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sexta-feira, 8 de março de 2024

O desafio de modernizar o Código Civil

ANTONIO CARLOS LUA

Elaborado para adequar a legislação à evolução da sociedade e ao texto constitucional de 1988, o atual Código Civil passa, no momento, por uma nova reforma no Congresso Nacional, onde estão sendo feitas alterações em grande parte de sua essência e de sua estrutura, para inserção de mudanças sinalizadoras de uma nova época.

A última reforma do Código Civil ocorreu em 2002, modificando o texto original de 1916, cujo trabalho de elaboração coube ao jurista cearense e professor da faculdade de Direito de Recife, Clóvis Beviláqua.

Os textos do Código de 1916 e de 2002, que tratam da codificação das leis civis, foram movidos por ideias jurídicas distintas. Projetado para uma sociedade rural e patriarcalista, o Código de 1916 tinha um espírito fortemente individualista, baseando-se nos princípios liberais clássicos da propriedade privada quase que absoluta e na autonomia privada irrestrita.

Na seara do Direito de Família, a legislação colocava o homem em posição de preponderância em relação à mulher, consagrando a família constituída pelo casamento como a única a merecer proteção do Estado. Em função disso, não tardou em envelhecer, diante de fenômenos como a urbanização, a emancipação da mulher e a sociedade de massas.

Ao contrário da legislação de 1916 – que se revestia de uma visão com forte dose de conservadorismo – o Código Civil de 2002 priorizou os avanços da ciência e da tecnologia para reger as relações sociais numa estrutura cultural marcada por novos valores. Responsável pela sua elaboração, o jurista Miguel Reale procurou trazer uma legislação mais permeável às mudanças, levando em consideração as relações da vida em sociedade. 

O Código de 2002 trouxe mais de dois mil artigos que alteraram questões centrais da vida da população. Mesmo assim, sofre, até hoje, muitas críticas. Antes de entrar em vigor, ele passou 26 anos tramitando no Parlamento Federal. 

Enquanto o projeto dormia nas gavetas do Congresso Nacional, o velho Código de 1916 permanecia em vigor e o legislador começou a criar microssistemas protetivos para a mulher, para a criança, adolescente e para o consumidor. 

Na fase de elaboração, muitas emendas foram feitas a fim de adequá-lo ao texto constitucional. Apesar do longo tempo de tramitação legislativa, o texto conseguiu eliminar muitas ideias ultrapassadas.

Assim como a Carta Magna de 1988, o atual Código Civil em vigência foi concebido sob a terceira geração dos Direitos Humanos, ou seja, valorizando a dignidade da pessoa humana e a solidariedade que deve estar presente na sociedade contemporânea massificada. 

Trata-se de uma lei que soube explorar as chamadas cláusulas gerais, como a função social, os bons costumes e a boa-fé, entre outras questões que careciam de conceituação estática e definida. Dessa forma, promoveu uma renovação doutrinária e jurisprudencial, com destaque para a grande quantidade de obras e estudos publicados acerca das inovações apresentadas. 

Malgrado algumas imperfeições, o Código Civil de 2002 representou um notável avanço para as instituições civis. Diversos novos institutos foram inaugurados com a legislação. 

No âmbito dos contratos, importantes inovações surgiram com a previsão de regras gerais, notadamente aquelas que consagram os princípios da função social e da boa-fé objetiva (artigos. 421 e 422), as que regem o contrato preliminar e as que inserem no seu bojo o instituto da resolução por onerosidade excessiva.

Mesmo com alguns avanços, há quem aponte defeitos no Código Civil de 2022, considerando o mesmo anacrônico, revelando uma sociedade que não mais existe. Vários juristas o taxam de “desatualizado” com um texto muito confuso, pouco linear, sendo apenas uma cópia reciclada do Código de 1916. 

Mas as críticas não se voltam apenas ao Código Civil de 2002. Elas também são dirigidas à nova proposta em discussão no Congresso Nacional, classificada por alguns juristas como “bomba ideológica” por alterar radicalmente os conceitos de família na legislação. 

Diante disso, é necessário que as mudanças a serem efetivadas pelo Congresso Nacional na reforma do Código Civil sejam antecedidas de uma abordagem cautelosa, trazendo consigo incontroverso caráter humanista, almejando a proteção dos interesses socialmente relevantes da personalidade humana, considerando as transformações sociais, a expansão das leis especiais e a legalidade constitucional, que impõem uma mudança significativa em relação aos objetivos da codificação civil.

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