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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A literatura aliada ao discurso jornalístico

 ANTONIO CARLOS LUA

Até hoje, muitos escritores se perguntam se o jornalismo é, realmente, um fator positivo para a literatura. O que se sabe é que – benéfica ou não – a relação entre ambas as áreas de conhecimento e cultura passou a movimentar, a partir dos séculos XVIII e XIX, algumas redações brasileiras, quando escritores de prestígio iniciaram militância em jornais, descobrindo a força do jornalismo como espaço público. 

Na época, a união entre o jornalismo e a literatura proporcionava um significativo aumento no número de leitores, com muitos escritores conquistando notoriedade à medida em que seus textos literários eram publicados com destaque na imprensa.

Entretanto, o encontro entre jornalismo e literatura não pode ser resumido apenas na atuação de mercado. Temos que considerar também o jornalismo literário, que dá margem a diferentes interpretações sobre seu significado em resenhas e outras ferramentas literárias aliadas ao discurso jornalístico. 

Embora existindo aqueles que tecem fortes críticas sobre obras literárias veiculadas em jornais, há de se admitir que a relação mantida entre o jornalismo e a literatura – independentemente dos posicionamentos assumidos – é profícua.

Machado de Assis, por exemplo, foi um dos escritores que, utilizando-se da imprensa, fez propagar suas ideias escrevendo para jornais, estreitando o foco da observação e análise crítica de seu tempo, conforme exigia a natureza das suas crônicas semanais em jornais como “Diário do Rio de Janeiro”, “Correio Mercantil”, “A Marmota” e tantos outros periódicos. 

Unindo literatura e jornalismo em suas crônicas, Machado de Assis fez algo que, para a imprensa, significou mais do que união em texto, crítica literária ou publicação de resenhas. Assim, ele guiou a literatura e elevou a qualidade da imprensa, fazendo do jornal um aparato máximo de uma revolução do conhecimento, o que ele definia como “democracia prática pela inteligência”. 

O período de estabilidade, declínio e queda do Império brasileiro foi marcado pelo jornalismo literário, crítico e sutil de Machado de Assis, que transformou um público de cultura de comunicação oral em leitores assíduos de jornais, abrindo uma oportunidade rara para jornalistas, num país com poucos leitores. 

Naquele período, o alto índice de analfabetismo — 84% — diagnosticado pelo Império ofereceu margem para que o cronista afirmasse categoricamente que “a opinião pública era uma metáfora sem base”.

Embora tenha se consagrado como romancista e contista, ilustrando a galeria dos grandes nomes da literatura brasileira, Machado de Assis exerceu grande influência na configuração e legitimação social do jornalismo no Brasil. 

Homem de seu tempo, ele esteve vigorosamente envolvido com as questões que mobilizavam o jornalismo, levando o público oitocentista a tornar-se um leitor habituado a pensar e refletir. 

Ele fez do jornalismo sua prática de ação política, ora se empolgando com a dialética do esclarecimento prometida pelo ideal da imprensa, ora reprovando editoriais que enalteciam aspectos hegemônicos de uma sociedade escravocrata. Convicto entusiasta do jornalismo, acreditava no poder revolucionário da imprensa num país marcado pela escravidão.

O papel da imprensa e os seus limites éticos, que buscam o equilíbrio entre a liberdade de informar e a responsabilidade no exercício profissional, apareciam com bastante frequência nas crônicas de Machado de Assis. 

No jornal “Gazeta de Holanda”, em 1887 – época em que escravos só eram citados nos anúncios publicitários de venda ou como recompensa para aquele que o entregasse ao senhor – Machado de Assis teve a coragem de dar voz, em uma de suas crônicas, a um escravo de ganho – Pai Silvério – principal alvo nos debates que antecederam a Abolição da Escravatura.

Nas crônicas intituladas “O Jornal e o Livro”, “O Folhetinista” e “A reforma de jornal”, publicadas em 1859, ele mostrou que como afrodescendente não foi indiferente ao drama dos seus semelhantes, acreditando no poder revolucionário da imprensa contra a escravidão, ao analfabetismo e à rede nefasta de privilégios provenientes de uma sociedade com estrutura típica do sistema feudal.

Machado de Assis realizou, à sua maneira, um fazer jornalístico marcado pela etalinguagem e pela reflexão crítica acerca da profissão, práticas que o tornaram – além de excepcional romancista e cronista – uma referência na imprensa brasileira do Século XIX.

Verdadeiro repórter na execução dos registros jornalísticos dos fatos, ele definia os jornais como “literatura cotidiana”, uma “reprodução diária do espírito do povo” e, em algumas ocasiões, como a “república do pensamento”, revelando a figura do jornalista destemido, que não mede esforços para trazer a verdade dos fatos à tona. 

Machado de Assis defendia que o jornalista deveria registrar o cotidiano, tornando explícitas as suas marcas interpretativas, submetendo os polos do poder ao olhar atento da sociedade civil, sendo um ativo defensor de mudanças na realidade do país.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Os limites de tolerância da biosfera


ANTONIO CARLOS LUA

Se a temperatura continuar subindo no ritmo acelerado das últimas décadas, o impacto do aquecimento global será desastroso e poderá levar ao colapso da civilização e à 6ª extinção em massa das espécies. Caminhamos para uma situação inédita nos últimos 5 milhões de anos. A Terra está sob ameaça. O tempo é curto para evitar o pior. Sem uma ampla rede ecológica não haverá mais vida evoluída no Planeta. Sem estabilidade climática o céu pode se tornar um inferno. 

Não existe futuro para a humanidade se o planeta se tornar uma “Terra estufa”. Poderemos ter o mesmo destino dos dinossauros se não fizermos uma séria autocritica e um rápido redirecionamento do modelo de produção e consumo hegemônico.

Para uma civilização cujo desenvolvimento é medido em milênios, 20 anos é um período que não representa praticamente nada. Certamente, não deveria ser suficiente para devorar um planeta inteiro, mas, infelizmente, é para isso que estamos caminhando. As previsões de cientistas não são nada animadoras para a humanidade. No espaço de uma ou duas gerações poderemos tomar o caminho da autodestruição. 

As atividades humanas estão destruindo os ecossistemas, conduzindo a própria humanidade a uma crise global, sem precedentes. Estamos provocando um dano irreversível ao planeta Terra. Com mais um passo errado atingiremos os limites de tolerância da biosfera. Para evitar o colapso do sistema Terra – com o ser humano incluído – será necessário uma mudança drástica na gestão dos recursos terrestres.

Não é um alarmismo com viés catastrófico-ficcional. Vários cientistas norte-americanos e europeus – inclusive ganhadores do prêmio Nobel – alertam sobre os sinais claros de que estamos seguindo ladeira abaixo, rumo a um percurso insustentável. Estudos recentes registram progressos na redução de compostos químicos responsáveis pelo buraco de ozônio, no aumento da produção de energia a partir de fontes renováveis, no declínio da fertilidade e da taxa de desmatamento, que passou de 0,18% para 0,08%. 

É grave a situação dos recursos hídricos ‘per capita’, que diminuíram em 26%, desde o ano de 1992. Isso significa que em algum lugar alguém provavelmente ficou sem água. Continuam a diminuir os estoques de pescado, embora o ‘boom’ da aquicultura tenha dado algum fôlego para os oceanos. Aumentam dramaticamente, as "zonas mortas" marinhas.

Milhares de quilômetros de costa tornaram-se estéreis pelo afluxo de poluentes originados pelo setor agropecuário, como, por exemplo, os fertilizantes para a agricultura.  

Hoje, estamos derrubando menos árvores, mas ainda assim perdemos 122 milhões de hectares de florestas em 25 anos, dizendo um não a um dos melhores seguros contra o aquecimento global. Disso decorre – segundo especialistas – o problema da atmosfera, aquecida por emissões de gases de efeito estufa que aumentaram implacavelmente em 62% em vinte anos. Tudo isso causou um aumento na temperatura média global na Terra na margem 167%, e repercute sobre nossos coinquilinos do reino animal. Desde 1992, perdemos mais de 29% das espécies, entre mamíferos, anfíbios, répteis, peixes e aves.

Os cientistas insistem em dizer que para superar essa longa descida rumo ao colapso é crucial a redução da taxa de crescimento da população humana, que aumentou em dois bilhões em 25 anos, equivalente a um aumento de 35%. O último relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que o mundo tem menos de 12 anos para evitar um colapso ecológico, pois para que a meta mais ambiciosa de 1,5°C seja atingida, as emissões de gases de efeito estufa pelas atividades antrópicas teriam que ser reduzidas em cerca de 45% até 2030, chegando a zero por volta de 2050.

Se o aquecimento global continuar no ritmo atual, a civilização estará no rumo de uma catástrofe. E o mais grave é que a autodestruição humana pode levar junto milhões de espécies que nada tem a ver com os erros egoísticos dos seres que se julgam superiores e os mais inteligentes. A humanidade pode estar rumando para o suicídio, podendo também gerar um ecocídio e um holocausto biológico de proporções épicas. Há uma luta contra a natureza. 

Desde que entrou na Modernidade, o homem imagina ser o proprietário do Planeta deflagrando uma guerra contra a vida. Quem destrói a natureza destrói a si mesmo. É como cortar o galho da árvore sobre o qual estamos sentados. Não temos outro Planeta para emigrar. 

Apenas este nos foi dado. Vivemos em uma casa de vidro, e, em uma casa de vidro, antes de atirar pedras, é preciso pensar bem. Temos que frear a mudança climática. Se assim não fizermos tornaremos a Terra uma enorme pilha de escombros, desertos e lixo. Até 2050, calcula-se que até 700 milhões de pessoas tenham sido deslocadas devido a questões ligadas a recursos terrestres escassos. 

O número pode chegar a 10 bilhões até o final deste século.A última vez que a temperatura ultrapassou os 2º C, no Planeta, foi no período Eemiano (há cerca de 120 mil anos). Tudo indica que a temperatura no Século XXI vai ultrapassar os 2º C em relação ao período pré-industrial. Os prejuízos poderão ser incalculáveis.

Das paixões às heresias

ANTONIO CARLOS LUA

O Brasil está em festa. É carnaval, uma das maiores manifestações populares do País e do mundo. Sua origem é objeto de controvérsias até hoje. Ela tem sido atribuída à sobrevivência e evolução do culto de Ísis, das bacanais, lupercais e saturnais romanas, das festas em homenagem a Dionisio, na Grécia e até mesmo das festas dos inocentes e dos doidos, na Idade Média.

Curiosamente, um dos símbolos do carnaval – o Momo – está ligado ao Deus Baco e à Grécia arcaica. Para a maioria dos historiadores, o Carnaval teria começado quando Pisistráto oficializa o culto a Dionisio na Grécia, no século VII (antes de Cristo), e termina quando a Igreja Católica adota a festa em 590 (depois de Cristo).

Alguns pesquisadores contam que o primeiro foco de concentração carnavalesca se localizava no Egito. A festa era nada mais que dança e cantoria em volta de fogueiras. Os foliões usavam máscaras e disfarces simbolizando a inexistência de classes sociais.

A tradição se espalhou depois pela Grécia e Roma, entre o século VII (antes de Cristo) e VI (depois de Cristo). A separação da sociedade em classes fazia com que houvesse a necessidade de válvulas de escape. É nessa época que sexo e bebidas se fazem presentes na festa.

Em seguida, o Carnaval chega em Veneza para, então, se espalhar pelo mundo. Diz-se que foi lá que a festa tomou as características atuais: máscaras, fantasias, carros alegóricos, desfiles.

O Carnaval Cristão passa a existir quando a Igreja Católica oficializa a festa, em 590 (depois de Cristo). Antes, a instituição condenava a festa por seu caráter “pecaminoso”. No entanto, as autoridades eclesiásticas da época resolveram não mais proibir o Carnaval.

Foi então que houve a imposição de cerimônias oficiais sérias para conter a libertinagem. Mas esse tipo de festa batia de frente com a principal característica do Carnaval: o riso, a brincadeira.

Dizem que o Carnaval começou no Brasil, em 1723, com a chegada de portugueses das Ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde. Na época, possuía o nome de "entrudo" – uma espécie de introdução à Quaresma.

Quando chegou ao País, a festa estava recheada de brincadeiras de mau-gosto. Atiravam-se objetos com substâncias mal cheirosas nas pessoas, que eram molhadas nas ruas e em suas próprias casas, mesmo sendo idosas ou estando doentes.

Em 1853, a festa começou a ser reprimida pelos policias e segregada entre os participantes, em carnaval de salão (com brancos ricos) e o carnaval de rua (com pobres e negros). A festa de Entrudo não era de acesso às pessoas em geral, pois as regras da época diziam que não eram todos os habitantes que possuíam moral para frequentar os bailes.

Com essa regra, as próprias autoridades policiais começaram a estimular o Carnaval de rua com todos mascarados e fantasiados. E assim, os grandes bailes e grupos de Carnaval começaram a ganhar força, sendo o pontapé inicial para o carnaval que temos hoje.

À medida que o Carnaval de rua ganhava força entre as camadas populares iam surgindo grupos organizados, que faziam questão de sair pelas ruas da cidade chamando para a festa – que ainda era muito ligada ao Carnaval que era feito na Europa.

Aos poucos, as pessoas começavam a encarar o Carnaval como uma referência festiva, tanto que em 1882 as casas comerciais começaram a fechar as portas na terça-feira gorda, principal dia da festa. Assim como a origem do Carnaval, as raízes do termo também têm se constituído em objeto de discussão. Para uns, o vocábulo advém da expressão latina "carrum novalis" (carro naval), que quer dizer uma espécie de carro alegórico em forma de barco, com o qual os romanos inauguravam suas comemorações.

Para outros, a palavra seria derivada da expressão do latim “carnem levare”, modificada depois para “carne, vale!” (adeus, carne!), palavra que teve sua origem entre os séculos XI e XII que designava a quarta-feira de cinzas e anunciava a supressão da carne devido à Quaresma.

Apesar de não sabermos qual foi a verdadeira origem do Carnaval, o certo é que a dança, os festejos, os cânticos e a celebração, sempre estiveram presentes na vida e na evolução dos homens e das sociedades.