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domingo, 27 de maio de 2018

Mudança irreversível no Direito

Antonio Carlos Lua

Como disse o filósofo alemão e compositor prussiano do século XIX, Friedrich Nietzsche (1844/1900), “é o futuro que dita a regra do nosso hoje”. A Inteligência Artificial é um reflexo declarado dessa curiosidade e está levando a comunidade jurídica a repensar a atual concepção do Direito – inclusive em suas áreas mais clássicas – abrindo debates profundos sobre a eticidade das relações homem-máquina e suas implicações na atuação dos profissionais da área jurídica e em diversos outros aspectos da sociedade contemporânea.

Na inteligência artificial, os computadores – por intermédio de um software específico – exerce uma atividade cognitiva, ou seja, de contínuo aprendizado no sentido de coletar, processar, pesquisar, analisar semanticamente o conteúdo, compreendendo-o, e realizando tarefas a partir das informações obtidas, classificando e apresentando perspectivas de resultados práticos, como sugestões de ação ou tomada decisões.

O constante desenvolvimento de novas tecnologias desafia os operadores do Direito. Levando-se em consideração que a Ciência Jurídica, pela sua natureza, não é um sistema estático, a Inteligência Artificial abre cada vez mais espaço no campo do Direito com a intensa utilização de tecnologias que desenvolvem até advogados “robôs”, muitos deles já atuando efetivamente em alguns escritórios de advocacia nos Estados Unidos.

Entre os diversos exemplos da utilização da Inteligência Artificial, inclui-se a experiência do Banco JP Morgan – maior instituição financeira dos Estados Unidos – que vem investindo incisivamente no desenvolvimento de novas tecnologias e já possui um “robô”, baseado em uma rede particular, chamado COI (Contract Intelligence), que interpreta acordos de empréstimo comercial e analisa acordos financeiros.

Estima-se que, por meio do mencionado robô são processadas análises que consumiam 360 mil horas de trabalho de advogados por ano, com um índice de erros menor que o apresentado pelo trabalho humano. 

Diante dessa nova realidade, surge a necessidade dos operadores do Direito se debruçarem sobre esta nova realidade, que já está presente em diversas áreas de produção e criação, apontando a necessidade de se discutir uma nova legislação capaz de definir o papel da Inteligência Artificial no ordenamento jurídico brasileiro.

Hoje, podemos encontrar robôs que organizam processos, tirando o trabalho da secretária. Robôs que redigem petições em massa, tirando o trabalho dos estagiários e que encontram correspondentes em vários Estados e Municípios, auxiliando o trabalho dos advogados. Também encontramos robôs que buscam processos antes mesmo da empresa ser notificada, aumentando o tempo para o réu se preparar.

Por fim e mais impactante, encontramos robôs que fazem acordos judiciais em massa, tirando boa parte da receita dos grandes escritórios de advocacia, resolvendo conflitos judiciais em questão de dias e, principalmente, trazendo uma conciliação amigável, prática, rápida e 100% digital, entre empresas e consumidores ou funcionários.

Várias atividades tradicionais estão sendo “engolidas” por esses avanços. Vários postos de trabalhos estão sendo substituídos por aparelhos compostos por metais, que contam com uma incrível inteligência. Em alguns casos, podemos até tirar a grande quantidade de metais e deixarmos apenas a inteligência.

Ampliando a análise para além da seara jurídica, verifica-se que a Inteligência Artificial já está presente também em áreas até pouco tempo inimagináveis, consideradas intocáveis e cobertas de tradicionalismo e glamour.

Na arte, por exemplo, em 2016, com a participação direta do Watson – um sistema de computação cognitiva da IBM com uma estrutura de Inteligência Artificial altamente complexa e poderosa – foi feita a composição da música “Not Easy”.

A participação do IBM Watson se deu com a capacidade da máquina de entender a linguagem natural e identificar padrões e temas a partir de dados não estruturados em milhões de conversas em redes sociais e outras fontes relativas à cultura e à música, com o objetivo de criar uma verdadeira “paisagem” que refletisse o emocional da sociedade.

O sistema da IBM também aprendeu teoria musical, temas utilizados em músicas, padrões de humor e de emoção, para, em seguida, entender como esses aspectos se relacionam uns com os outros e identificar os principais elementos de uma música de sucesso.

Com isso, o produtor musical inglês, Alex da Kid, criou, com a utilização do IBM Watson, a música “Not Easy” e, com seu lançamento, conseguiu figurar pela primeira vez na parada Billboard.

Hoje, Softwares utilizados por pintores, escultores, músicos, fotógrafos, deixam de ser simples ferramentas ou instrumentos, e passam a participar da própria criação. Outrora, por exemplo, um pintor se utilizava de tintas, tela, pinceis (fabricados por terceiros) e com eles criava sua obra.

Nunca houve dúvida de que o que estava na tela era uma obra exclusiva do pintor, independente da qualidade do pincel utilizado. Contudo, a Inteligência Artificial contida nos softwares e algorítimos utilizados por estes mesmos artistas influenciam diretamente na criação da obra, dando toques diferentes daqueles dados pelo artista humano.

Pode-se dizer, assim, que o artista humano se torna um co-autor e sua obra, juntamente com a inteligência artificial contida nos softwares. Deixa de haver, assim, a existência exclusiva do ser humano como artífice de uma obra, pois ele passa a dividir o palco fático com algo que não é uma simples coisa e ao mesmo tempo não é um ser humano clássico – a Inteligência Artificial.

A Lei 9610/98, que trata dos direitos autorais e em vigência no ordenamento brasileiro, já não consegue regular estas criações, pois a atualidade impôs uma realidade jamais prevista pelos legisladores de outrora. Da mesma forma, o Código Civil, ao determinar que somente a pessoa humana tem a capacidade jurídica, capacidade de ser titular de direitos e deveres, não norteia como deve ser o tratamento da Inteligência Artificial.

domingo, 13 de maio de 2018

Revolução silenciosa

Por Antonio Carlos Lua

A hegemonia masculina na advocacia está chegando ao fim. As mulheres encontraram o seu espaço no exercício da profissão e já representam 48,5% dos profissionais de advocacia inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).  

Tratando-se de advogados com até cinco anos de profissão, elas já representam mais de 50% dos profissionais de advocacia. A expectativa é de que mais mulheres sejam aprovadas no Exame da OAB e liderem em números, em pouco tempo, o percentual de profissionais da carreira.

Agora, a advocacia – historicamente dominada pelos homens – está sendo definitivamente conquistada pelo sexo feminino em termos qualitativos. Os registros mais recentes da OAB contabilizam mais de 1 milhão (1.086.011) advogados inscritos no país. Desses, 526.270 mil são do sexo masculino contra 559.741 mil do sexo feminino.

Se na totalidade os homens ainda são maioria na advocacia, nos grandes centros urbanos, na faixa etária dos 21 aos 35 anos, as mulheres já são em maior quantidade, indicando que a participação feminina no futuro da profissão tende a ser ainda mais expressiva.

As mulheres ocupam hoje 34% dos cargos de comando nos setores jurídicos de grandes empresas nas principais cidades do país. Um fenômeno que começa a ocorrer com frequência é a superioridade no número de estagiários de sexo feminino com inscrição nas Seccionais da OAB em relação aos estagiários do sexo masculino. 

Entre os estagiários 52,31% são mulheres e 47,69% são homens, numa clara projeção do cenário futuro da advocacia brasileira. A maior participação das mulheres no universo da advocacia segue o fenômeno atual do mercado de trabalho no Brasil e no mundo, inserindo suas conquistas obtidas arduamente ao longo dos anos.

Em um mercado acirrado e cada vez mais competitivo, todos já reconhecem a importância da parcela feminina na busca de resultados e apostam agora em outras competências essenciais.

Num momento em que ganha força a valorização dos recursos humanos no ambiente de trabalho, as mulheres mostram que se saem melhor, lançando mão de uma eficiente estratégia para garantir seu espaço, com grande habilidade para administrar conflitos e senso de organização mais apurado.

Assim como o mundo e o mercado corporativo, as mulheres passaram a promover uma revolução silenciosa, com as advogadas acompanhando esta tendência e ganhando mais importância na profissão, sobretudo em ações cuja sensibilidade é mais exigida. 

Hoje, elas estão aptas a desenvolver suas atividades em qualquer campo profissional do Direito, pois são mais reflexivas, possuem melhor feeling, se concentram mais e têm boa produtividade no exercício da profissão.

Essa trajetória ascendente da mulher na advocacia e a realidade de sua presença no mundo jurídico simbolizam uma renovação, favorecendo uma profunda reflexão que pode proporcionar efetivas e positivas mudanças na advocacia.

Com base em estatísticas da demografia de gênero dos advogados brasileiros, estima-se que no ano de 2020, o número de mulheres advogadas supere o de homens. 

O dado mostra que a luta pela igualdade de gênero vem sendo uma prioridade entre as mulheres e que muitos homens já percebem a altivez do momento histórico.

A verdade é que a advocacia está realmente se tornando feminina e resta aos homens reconhecer o talento das mulheres, se aliando a essas profissionais que exercem a profissão com inquestionável competência.

Não é casual, portanto, que a representação figurativa da Justiça – a Deusa Thêmis – seja a de uma mulher, indicando argúcia e sensibilidade especiais para militar no complexo mundo do Direito.

domingo, 6 de maio de 2018

A voz global do Direito

Por Antonio Carlos Lua

O Brasil – que tem o mercado jurídico mais concorrido do planeta – possui hoje mais de 1 milhão (1.086.011) de profissionais de advocacia registrados na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O número é expressivo e coloca o Brasil entre os países com maior densidade de advogados em relação à sua população no mundo.

Com a cifra, existe agora um profissional de advocacia para cada 205 brasileiros. Isso significa que 0,5% da população brasileira é formada por advogados, ou seja, a cada mil brasileiros, cinco são advogados. Nos Estados Unidos, a proporção é um advogado a cada 246 pessoas, e no Reino Unido, um a cada 354. 

A densidade de advogados em relação à população varia muito entre os Estados brasileiros, de acordo com as características sociais e econômicas de cada um. O Maranhão tem mais 13.200 advogados aptos a atuar no mercado com registro na OAB, uma proporção de 1,9 profissionais a cada mil habitantes.

A principal razão para o país ter chegado a um número significativo de profissionais na área advocatícia foi o aumento exponencial na quantidade de cursos de Direito, a partir de 1995.

Naquele ano havia apenas 165. Em 2001, já funcionavam 505 faculdades de Direito no Brasil. Em 2017, essa quantidade chegou a impressionantes 1.313 cursos em funcionamento, número superior aos dos Estados Unidos, China e Europa, restando aferir, porém, se o aumento na quantidade de cursos jurídicos no Brasil se reflete, hoje, em qualidade na prestação de serviços advocatícios.

Com essa marca incrível, o país se consagra como a nação com mais cursos de Direito do mundo inteiro. A soma total de faculdades de Direito no mundo chega a 1.100 cursos. Nos Estados Unidos, com uma população de 328,7 milhões de habitantes funcionam 280 cursos de Direito, e no Reino Unido, 95. 

Uma pesquisa desenvolvida pela Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos, sobre o número ideal de advogados em determinados países, aponta que, até certo ponto, a existência de advogados traz efeitos positivos à coletividade, como garantia de direitos e manutenção da ordem social. 

A partir de determinada densidade de profissionais do ramo, contudo, o efeito se torna negativo, pois estimula um comportamento predatório no qual pessoas ou empresas tentam obter, por meio de disputas jurídicas, uma riqueza maior para si sem ter contribuído para gerar essa riqueza. 

O número ideal de advogados de um país – segundo a pesquisa – está relacionado a diversas variáveis, como o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, taxas de criminalidade, nível de educação e duração média de um processo. 

O mercado jurídico brasileiro movimenta a cada ano em torno de R$ 50 bilhões, impulsionado por empresas que recebem até 20 mil processos em um único mês. O setor cresce em torno de 20% anualmente. A Operação Lava Jato, os projetos de reformas e o número crescente de demandas judiciais fazem o mercado crescer ainda mais. 

Para se ter uma noção do potencial deste mercado, no período de 2006 a 2017 o país teve 33 novas leis complementares, 464 medidas provisórias, 2093 leis e 3.221 decretos presidenciais. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou 603 normas diferentes, a Receita Federal, 1209 e o Banco Central, 18.433. Na área agropecuária editaram 75 mil regulamentos. 

É uma média de 30 novidades por dia, sem contar as mudanças estaduais e municipais. No período, o país teve a edição de novas leis que exigiram mais dos profissionais de Direito, como o Novo Código de Processo Civil, Lei Maria da Penha, Lei de Biossegurança, Nova Lei de Falências, Lei Anticorrupção e, em 2017, a mudança na Lei da Terceirização e a Reforma Trabalhista.

De acordo com o levantamento ‘Justiça em Números’, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem 102 milhões de processos ativos. Em outra comparação simples, são 102 processos para cada advogado. 

Além disso, há ainda novas áreas do Direito que registram aumento de demanda, como a tributária, trabalhista e comercial, além daquelas que, embora não sejam tão conhecidas, estão crescendo a cada ano, incluindo o Direito Previdenciário, Direito Desportivo, Direito Eleitoral, Direito Marítimo, Governança Corporativa, entre outras. Tudo isso faz do mercado jurídico uma área promissora para negócios e atuação. 

O grande interesse pelas faculdades de Direito no Brasil está ligado a fatores históricos e profissionais. As escolas de Direito foram o centro de formação da elite política brasileira na República Velha, que durou de 1889 a 1930. Essa proeminência acabou em 1930, com a ascensão ao poder de Getúlio Vargas e, depois, com os presidentes da ditadura militar, que deram mais espaço a graduados em engenharia e economia. 

Os diplomas em Direito, contudo, continuaram sendo vistos como um instrumento para garantir acesso a posições intermediárias na burocracia e obtenção de sucesso no campo financeiro.