663, da qual escapou por indulto real. O tratado só foi concluído quando o padre estava à beira da morte.

O escritor português José Saramago confessou que costumava ler Antônio Vieira antes de escrever seus romances para se banhar nas águas cristalinas e puras do nosso idioma.

Saramago dizia, inclusive, que nunca a língua portuguesa foi tão bela como quando foi escrita pelo padre Antônio Vieira, que a usou com grande perfeição, traduzindo, na sua forma de escrever, pensamentos profundos, complexos e que ainda hoje nos aguçam a reflexão e a imaginação.

Como homem do século XVII, o grande viajante e missionário Antônio Vieira viveu experiências em espaços inóspitos. 

Foi ameaçado de morte e lidou com a experiência humana em toda sua diversidade e diferentes expressões. Isso lhe deu uma dimensão de universalidade extraordinária. Foi um mestre da língua portuguesa.

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