Embora assumindo significados diferentes para os cristãos e para os não cristãos, o Natal – cuja origem se perde na Antiguidade – nos mostra que a fé é uma convicção de que a morte e o mal não são a última palavra.
É neste contexto que é mencionada uma fuga ao Egito levando à imaginação de um Deus criança, um Deus que busca a salvação na simplicidade, na interdependência e no esvaziamento de si em favor do outro.
O Deus criança, portanto, deve ser lembrado pelo serviço amoroso e gratuito ao próximo, diferentemente da visão daqueles que estão, indubitavelmente, mais próximos de Herodes do que de Jesus, sendo cúmplices do massacre de crianças em nosso tempo.
Infelizmente, no Natal não há apenas a figura do Divino Infante, Jesus, de Maria e de José, da estrela, dos anjos, dos pastores e dos reis magos. Há também a figura de Herodes, com a sua crueldade.
Narra o Evangelho de Mateus que, temendo que Jesus quando adulto poderia arrebatar-lhe o poder, Herodes mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus territórios que tivessem menos de dois anos. Ele era tão cruel que mandou eliminar também toda a sua família.
Esse bárbaro exemplo de violência contra as crianças não ficou no passado. Nos dias atuais, o poder dominante dos poderosos, tornado sistema, comete as piores injustiças e mantém os algozes de crianças protegidos no anonimato.
Mais que isso, as novas divindades, os reis de cada tempo se incomodam com a singeleza das crianças e as massacram implacavelmente. Hoje, especialmente no Brasil, vivemos sob vários Herodes, que pregam ódio, discriminação e eliminação de crianças, de indígenas, de jovens negros.
Como não enxergar o Deus criança nos corpos assassinados de tantos meninos e meninas cujas vidas não valem nada para os novos verdugos, os novos imperadores?
Assim como o sangue de Abel – assassinado por seu irmão Caim – o sangue das crianças também grita da terra e coloca em xeque nossa ética, nossa política.
Onde está o enfrentamento às injustiças? Há quem celebre o Natal ignorando que Deus se faz criança a cada dia nesses mais pequeninos e que o reino dos céus é das crianças?
Resta-nos esperança? Sim, esperança. Mas, porém, não a confundamos com expectativa. A expectativa é passiva. A esperança é ativa. O essencial, sem dúvida, é Jesus Cristo. É seu Natal que celebramos. Saibamos, pois, distinguir o que é verdadeiro e o que é fútil na forma que o Natal é comemorado.
Para isso, inspiremo-nos na exortação do apóstolo Paulo: “Não vos conformeis com as estruturas deste mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e julgar, para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, a saber, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito”.
O Natal, no seu sentido mais profundo, quer dizer que Deus está definitivamente ligado ao destino humano. E que nós, humanos, pertencemos a Deus a ponto de fazer-se um de nós, nutrindo a firme esperança de que nossa vida está garantida para sempre.
É atribuída a Camões a frase “procelosa tempestade e soturna noite e sibilante vento”, mas o fim é bom. Ainda na expressão de Camões, “há serena claridade, esperança de porto e salvamento”. O Natal realiza esta promessa.
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