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domingo, 20 de setembro de 2020

Resposta poética às injustiças

Antonio Carlos Lua

Há 47 anos partia Pablo Neruda (1904/1973), um dos mais celebrados poetas da literatura contemporânea, cuja morte até hoje está envolta em mistérios, apesar de seu corpo ter sido exumado em 2013, após ser contestada a versão oficial sobre sua morte.

O atestado de óbito de Pablo Neruda indica que ele morreu de câncer de próstata, logo após o golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet, que tirou violentamente do cargo o ex-presidente da República chilena, Salvador Allende, vindo este a se suicidar enquanto os militares golpistas atacavam o Palácio do Governo.

A versão sobre a causa da morte de Neruda foi contestada por seus amigos. Eles afirmaram  que o poeta – figura emblemática do caminho traçado por Salvador Allende para o Chile – planejava seguir para o exílio no México, mas com problemas de saúde foi internado na Clínica Santa Maria de Santiago, onde teriam lhe aplicado uma injeção letal no estômago. 

Eliminá-lo era uma maneira de se desfazer de uma figura que poderia unir aqueles que queriam que a democracia fosse restaurada no Chile. Foi um motivo similar ao do assassinato de Orlando Letelier, o carismático ministro de Relações Exteriores, no governo de Salvador Allende.

À época, o presidente do México, Luis Echeverría Álvarez, pediu que o seu embaixador no Chile oferecesse asilo a Pablo Neruda. O poeta chileno aceitou a oferta. 

A discussão renovada sobre a morte de Pablo Neruda nos permite recordá-lo e vê-lo novamente como um profeta na luta contra a obscuridade, condenação e esquecimento, enviando à humanidade uma mensagem de esperança, animando a batalha pela justiça e a liberdade em tempos nefastos.

Nos versos mais famosos de seu ‘Canto Geral’, Neruda falou aos mortos anônimos da América Latina, quando escreveu: “Sobe para nascer comigo, irmão”, pedindo aos esquecidos e profanados pela história que renascessem. “Falai por minhas palavras e meu sangue”.

Na obra – uma espécie de resposta poética às injustiças históricas da América Latina em meio a Guerra Fria e um contexto de perseguição – Pablo Neruda transformou seus versos em arma de combate. Cotejar o que ele escreveu em ‘Canto Geral’ é uma atividade instigante.

Em 1933, ele escreveu uma de suas principais obras, “Residencia em la Tierra", em que emprega imagens e recursos próprios do surrealismo. O tom do livro é de profundo pessimismo em torno de temas como ruína, desintegração e morte, exprimindo a visão de um mundo caótico.

O abundante vocabulário de Neruda descrevendo vida e chão, personagens,  intenções e a narração, a recompor fatos históricos, se embaraçam num exuberante entrelaçamento de raízes, troncos, galhos, heróis, traidores.

A obra de Neruda é caracterizada por sua universalidade, incorporada em livros como "Residência na terra", "Odes Elementares", "Confesso que vivi", ou ainda nos versos dedicados ao mar, ao tempo, e os poemas como "As alturas de Machu Picchu", com o qual introduziu a história sul-americana. 

Em meados de 1950, Neruda recebeu o Prêmio Lênin da Paz e na década de 1970 foi consagrado com o Prêmio Nobel de Literatura. 

Apesar de ter partido há 47 anos, seus versos continuam atuais. Ele deixou mais do que uma herança intelectual para a literatura latino-americana. As sociedades atuais têm muito a aprender com seu legado. 

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