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domingo, 27 de janeiro de 2019

Muros do medo


Antonio Carlos Lua

Durante uma entrevista coletiva com jornalistas o Papa Francisco foi questionado por um repórter sobre a construção do muro fronteiriço que Donald Trump insiste em construir entre os Estados Unidos e o México, para impedir a entrada de imigrantes. “O muro entra no mar, para que ninguém consiga passar nem a nado”, comentou o jornalista. O Papa respondeu: “É o medo que enlouquece. São os muros do medo”. 

O Sumo Pontífice – que já tinha visto o projeto do muro que ia até o oceano, logo depois acrescentou: “A marca mais vendida atualmente em nosso mundo é, de fato, o medo. Ele recebe audiência. Recebe votos. Gera cliques”. 

O Papa Francisco sempre defendeu "construir pontes e não muros" e já afirmou inúmeras vezes que não é cristão quem constrói barreiras para dividir os povos. 

“Construtores de muros semeiam o medo e procuram dividir e restringir as pessoas", assinalou o primeiro Papa oriundo da América Latina e filho de imigrantes italianos, que tem colocado a questão da imigração entre os temas centrais do seu pontificado, se posicionado contra as “barreiras de separação” que proliferam no mundo, caracterizando uma brutal arquitetura da vergonha.

Em geral, os Papas relutam a se pronunciar sobre disputas políticas externas, mas Francisco não é apenas mais um. Ele tem afeição pelos imigrantes. 

A sua primeira viagem como Papa teve como destino a ilha no sul da Itália chamada Lampedusa, onde o religioso lançou uma coroa de flores no mar para celebrar as 20 mil pessoas que, acredita-se, morreram na tentativa de fazer a travessia do norte da África para a Europa durante as duas últimas décadas. Na ocasião, ele falou sobre aquilo que chamou de “globalização da indiferença”. 

Desde o início do seu pontificado, Francisco vem sendo um Papa do evangelho social, tornando equivalentes prioridades como a diminuição da pobreza, a resolução de conflitos, o tráfico humano, bem como os direitos dos imigrantes. 

O seu objetivo parece expandir a noção do que vale como uma questão “pró-vida”, ou seja, uma questão em que a dignidade humana está em jogo e onde a Igreja se obriga a responder. 

Seu gesto simboliza um grande exemplo para a humanidade, pois mais de um quarto de século depois da queda do Muro de Berlim – símbolo da Guerra Fria – ainda persiste, espalhada pelo mundo, uma série de fronteiras muradas construídas para separar povos. 

Enquanto isso, na contramão da história, os apologistas do neoliberalismo não se cansam de glorificar os méritos da globalização com um discurso maniqueísta e perverso amplificado pelo sistema midiático, que constrói permanentemente a política do medo, efetuando associações diretas entre a figura do imigrante e do refugiado à violência e ao terror.

Frustrando as esperanças de um mundo sem as sequelas da segregação, o Velho Continente parece mais decidido do que nunca a blindar seu território soberano. 

Baseando-se em estereótipos discriminatórios e tendenciosos, os países europeus estabelecem marcadores geográficos para repelir os indesejáveis, construindo muros que crescem por todo lado, formando uma imensa barreira. 

São muros de pedra, arame farpado, concreto. Muros por terra, mar e ar. Muros do medo, que nem sequer se veem, mas se fazem notar. 

A obsessão da Europa em se fortalecer e evitar a chegada massiva de imigrantes se materializa na construção de cerca de 1.000 quilômetros de barreiras físicas e virtuais, fomentando-se as bases da "Europa Fortaleza”, que passou de dois muros na década de 1990 para uma quinzena deles na escalada da estratégia de blindagem do continente. 

Nos últimos três anos, foram erguidas sete novas barreiras. Quase a metade dos 28 estados-membros da União Europeia reforçaram suas delimitações territoriais: Espanha, Grécia, Hungria, Bulgária, Áustria, Eslovênia, Reino Unido, Letônia, Estônia e Lituânia. A essa lista se soma a Noruega, fora da organização comunitária, mas membro do espaço Schengen. 

Na bancada, destacam-se ainda a Espanha e a Hungria, que levantaram muros para controlar migrações, assim como a Áustria e o Reino Unido, que delimitaram o espaço em suas fronteiras compartilhadas com países do espaço Schengen. A Eslováquia também optou por esta medida, no seu caso com fins de segregação racial. 

No contexto dessa exuberância defensiva devem ser contabilizadas também as barreiras marítimas, especialmente no Mediterrâneo. 

Para culminar a contagem da logística ultraprotetora, temos os muros mentais, aqueles que não podem ser apreciados, mas vão silenciando o imaginário coletivo nas costas da narrativa do medo difundidas pelos partidos de extrema direita. 

Formações políticas em ascensão apontam os imigrantes como ameaças potenciais para o equilíbrio e o bem-estar futuro das sociedades nativas. 

Já são dez os Estados da União Europeia que têm partidos xenófobos com presença representativa no panorama político local, o que lhes garantiu no mínimo meio milhão de votos em pleitos eleitorais nos últimos oito anos. 

Na sequência desta tendência, justifica-se a aparição de programas de restrição da circulação de pessoas e daqueles que se centram no recolhimento de dados biométricos pelo centro europeu de controle de impressões digitais para identificar os solicitantes de abrigo e os imigrantes irregulares, e que é utilizada no estabelecimento de pautas e padrões dos movimentos de pessoas. 

Aumentam as suspeitas sobre o recém-chegado, o desconhecido, que neste cenário passa a se converter em uma ameaça, legitimando-se, assim, uma série de obstáculos sociais, políticos e físicos acoplados a uma engrenagem de políticas xenófobas, que consolidam problemas estruturais de violência global e desigualdade econômica. 

Manipula-se a opinião pública para criar temor e receios irracionais em relação às pessoas refugiadas e se estabelecem, assim, muros mentais nas pessoas que, mais adiante, exigirão a construção de muros físicos.

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