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sábado, 18 de maio de 2024

Negacionismo climático




ANTONIO CARLOS LUA

Estão em curso duas grandes guerras no planeta. A primeira, a dos homens contra os próprios homens. A segunda, a dos homens contra a natureza. Embora sejam aparentemente diferentes e combatidas com armas diferentes, elas estão reunidas sob o mesmo objetivo: o domínio. 

A guerra dos homens contra os próprios homens acontece de modo semelhante ao passado. A diferença está nas armas utilizadas. Agora, além das armas de fogo, existem também as armas financeiras poderosas, capazes de colocar povos de joelhos, fazê-los passar fome sem derramar sangue.

Já a guerra do homem contra a natureza começou quando ele entrou na modernidade e imaginou ser o proprietário do planeta, cortando o galho da árvore sobre o qual está sentado, esquecendo que a natureza não é infinita e tem limites que estão a ponto de serem superados com as ações de grande impacto ambiental como a derrubada das florestas para a expansão da criação de gado, o cultivo em larga escala de soja, milho, eucalipto, fatores que formaram a tempestade perfeita para o que acontece hoje no Rio Grande do Sul.

As alterações radicais do Código Ambiental são cúmplices da devastadora catástrofe que afeta o Rio Grande do Sul, região com o menor índice de conservação de todos os biomas brasileiros, onde os eventos climáticos extremos que causam hoje uma tragédia que já vinham, há tempos, sendo anunciados. 

Tudo está interligado em nossa Casa Comum. Por isso, é preciso sabedoria para ler os sinais dos tempos. Desde a década de 1970, cientistas nos avisavam que o Aquecimento Global produziria impactos inimagináveis nos seres vivos e no planeta. E que era preciso mudar os rumos de uma civilização baseada na queima de combustíveis fósseis e na devastação do meio ambiente. 

A ciência e a sabedoria dos povos nos dizem que fenômenos iguais aos que destroem o Rio Grande do Sul vão se repetir, cada vez mais, com maior intensidade, se não atuarmos decididamente nas causas dos problemas socioambientais, num momento em que vivemos uma realidade escamoteada pela voracidade das demandas de acumulação do capital, que se sustentam na firme e dogmática crença no poder todo-poderoso e da exploração excessiva de recursos naturais. 

Diante da envelhecida visão de dominação e exploração – sustentada no divórcio profundo entre a economia e a natureza – surgem, há tempos, no nosso horizonte, várias mensagens de alerta, diante dos crescentes problemas climáticos que massacram hoje o Rio Grande do Sul, que está entre os Estados mais ricos do país.

Os fenômenos climáticos na região sul do país mostram que os limites da natureza estão sendo aceleradamente ultrapassados com o nosso estilo de vida antropocêntrico, exigindo uma nova ética que nos faça entender que não somos Deus e que a natureza foi chamada de Gaia – deusa grega primordial da potência da Terra – por ser um gigantesco organismo responsável pelo cordão umbilical da vida no planeta.

Não podemos continuar aniquilando a natureza com o progresso modernizante pelo qual plantas, animais e escravos humanos são literalmente consumidos para aumentar a energia para as classes dominantes e impérios, mostrando um homem incoerente e arrogante, nos levando a perder, aproximadamente, 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa, entre os anos de 1998 e 2022.

Os eventos extremos que massacram a população do Rio Grande do Sul são parte de um processo incontrolável que atingirá o todo o planeta, de formas variadas. A mitigação dos efeitos de catástrofes nessa dimensão depende de uma série de medidas que deveriam ser adotadas com urgência e com mais pragmatismo. Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, a ciência alerta claramente à sociedade sobre os riscos e os perigos das mudanças climáticas globais. 

Mesmo assim, cinco décadas se passaram sem que nenhuma medida significativa fosse adotada para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, o que vem evidenciar que uma sociedade insensível tenta a todo custo prosperar vilipendiando a natureza e a história de um planeta que já existe há mais de quatro bilhões de anos. Com tanto massacre à natureza, a Terra viva – que entrou em ebulição – começa a reagir enviando vírus, bactérias, tufões e tempestades rigorosas, além de aumentar, significativamente, a temperatura natural. 

O pior de tudo é que a ciência despertou tarde demais diante da mudança climática e não poderá mais evitá-la. Agora, ela pode apenas advertir sobre a chegada de eventos extremos e tentar mitigar seus efeitos danosos. Nossa existência está ameaçada. Esse é o preço de nossa irresponsabilidade, desumanidade e descuido com a natureza. Iniciamos um perigoso caminho sem volta. 

Como disse Gandhi, “a natureza pode suprir todas as necessidades da humanidade, menos a sua ganância”. Tudo isso nos indica que estamos colhendo o que plantamos. O pior é que as piores consequências recaem sempre na conta dos mais vulneráveis. Não podemos ficar eternamente pregando caixões, como nas tragédias de Petrópolis, Teresópolis, Rio de Janeiro, em São Sebastião, litoral Norte de São Paulo ou do Vale do Itajaí, Santa Catarina, entre outras. A pedagogia do luto não deve ser nosso modelo e a impunidade tem de acabar, ou os erros sempre se repetirão e mais mortes acontecerão.

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