Translate

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Os construtores de catedrais

ANTONIO CARLOS LUA

Somos incapazes de voltar no tempo para sermos o que fomos no passado, mesmo que os nossos corações estejam repletos de retornos guarnecendo momentos únicos e transitórios buscando tutelá-los como perenidades incontestáveis.

Essa verdade acerca das finitudes humanas a destinar o tempo transitório aos arrabaldes próprios da memória é a mesma verdade pré-socratiana orientadora de um igual tempo que se faz continuação construtiva em similitudes de um homem feito de seu passado a evoluir nos acréscimos de cada dia.

Então, “se nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”, se nunca atravessamos duas vezes o mesmo rio alterado a cada curso de suas águas e se dias e noites se alternam nos sinuosos bailados da vida em coreografia categórica, o transitório está a nos dizer que tudo passa, tudo passará e que o futuro deve ser agora porque é nele que se reinventam os sonhos na poética refletida a todo instante, trazendo a compreensão de que o tempo que não dura para sempre haverá de ser transformado em melhor.

Esta visão é própria dos construtores de catedrais. Apesar de haverem elas permanecido por dezenas de anos em construção, o decurso do tempo jamais comprometeu o plano arquitetônico original de seus idealizadores. Assim, os construtores de catedrais se sucederam e suas torres construídas para o alto seguem eternas, abertas ao infinito. 

Elas se tornaram históricas e seus protagonistas que passaram deixando importantes legados se renovam continuadamente no tempo com o novo. Imponentes, ricas e plenas de história, as catedrais são, na verdade, construções supremas, provas de fé e tentativas de superação do efêmero. 

Muitas delas demoraram centenas de anos para serem totalmente construídas. Aqueles que as iniciaram tinham consciência que não iriam viver o suficiente para verem as mesmas concluídas, o que se constitui num verdadeiro sentimento de puro amor ao próximo ao iniciarem projetos grandiosos mesmo sabendo que não iriam vê-los em vida.

Hoje, na atual civilização de retorno imediato o gesto dos construtores de catedrais é para muitos algo difícil de compreender, mas é salutar termos consciência de que mesmo que os projetos pelos quais lutamos não sejam concretizados no nosso tempo, a perseverança na luta pelos ideais que defendemos traz uma paz gloriosa para a nossa consciência ao sabermos que dessa forma estamos dando a nossa contribuição na busca incessante por um mundo melhor, mais justo, mais fraterno.

A soma dos díspares

ANTONIO CARLOS LUA

As portas de 2023 se abrem neste domingo (1º de janeiro) quando será celebrada a nossa opção pela democracia como a única forma legítima de representação política a ser exercitada plenamente com a marca distintiva do presidente da República eleito, Luís Inácio Lula da Silva. 

É hora de caminhar, pois há muito o que fazer para a concretização dos nobres valores da nossa Carta Magna Federal, guardiã das liberdades civis e a nossa arma contra as injustiças, o arbítrio, o racismo, o etarismo e a violência em todas as suas formas de manifestação. Essas são dívidas que não prescrevem e serão atentamente observadas pelo presidente Lula. 

É o momento de avançarmos na construção e na definição do destino que a História nos reservou para a reunificação da Nação brasileira, resolvendo problemas políticos para garantir retumbantes vitórias no campo da cidadania.

Como cidadãos e cidadãs incumbe-nos agora a operosa tarefa de construir as pontes entre as forças vivas da Nação, para que por elas transite o consenso nacional em torno da substantivação do ideal constitucional da dignidade da pessoa humana.

Porém, para tal desiderato, o presidente Lula da Silva sabe que não poderá faltar à Nação, em momento tão tormentoso, a determinação e a força da democracia plena diante do absoluto desastre institucional causado pelo seu antecessor. 

Um futuro glorioso pode prosperar, mas diante da delicada quadra histórica na qual estamos mergulhados, é necessário destravarmos, com altruísmo e consenso mínimo, todas as reformas institucionais represadas, garantindo a reunificação democrática da Nação, o que equipara-se ao pensamento do saudoso jurista e extraordinário humanista, Ruy Barbosa, cuja afirmativa transcendental adiciona a ideia de que “a pátria não é ninguém; são todos. E cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo. Pátria é o céu, a terra, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados. Pátria é a comunhão da lei, da língua e da liberdade”.

Vamos manter, portanto, a fé inquebrantável no futuro do Brasil, construindo uma plataforma institucional consistente a ser consensualizada entre o Estado e a Sociedade, acabando o fosso de cinco séculos que separa o Brasil oficial do Brasil real. 

Não há mais como uma sociedade moderna, pujante, responsável por uma das maiores economias do mundo, coabitar com um Estado medieval que até hoje carrega um patrimonialismo imobilizante, há tempos denunciado pelo saudoso jurista Raymundo Faoro, que no livro “Os Donos do Poder” descreveu com acurada precisão as práticas nefastas do patronato político no país contra à sociedade brasileira. 

Não é plausível que em pleno Século XXI a chaga da herança colonial continue determinando o destino do nosso país, onde os interesses antirrepublicanos vem registrando episódios de declínios e retrocessos, criticados por Luís Inácio Lula da Silva cuja meta é construir um Estado forte que tenha força e capacidade de garantir  o desenvolvimento do País, tendo como prioridade melhorias nas áreas de saúde, educação, saneamento. 

A Lula cabe a árdua missão de encontrar caminhos capazes de elevar as taxas de crescimento com a implementação de políticas econômicas para colocar a economia na rota de um crescimento expressivo, reconciliando o país em torno da construção do futuro, com estratégias de curto, médio e longo prazo, recolocando, com ênfase crescente, a economia e a política social no centro da atividade política, mantendo o equilíbrio das contas públicas e garantindo em políticas sociais

terça-feira, 11 de outubro de 2022

As eleições e o decréscimo de participação política


ANTONIO CARLOS LUA

Mesmo com a intensa e acalorada discussão nas redes sociais e com as inquietações que acompanham o processo político num momento de superposições de crises, o número significativo de eleitores ausentes no primeiro turno do pleito 2022 é prova eloquente de que – urbi et orbi’ – tem gente demais desgostosa com o cardápio eleitoral e com o establishment em geral, o que não deixa de ser muito preocupante.

Fenômeno que se caracteriza pelo decréscimo de participação política dos cidadãos no sufrágio – ancorado em votos brancos e votos nulos – a abstenção eleitoral traz consequências conjunturalmente temerárias para o aprendizado institucional democrático, que supõe a extensão máxima do direito ao sufrágio, na expectativa da participação ampla dos cidadãos no processo de escolha de seus representantes. 

Embora o voto em branco e anulação do voto sejam consideradas opções políticas de eleitores que vivenciam de forma consciente o mundo político e querem expressar repúdio às candidaturas que integram a disputa, a abstenção é muito grave e perigosa, pois muitos políticos que já ocupam espaços de poder se beneficiam diretamente dessa ausência cívica. 

Quanto mais o eleitor se afasta do processo eleitoral, mais cresce a proliferação dos maus políticos, com a substancial perda de ação dos bons representantes do povo nos pleitos. 

Apesar de a democracia não se resumir à realização periódica de eleições, o ato de votar exprime um dos momentos supremos de participação política. Isso porque o pleito eleitoral é o pressuposto fundamental do arranjo democrático de uma sociedade política, já que são poucas as formas de participação que envolvam um número tão grande de cidadãos. 

Cientistas políticos de todos os matizes e escolas debruçam-se sobre o elevado índice de abstenção eleitoral no Brasil, que no primeiro turno do pleito de 2022 superou 31 milhões de eleitores aptos a votar, mostrando que as insatisfações permanecem latentes, embora internalizadas de forma recôndita.

É evidente a densa desilusão e desconfiança do cidadão em relação aos políticos, mas o eleitor precisa entender que voto é  condição sine qua non de participação política. Portanto, se afastar, calar e se omitir acaba sendo um contrassenso. 

Com o eleitorado no Brasil crescendo pouco, a uma taxa geométrica média anual de 0,5%, o aumento na abstenção eleitoral diminui os votos válidos. Sob este prisma, a ausência do eleitor às urnas pode ensejar um resultado indesejado, num país estagnado, com a economia atolada, expectativas sociais se esvaindo, a violência aumentando e candidatos menos representativos no campo social.

O corolário é evidente. A melhor maneira de o cidadão expressar suas insatisfações é comparecer ao pleito e votar, escolhendo aqueles que mais reúnem condições de contribuir com o aprimoramento do processo político e para o atendimento das pautas que impulsionam os movimentos sociais.

Estamos cansados de saber que na política, não há espaço que não possa ser aproveitado, explorado ou transformado em vantagem. Não adianta defender a concepção de se abster no sufrágio justificando não existir opção e que não será responsável por quem estará no poder. 

Com essa postura, o eleitor contribui consideravelmente para o alastramento dos “parasitas da política”, colaborando de forma indireta para que eles se estabeleçam por muito tempo no poder. 

sábado, 9 de julho de 2022

A barbárie no receituário neoliberal

ANTONIO CARLOS LUA

Diante de uma crise política sem precedentes, temos agora a tarefa urgente de repensar, com serenidade e lucidez, a experiência do Brasil como Nação, num momento em que o Governo Federal – seguindo o receituário neoliberal – insiste em levar o país ao caminho da barbárie, impondo uma vida medíocre aos brasileiros. 

Esta é uma tarefa básica, fundamental. Temos que nos mobilizar, em vez de ficar ouvindo clichês falsificadores da nossa trajetória no tempo, enquanto as forças populistas reacionárias fragilizam e minam a nossa já combalida democracia, ao dizer uma coisa e fazer outra, num jogo cínico e manipulador, substituindo mentiras antigas por mentiras novas.

Vivemos um momento de extrema saturação na ordem política e econômica a nos dizer que não devemos ficar de braços cruzados. Precisamos repolitizar a legitimidade da democracia no país, o que equivale a restaurá-la, uma vez que o povo perdeu a confiança na República das Medidas Provisórias com práticas políticas cada vez mais em desarmonia com a vontade, aspirações e os interesses existenciais da população.

No lugar da ideia de poder do povo criou-se no Brasil um sistema de governantes e governados, ficando esquecida, por completo, a bandeira da soberania popular, expondo as contradições de um sistema político sem estratégias para resolver impasses em questões de interesse público.

No Brasil, o regime é igualitário, mas a sociedade é desigual. É visível o processo de erosão no falido sistema político vigente no país, tornando-se inadiável no atual cenário um forte projeto de desenvolvimento nacional, trazendo a reforma democrática do Estado, para que o país possa descortinar um novo horizonte civilizatório.

Nesse diapasão, é necessário que o país se liberte da dependência do mercado financeiro imposta pelo rentismo asfixiante de Paulo Guedes, cuja origem remonta à “era dos Fernandos” (Fernando Collor - 1990/1992), e Fernando Henrique Cardoso - 1995/2002), quando os ricos condicionaram o financiamento do Estado deficitário pela desoneração tributária do capital e pela extorsão recompensada por alta taxa de juros a sustentar o jogo da dívida pública. 

O rompimento desse círculo vicioso pressupõe, obviamente, a criação de uma nova maioria política comprometida com a reconfiguração do financiamento do Estado brasileiro, que na atual conjuntura nos impõe um regime despótico, uma tirania, onde as condições sociais de uma elite dominante impedem a perspectiva de esperança da população, num sistema econômico que se distancia cada vez mais da justiça social, deixando 31,1 milhões de pessoas literalmente passando fome.

domingo, 5 de junho de 2022

Bob Dylan: Soprando no Vento

ANTONIO CARLOS LUA

A música de Bob Dylan ‘"Blowin' in the wind" – em tradução literal “Soprando no Vento” – está sempre ligado aos nossos sentimentos, sendo o hino da nossa geração. Afinal, como foi que nossas vozes foram instigadas por um homem de calça jeans que dedilhava um violão? Que respostas a música de Bob Dylan pode dar para o mal dos nossos dias?    

A escritura sagrada nos diz repetidas vezes que o espírito santo se move no vento, sendo uma força mais potente do que qualquer outra. Essa é uma afirmação que o saudoso Papa João Paulo II também fez no dia 27 de setembro de 1997, quando Bob Dylan foi cantar para ele, em Bolonha, na Itália.

Atualmente, um vento malvado está percorrendo o mundo, deslizando-se entre as rachaduras dos nossos corações, chicoteando nossas mentes no fundo dos becos mais sombrios da nossa alma. 

Talvez seja necessário ouvir, agora, a música de Bob Dylan e aceitar a sugestão do Papa Francisco, pedindo que o Espírito Santo direcione o seu rodopio, soprando o vento, suavizando as nossas vozes irregulares, com o ‘Cântico do Irmão Sol’, de Francisco de Assis. 

A referência à Bíblia é uma bússola constante ao longo do caminho criativo de Bob Dylan. Boa parte dos seus primeiros sucessos musicais – a partir da célebre “Blowin' in the Wind” – teve inspiração em passagens dos livros de Ezequiel e Isaías.

O grande código bíblico continua sendo um texto de referência recorrente na sua produção artística. Ele o lê essencialmente como poeta, com o insuperável repertório de metáforas e de parábolas, que é mais uma referência cultural do que pedra angular pessoal.

Em certo ponto da sua trajetória, Bob Dylan passou a praticar a música como um ato de fé, com um carisma capaz de fascinar plateias. A esse respeito, é exemplar a famosa e controversa trilogia cristã, com três álbuns seus gravados entre 1979 e 1981, em um momento particular da sua vida.

Bob Dylan passou vários meses estudando a Palavra de Deus, lançando depois vários discos nos quais não se poupou em cantar a fé em Jesus Cristo. A Bíblia de Bob Dylan é implacável e exige uma fé agarrada a uma rocha sólida, com visão profética. 

Para encontrar canções de sabor bíblico e artisticamente bem-sucedidas, convém voltar o olhar para o Bob Dylan clássico, com a chave de protesto contra a corrida armamentista e o medo de uma terceira guerra mundial que, às vezes, parece iminente.

A conversão de Bob Dylan – que alcançou a glória literária ao receber, em 13 de outubro de 2016, o Prêmio Nobel de Literatura – ocorreu em 17 de novembro de 1978, quando ele estava se apresentando em San Diego e uma pessoa da plateia jogou no palco uma pequena cruz de prata. 

O cantor se inclinou, recolheu e guardou a cruz de prata. Chegando no hotel, após o show, ele remexeu no bolso, encontrou a cruz, colocou a mesma no pescoço e encontrou Jesus. Seguem-se, então, a trilogia gospel, a pregação do Evangelho durante seus shows e o anúncio do Apocalipse em um mundo cada vez mais analfabeto de Deus, com o elemento religioso sendo parte integrante do roteiro que acompanha as grandes rupturas de sua vida.