Antonio Carlos Lua
O Brasil começa o ano de 2021 regido por leis do tempo do Império. O Código Comercial – editado em 1850 e ainda em vigência no país – mantém dispositivos da época de Dom Pedro II e cita prerrogativas a embarcações dos ‘súditos do Império’.
Com 170 anos no ordenamento jurídico brasileiro, ele segue regulando o comércio marítimo no Brasil e calcula multas em "mil-réis" e "contos de réis".
O Código Comercial foi publicado no Século XIX, quando Dom Pedro II ainda governava o Brasil. Em seu artigo 457 ele diz que “somente podem gozar das prerrogativas e favores concedidos a embarcações brasileiras, aqueles que verdadeiramente pertencerem a súditos do Império, sem que algum estrangeiro nelas possua parte ou interesse".
O Código de Processo Penal – editado em 1941 – organiza a justiça penal, define a tramitação dos processos e possíveis recursos. Ele prevê o direito à prisão especial para "interventores de Estado", figuras que substituíam os governadores na Era Vargas.
Também gozam do mesmo benefício cidadãos inscritos no ‘Livro de Mérito’, condecoração oferecida pelo governo a pessoas com valiosos serviços prestados ao país. Conforme o artigo 295 do referido Código, estas figuras serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva.
O Código Penal – publicado em 1940, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas – visa manter a ordem social. Seu texto reflete hábitos da sociedade da época e continua sendo regido por regras arcaicas, apesar das reformulações legislativas feitas pelo Congresso Nacional.
A lei dos direitos adquiridos por empregados – promulgada em 1892, antes da Proclamação da República – é hoje a norma jurídica mais antiga do país e, na prática, não tem nenhuma serventia.
Assinada por Floriano Peixoto, ela assegura – independentemente das normas adotadas na jovem República – a manutenção de benefícios obtidos no Império a funcionários que já morreram há muito tempo.
Em seu artigo 1º a norma diz que “os direitos já adquiridos por empregados inamovíveis ou vitalícios e por aposentados, na conformidade de leis ordinárias anteriores à Constituição Federal, continuam garantidos em sua plenitude".
Afastada do poder há mais de um Século, parte da família imperial ainda recebe uma taxa sobre a venda de todos os imóveis na região central de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. É o Laudêmio que não é lei, mas sim um direito.
A benesse – que remonta ao Brasil Colônia – está presente no Código de Ordenações Filipinas (Século XVII), e ainda engorda os cofres da União nos terrenos de Marinha em todo Brasil.
O livro 4 das "Ordenações Filipinas diz que “o foreiro, que traz herdado, casa, vinha ou outra possessão aforada para sempre (...) não poderá vender, escambiar, dar, nem alhear a “cousa” aforada sem consentimento do senhorio."
A Lei Federal nº 20 – promulgada em 22 de outubro de 1891 – está em vigência há 125 anos. Editada para durar pouco, acabou sendo um prêmio de consolação concedido pela recém-criada República do Brasil ao destronado Dom Pedro II.
Sancionada pelo presidente Marechal Deodoro da Fonseca, a lei previa – e, tecnicamente, ainda prevê – o pagamento de uma pensão anual de 120 contos de réis ao imperador deposto.
Acontece que o monarca sem cetro morreu em 5 de dezembro de 1891, tornando, assim, sem sentido, a mencionada lei um mês e 13 dia depois da mesma ser sancionada. Ainda assim, ela segue valendo.
Esse também é o caso da Lei 48 de 1935 que, entre outras determinações, proíbe o voto de analfabetos e mendigos. A Constituição de 1988 tornou essas vedações inválidas e nenhum cidadão nessas condições é barrado na cabine de votação. O problema é que formalmente a Lei 48/1935 consta no sistema do governo federal como em vigência.
A última Lei de Segurança Nacional – editada em 1983 pela ditadura militar e considerada um “entulho” autoritário – continua valendo. Tem sido usada por autoridades policiais para enquadrar integrantes de manifestações de rua que se excedem, embora o Código Penal seja suficiente para tratar desses casos.
O Código Brasileiro de Telecomunicações – editado em 1962 – proíbe rádios e TVs de "ultrajar a honra nacional", enquanto o Código Penal Militar, de 1969, prevê a pena de morte por fuzilamento, também presente na Constituição Federal em casos de guerra.
Além de entrarem em conflito entre si, as leis arcaicas congestionam e causam uma confusão legal no ordenamento jurídico do país, que possui um dos mais anacrônicos regimes legais do mundo, batendo recorde na manutenção de leis obsoletas e esdrúxulas.
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