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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Limites da imunidade

Por Antonio Carlos Lua

Os políticos brasileiros não têm uma percepção de si mesmos como potenciais infratores da lei e  em tempos de moral social degenerada  querem se tornar invisíveis aos olhos da Justiça, imitando Giges, personagem do livro “A República”, do filósofo da Grécia Antiga, Platão, fundador da Academia de Atenas.

Na obra, Platão narra que, após uma tempestade, seguida de um tremor de terra, o chão se abriu e formou uma enorme cratera, onde Giges, um camponês, cuidava do seu rebanho. 

Surpreso e curioso, Giges entrou na cratera e descobriu um cavalo de bronze cheio de buracos, através dos quais enfiou a cabeça, encontrando, no fundo do abismo, o cadáver de um homem, que trazia apenas um anel em um dedo. Ele tirou o anel e tratou de fugir do local.

Mais tarde, reunindo-se com outros camponeses para fazer o relatório do rebanho ao Rei, Giges colocou o anel no dedo e girou por acaso o engaste para o interior da mão e imediatamente tornou-se invisível para os demais presentes. 

Admirado com a descoberta desse poder e seguro de si, dirigiu-se, sem titubear, ao Palácio, onde seduziu a rainha, assassinou o Rei, usurpou o trono e deu início a sua longa dinastia, cometendo inúmeros crimes.

É assim que muitos políticos se comportam favorecendo-se da invisibilidade que a imunidade parlamentar lhes oferece, usando suas prerrogativas para agir contrariamente às virtudes da Justiça, subvertendo os valores morais da sociedade, como se fossem imunes à legislação vigente no país.

Uma das maiores mazelas sociais do Brasil – a corrupção – impera porque muitos políticos, em atos que não têm nenhuma conexão com o efetivo exercício da atividade política, cedem lugar às manobras escusas como se vivêssemos numa aristocracia, onde uma elite política se coloca acima da lei.

A Constituição Federal define, em seu artigo 53, a imunidade como direito dos parlamentares de falar, opinar e votar de forma livre e soberana, sendo estes invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, protegidos de retaliações ou perseguições.

O problema é que muitos políticos confundem essas prerrogativas com privilégios pessoais e tentam transformar o instituto num "guarda-chuva" de práticas ilícitas generalizadas em relações privadas que caracterizam desvio de finalidade do instituto da imunidade parlamentar.

Essa visão de que a coisa pública não é de ninguém é decorrência dos privilégios políticos que marcaram o processo de formação do Estado, fazendo com que o Brasil  que formalmente é uma República  insista em ser ainda um país de súditos.

Os "yahoos" da política não deixam o Brasil concretizar o seu ideal republicano. Se eles lessem o noticiário da Escandinávia seriam capazes de dar um rim, cada um, para viver longe do exótico conceito nórdico de democracia.

Eles esquecem que a imunidade não é pelo mandato, mas sim para o mandato. O parlamentar a detém para o exercício de sua função, e não pelo exercício dela. É protegido para ser, e não por ser. 

É princípio basilar do Estado Democrático de Direito a responsabilização de qualquer cidadão que infringe a lei, independentemente de sua graduação ou cargo que exerça.

Privilégios desvirtuados não podem ser considerados garantias constitucionais, mas sim ofensa à ordem pública. 

Prerrogativas obscuras traduzidas nas possibilidades de permitir desmandos, atos explícitos de corrupção, peculato, estelionato e outros golpes ainda não batizados na seara política brasileira representam a falência do Estado Democrático de Direito.

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