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domingo, 1 de julho de 2018

Guerra pela água


Por Antonio Carlos Lua

Solucionar a questão hídrica utilizando o arsenal jurídico que regulamenta a política de sustentabilidade é hoje o maior desafio do Direito Ambiental no Brasil, onde a disputa pela água tornou-se uma categoria de conflitos que cresce vertiginosamente, num cenário de estresse híbrido, má gestão e desmatamento de matas ciliares, que preservam aquíferos.

O Brasil detém 12% da água potável do mundo e sempre foi apontado como uma das regiões do mundo com menos riscos de falta do precioso bem natural. Com 26% da água doce de superfície concentrada no território amazônico, o país é considerado a grande reserva do Planeta para os próximos mil anos. 

Porém, com a perspectiva da escassez hídrica afetar dois terços do mundo até 2050, o país tem que se mobilizar para criar as condições ideais para que o Século XXI não seja marcado por conflitos violentos em torno da água, um recurso finito e vulnerável, essencial para a manutenção da vida.

O cenário não é favorável e a abundância de água pode tornar-se uma ilusão no Brasil, que é o quarto maior exportador de águas virtuais do mundo. O país envia cerca de 112 trilhões de litros de água doce ao exterior em contêineres abarrotados de carne bovina, soja, açúcar, café, entre outros produtos agrícolas, que levam embutido um insumo invisível, cujo valor ultrapassa cálculos estritamente econômicos.

A exportação de águas virtuais – ainda que indiretamente – tende a crescer com a escassez global e o número de conflitos pela água quadruplicando com o péssimo gerenciamento das fontes hídricas, cuja escassez deverá afetar, até 2050, dois terços do mundo. 

Ao lado do petróleo, a água é o mais estratégico dos recursos. Mas, ao contrário do primeiro, ela não possui formas alternativas, sendo imprescindível para o funcionamento das sociedades. Quase 1,5 bilhão de pessoas não tem água potável no mundo, o que faz com que ela seja vista como um tesouro em razão de sua baixa disponibilidade. 

Ao longo da história, os recursos hídricos sempre motivaram disputas. No entanto, o que foi algo em menor grau no passado tornou-se a grande tônica do Século XXI, com um número sem precedentes de disputas generalizadas, envolvendo até mesmo o contrabando de água na Amazônia, fato que foi denunciado pela revista jurídica Consulex. 

Navios-tanque estariam retirando sorrateiramente água do Rio Amazonas, com captação no ponto em que ele deságua no Oceano Atlântico. Estima-se que cada embarcação seja abastecida com 250 milhões de litros de água doce, para engarrafamento na Europa e Oriente Médio. É mais barato tratar águas usurpadas (US$ 0,80 o metro cúbico) do que realizar a dessalinização das águas oceânicas (US$ 1,50).

Bolsas de água são introduzidas no transporte transatlântico no Rio Amazonas. O tamanho dessas bolsas excede ao de muitos navios juntos. A capacidade dos navios-tanques é superior à dos superpetroleiros. As bolsas podem ser projetadas de acordo com necessidade e a quantidade de água e puxadas por embarcações rebocadoras.

A captação é feita na foz do Rio Amazonas ou já dentro do curso de água doce. Somente o local do deságue do rio no Atlântico tem 320 km de extensão e fica dentro do território do Amapá. 

A previsão é de que num período entre 100 e 150 anos, as guerras sejam motivadas pela detenção dos recursos hídricos utilizáveis no consumo humano e em suas diversas atividades, com a agricultura. 

Ou seja, a importância deste reduto natural poderá ser, num futuro próximo, sinônimo de riscos à soberania dos territórios panamazônicos. Isso significa dizer que o Brasil seria um alvo prioritário numa eventual tentativa de se internacionalizar esses recursos, como já ocorre no caso das patentes de produtos derivados de espécies amazônicas. 

As águas amazônicas representam 68% de todo volume hídrico existente no Brasil. Sua importância para o futuro da humanidade é fundamental. Entre 1970 e 1995 a quantidade de água disponível para cada habitante do mundo caiu 37% em todo mundo e, atualmente, cerca de 1,4 bilhão de pessoas não têm acesso à água limpa. Hoje, somente o Rio Amazonas e o Rio Congo, na África, podem ser qualificados como limpos.

As disputas pela água envolvendo nações e civilizações são antigas. O primeiro conflito envolvendo o uso da água que se tem notícia ocorreu há cerca de 4.500 anos em duas cidades-estados da Mesopotâmia – Umma e Lagash – que disputavam áreas que abrangiam os rios Tigre e Eufrates para irrigação. Esses mesmos rios protagonizam uma tensão entre Turquia, Iraque e Síria.

Recentemente, a disputa pela água vem encontrando atuações até de grupos terroristas. No Iraque e na Síria, o Estado Islâmico vem atuando no sentido de tentar controlar algumas fontes de água, pois sabe que isso lhe dará uma maior vantagem em termos geopolíticos e bélicos. Com o controle da água – principalmente no caso do Iraque –, torna-se completamente possível impor várias sanções e estabelecer um amplo controle da área.

Em 1967, durante a ‘Guerra dos Seis Dias’, o Estado de Israel, então recém-criado, expandiu suas fronteiras e ocupou várias áreas de países adjacentes no Oriente Médio. Uma delas, as Colinas de Golã – então pertencentes à Síria –, além de apresentarem uma posição geográfica estratégica, abrangendo as nascentes do Rio Jordão, muito utilizado para a irrigação no local. 

Israel, inclusive, controla os recursos hídricos subterrâneos em suas áreas e na Cisjordânia, sendo frenquentemente acusado de impedir que os palestinos utilizem os mesmos em uma articulação notadamente estratégica. Vale lembrar que Israel, Jordânia e Palestina reúnem 5% da população mundial e apenas 1% das reservas hídricas.

Na África, tensões e conflitos acontecem em torno da posse e controle de recursos hídricos. Na bacia do Rio Nilo, há uma disputa por sua maior utilização por parte de Egito, Etiópia, Uganda e Sudão, o que pode transformar-se em um conflito generalizado de graves impactos caso acordos não sejam celebrados. O mesmo caso acontece com a bacia do rio Okavango, que abrange áreas territoriais de Angola, Botswana e Namíbia.

No continente africano, 44 milhões de pessoas que vivem em áreas urbanas não têm acesso à água. Das que vivem em zonas rurais, 53% (256 milhões) não contam com serviços de abastecimento de água. No total, 62% dos africanos não têm água. No que se refere a saneamento, 46 milhões não contam com este serviço nas zonas urbanas e 267 milhões na área rural. Ao todo, são 313 milhões sem infraestrutura de saneamento.

Na América Latina, 78 milhões de pessoas não têm acesso à água, o que corresponde a 15% da população. Em saneamento, a carência de serviço atinge 22% da população e 51% dos moradores rurais. Ao todo 117 milhões de latinoamericanos e caribenhos não têm acesso a serviços de saneamento.

A água ocupa 70% (cerca de ¾) da superfície da Terra. A maior parte, 97%, é salgada. Apenas 3% do total é água doce e, desses, 0,01% vai para os rios, ficando disponível para uso. O restante está em geleiras, icebergs e em subsolos muito profundos. Ou seja, o que pode ser potencialmente consumido é uma pequena fração.

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